Por uma dessas boas coincidências que acontecem de vez em quando, eu estava despachando com Marília em seu gabinete quando chegou para ela a informação completa de que Contagem estava prestes a perder mais de R$ 80 milhões só neste ano em função das mudanças na distribuição às cidades do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) da Educação. O secretário de Fazenda, Dalmy de Freitas Carvalho, havia mandado para a prefeita pelo WhatsApp um texto explicando detalhes das perdas e dos critérios que ora estão colocados na atual legislação, que dispensa solenemente o critério do número de alunos matriculados em cada município para dividir o dinheiro do tributo e leva em consideração, de maneira nebulosa, apenas os índices educacionais de cada cidade.
Ao receber de Dalmy a informação mais completa e embasada, Marília – que já tinha uma boa noção geral do problema – me repassou alguns detalhes. No mesmo momento, já enxerguei a tal distorção da distribuição de recursos como uma boa pauta para a imprensa. Com a autorização da prefeita, fiz alguns contatos com jornalistas e o assunto, ao ser divulgado pela jornalista Edilene Lopes, da rádio Itatiaia, começou a ganhar corpo para além dos muros da Prefeitura de Contagem. Marília deu a primeira entrevista sobre o ICMS da Educação e não tardou para que outros veículos começassem a nos procurar para que a prefeita pudesse explicar o que estava acontecendo e o que o município de Contagem pretendia fazer.
Contei essa primeira parte dos bastidores do ICMS da Educação na mídia para levar adiante, a seguir, o objetivo deste artigo: mostrar como Contagem alcançou a liderança desse importante debate em Minas Gerais e como a cidade está capitaneando uma mudança que, em algum momento, terá que ser feita nos critérios de distribuição do imposto, levando aos municípios que têm perdas um mínimo de razoabilidade e equidade em relação aos outros. Quando o assunto “estourou na mídia”, Marília já havia começado a conversar com os prefeitos de Belo Horizonte, Fuad Noman, e de Betim, Vittorio Medioli. Uma articulação das três maiores prefeituras da Região Metropolitana de Belo Horizonte certamente teria mais força diante da Assembleia Legislativa, do Governo de Minas e do Judiciário.
Enquanto articulava reuniões com vários desses atores, Marília colocou também as equipes técnicas da Prefeitura para refinar mais os dados e estimativas relativas às perdas de grandes cidades e aos ganhos exorbitantes de pequenos municípios com a nova distribuição do ICMS da Educação. A controladora-geral de Contagem, Nicolle Bleme, e a procuradora-geral do Município, Sarah Campos, entraram em campo para dar suas visões e contribuições. Marília conseguiu marcar importantes reuniões com dirigentes do Tribunal de Contas do Estado (TCE), do Ministério Público Estadual (MPE) e do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).
Em meio a todo esse processo, ela conversou com o presidente da Assembleia, Tadeu Martins Leite, e com representantes do Governo do Estado. Ainda procurou a Associação Mineira de Municípios (AMM) e a Associação dos Municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte (Granbel). Assim, o assunto cresceu de vez. A incansável ação de Marília e da equipe que a cerca deu a muitos prefeitos consciência do problema. Os prefeitos de BH e Betim deram seus posicionamentos. A prefeita de Vespasiano, Ilce Rocha, que é presidente da Granbel, também entrou na discussão.
Enquanto as reuniões iam ocorrendo, as equipes da Fazenda, da Controladoria e da Procuradoria de Contagem iam ampliando e aprofundando os estudos técnicos, o que dava a Marília ainda mais subsídios para se pronunciar de maneira firme sobre o ICMS da Educação. A prefeita jamais abriu mão da defesa do diálogo, tampouco deixou para trás sua convicção do que deve ser uma distribuição justa dos valores. Com os dados e os estudos e o posicionamento assertivo e certeiro de Marília, de maneira natural ela se transformou na grande referência sobre o ICMS da Educação. A imprensa passou a recorrer a Contagem quase que diariamente neste último mês em busca de informações mais precisas a respeito da distorção.
Fato interessante da minha observação do dia a dia é que, nas incontáveis reuniões envolvendo os órgãos estaduais em que eu estive presente, a primeira palavra sobre o assunto sempre é da prefeita de Contagem, assim como o maior domínio da legislação e dos números. A mesma lógica serviu para repórteres em algumas coletivas. Mesmo ao lado do prefeito da capital, que capitaliza para si a atenção da imprensa de maneira natural, Marília se tornou uma referência: os jornalistas sempre abrem as coletivas fazendo três ou quatro perguntas para ela e só depois recorrem aos outros gestores municipais que estão ao lado dela. A defesa que a prefeita faz não é só para Contagem. São 130 municípios impactados. E ela se tornou, sem forçar a barra, uma espécie de porta-voz de todas essas cidades que estão amargando as perdas com as novas regras do ICMS da Educação.
Este artigo não tem a pretensão de ser técnico. Isso eu deixo para os companheiros Dalmy, Nicolle e Sarah. O objetivo aqui é abordar a construção de uma liderança firme e natural de Marília num assunto que ultrapassa os limites da cidade de Contagem. Também não é objetivo deste texto meramente “jogar confetes” sobre a prefeita, por mais que ela os mereça. Este artigo é, em verdade, um fruto da minha observação constante dos bastidores. Como responsável pela relação da Prefeitura com a imprensa, frequento muitas reuniões internas, acompanho Marília em tantas outras reuniões externas e observo também o comportamento dos atores políticos, da imprensa e da população. E é essa observação que me faz refletir por meio da escrita.
OUTRO CASO EM QUE CONTAGEM ASSUMIU A LIDERANÇA
Embora o ICMS da Educação seja o assunto a ordem do dia nas últimas semanas, devo também lembrar que Contagem, por meio de Marília, foi peça decisiva no desenlace de outra distorção que impunha perdas a praticamente todos os municípios mineiros: as verbas carimbadas da Saúde que estavam presas nos cofres do Governo do Estado. No ano passado, foi a ação de Marília, junto ao presidente da Assembleia, Tadeu Martins Leite, e ao deputado estadual João Vítor Xavier, que destravou mais de R$ 7 bilhões em verbas carimbadas para os municípios. Só Contagem tinha algo em torno de R$ 140 milhões a serem liberados.
Na prática e de grosso modo, o Estado repassava o dinheiro da Saúde para os municípios (inclusive algumas verbas atrasadas há anos), mas o dinheiro chegava atrelado a determinadas ações. Para ilustrar, uma situação hipotética: o Município recebia um dinheiro que só poderia ser gasto com equipamentos hospitalares. Muitas vezes, esse mesmo Município já havia adquirido os equipamentos diante do atraso na distribuição do dinheiro. Portanto, a verba carimbada que chegava aos cofres da cidade não podia ser utilizada para outras ações mais necessárias naquele momento, impedindo o prefeito de gastar com o que realmente era preciso.
Ao observar essa lógica, Marília fez uma grande articulação política e midiática e, em semanas, o problema foi resolvido com uma importante ação legislativa da Assembleia e o reconhecimento da situação pelo Governo do Estado. Acompanhei tudo de perto. Em um discurso no fim do ano passado em um evento em Contagem, João Vítor Xavier reconheceu a liderança ascendente e estadual de Marília para resolver um problema que não era só de Contagem e disse que “Minas Gerais tem uma dívida impagável com Marília”.
Veja aqui o discurso do deputado na oportunidade: https://www.zeprataeivanir.com.br/joao-vitor-xavier-minas-gerais-tem-uma-divida-impagavel-com-a-marilia
Ver de perto essa liderança proeminente é muito interessante. Para uma Contagem que, por muitos anos, teve prefeitos apagados e longe de um debate mais amplo, é interessante ver como Marília faz essa construção de liderança estadual. Ela monta e valoriza boas equipes técnicas, tem uma grande capacidade de leitura política dos problemas e sabe como tornar esses problemas um fato político relevante. Esse tirocínio a distingue de outros tantos políticos por aí e faz com que ela, mesmo sendo prefeita de uma cidade, consiga atuar para resolver problemas estaduais.
Rodrigo Freitas é jornalista