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Rodrigo Freitas: A aula de Comunicação da prefeita

Segunda-feira, 3 de setembro de 2023. Estava prestes a sair para mais um dia de trabalho e, naquela última passada no WhatsApp antes de ligar o carro, vi o pessoal da nossa Secretaria de Comunicação (Secom) estupefato com uma reportagem que acabava de ir ao ar na TV. A matéria tratava da suposta presença de larvas na alimentação fornecida a um paciente no Hospital Municipal de Contagem. A denúncia era séria e não tínhamos tido, na Prefeitura, sequer um tempo hábil para responder. A demanda da emissora chegou por e-mail depois das 22h de domingo, quando nossos plantonistas já não estavam mais em ação, e a reportagem foi ao ar, mesmo sem resposta, pouco depois de 8h, quando começa o expediente na Prefeitura.

Na hora do almoço, uma nova saraivada no jornal da mesma emissora. A Prefeitura era impiedosamente julgada, assim como a empresa que fornece a alimentação aos hospitais e UPAs da cidade. A resposta que foi dada pela equipe da Secom foi lida de maneira protocolar meramente para a emissora não dizer que não fez seu papel jornalístico de ouvir os dois lados. A cara de nojo de âncoras e repórteres era suficiente para produzir na opinião pública um posicionamento contra a Prefeitura. Na Secom, juntamos forças, nos articulamos e fomos melhorando as notas de resposta que enviávamos, a essa altura para toda a imprensa, conforme novas informações iam chegando.

Obviamente outras redes de TV, emissoras de rádio e jornais entraram no caso. Um veículo vai puxando o outro na busca incessante por furos e novas abordagens do assunto. Um efeito dominó ocorre em torno de uma “denúncia” feita na imprensa. Aquele caso sequer havia chegado aos canais oficiais da ouvidoria da Prefeitura antes da matéria ir ao ar na TV. Naquela tarde, a prefeita Marília Campos convocou uma reunião com o alto escalão das secretarias de Saúde e de Comunicação. O encontro seria no dia seguinte, logo cedo. Na terça-feira, pacientemente, ela ouviu todas as explanações e começou a fazer as considerações dela. Era uma semana curta em função do feriado da Independência do Brasil.

No fim da reunião, Marília bateu o martelo: iria vistoriar as obras de construção da cozinha industrial e do refeitório do complexo hospitalar onde havia sido feita a denúncia. As obras tinham acabado de começar e seria uma boa oportunidade de o município começar a se posicionar de maneira mais efetiva. Pontuei naquele encontro que, a meu ver, o mais adequado era que Marília fizesse a visita, mas que o porta-voz na imprensa fosse o secretário de Saúde, Fabrício Simões. Fabrício domina a comunicação oral e sempre se sai bem nas entrevistas. Isso evitaria um desgaste na imagem da prefeita.

Pedi à equipe da Secom para convocar a imprensa. A maioria dos veículos de BH compareceu. Vereadores e representantes da Prefeitura também estavam lá, assim como os donos da empresa que fornece a alimentação a pacientes, servidores e acompanhantes. Após a visita às obras, conforme o combinado, era hora da coletiva. Esperei que Marília saísse para que Fabrício falasse e ela tomou as rédeas, como sempre costuma fazer. Fui até ela e a perguntei:

– Marília, você quer mesmo falar?

– Eu vou falar, não fujo dos problemas e quero me posicionar – respondeu Marília.

Fiquei sem ação com a resposta certeira da ‘chefa’, como costumo chamá-la carinhosamente. Marília começou a explanar sobre o motivo da visita e depois abriu para que os repórteres começassem os questionamentos. Respondeu a todas as perguntas de forma paciente: serena, firme e com muita segurança do que dizia. Houve uma sensação geral de alívio. Marília foi como costuma ser. Não julgou a empresa precipitadamente, como a imprensa cobrava, mas não fugiu da pergunta ao dizer que, sim, poderia haver punição caso algo fosse comprovado contra o fornecedor.

Ao fim da coletiva, um dos repórteres, numa conversa de pé de ouvido comigo, disse que estava impressionado com o fato de a própria prefeita ter “dado a cara a tapa” ao falar com a imprensa. Ali, com a reação de quem a entrevistou, senti que o jogo começou a virar. A gravidade do assunto permanecia, mas a Prefeitura conseguira ter um posicionamento assertivo diante do cenário complicado que havia se instalado.

Nesse caso das supostas larvas, há muito o que ser explicado. No artigo, não é meu objetivo fazer suposições ou conjecturas. Mas o fato é que a quantidade de perguntas que existem e de fatos estranhos que ocorreram em meio à denúncia nos levou a pensar na hipótese de procurar a polícia para esclarecer tudo de maneira imparcial. Conversei com João Alves Junior, nosso subprocurador geral, e falei novamente com Marília.

Passado o feriado, na segunda-feira, 10/9, pela manhã, fizemos uma nova reunião de alinhamento. Definimos os passos que daríamos e pedi à minha equipe para convocar a imprensa. Mais uma vez, Marília aparecia para dar a versão do município e pedir uma investigação ampla e irrestrita de tudo o que precisava de esclarecimento. As perguntas dos repórteres foram mais brandas e, novamente, a prefeita respondeu com a firmeza e a serenidade daqueles que nada devem. Muitos da equipe da Secom se assustaram quando avisei que a prefeita iria até a delegacia e falaria à imprensa lá. Alguns achavam que seria um desgaste. E não foi. A segunda coletiva foi ainda melhor que a primeira.

No fim das contas, ainda estamos tratando com muito cuidado desse caso. Saúde é coisa séria. Mas em momento algum faltou o posicionamento da Prefeitura e da figura da prefeita. E ela faz questão disso.

– A gente não resolve um problema fugindo do problema. A gente resolve o problema enfrentando o problema – disse Marília em uma dessas intermináveis reuniões das quais participei.

Conto toda essa história de bastidores porque ela é uma aula de comunicação e de política em estado bruto. Contagem é uma cidade desafiadora para qualquer comunicador. Embora tenha mais de 600 mil habitantes, o município não tem rede de TV própria, emissoras de rádio ou jornais de grande circulação com o noticiário do dia a dia da cidade. Na grande mídia, muitas vezes prevalecem os problemas, que qualquer grande cidade tem. E a capital, literalmente ao lado de Contagem, por óbvio chama muito mais a atenção dos veículos de imprensa. Nossa Secom usa a chamada tática de guerrilha para se comunicar em Contagem: carros de som, faixas, folders, cartazes, placas, além dos meios digitais, é claro!

Ciente disso e da importância da massificação da mensagem da Prefeitura, Marília capitaneou uma verdadeira ofensiva para que a Prefeitura desse seu posicionamento. E ninguém melhor e com mais autoridade que a chefe do Executivo. Ela desafiou manuais de comunicação que nos ensinam a poupar a imagem do principal gestor. Marília desafiou a lógica e foi para as câmeras. Não julgou ninguém precipitadamente, mas não passou a mão na cabeça de ninguém. Não desfez das denúncias, mas não considerou que elas fossem fato resolvido. Tomou todas as decisões que a caberiam.

O mais interessante disso é que, em todas as decisões, Marília colocou a Secretaria de Comunicação também com papel de protagonismo. Ouviu as ponderações – minhas e do amigo Rodrigo Paiva, nosso secretário de Comunicação. Discordou de algumas, concordou com muitas outras e conseguiu puxar para ela, com tom sóbrio, a narrativa e a posição do município. Marília conseguiu reverter, com sua atuação, boa parte do pré-julgamento feito pelos veículos. Foi, sim, uma verdadeira aula de comunicação. Marília entende o poder que a comunicação tem no governo. E isso, meus amigos, faz toda a diferença para a imagem de gestora séria, presente e competente – mesmo nos momentos ruins.

Rodrigo Freitas é jornalista.

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