No dia 28 de setembro de 2023, a jornalista Idiana Tomazelli publicou um artigo no site oficial do jornal Folha de S.Paulo com o título “Sob Lula, contas públicas têm o pior resultado para um primeiro ano de mandato”. O texto aborda a situação fiscal do governo brasileiro durante o primeiro ano do terceiro mandato do presidente Lula. No texto, a autora:
1. Registra que o governo “registrou um déficit de R$ 104,6 bilhões nos primeiros oito meses deste mandato, o pior resultado para um primeiro ano de mandato presidencial”.
2. Compara estes resultados com os dois mandatos anteriores de Lula, em que “houve um saldo positivo nos primeiros oito meses de seus mandatos, com superávits significativos”.
3. Esclarece o contexto econômico atual, mostrando que “a situação econômica do Brasil é diferente daquela nos primeiros mandatos de Lula” e que “o país tem um histórico de déficit fiscal desde 2014, e apenas em 2022 houve um superávit”.
4. Aponta que houve um considerável aumento de gastos públicos pois, antes de assumir o cargo, “Lula negociou a aprovação de uma PEC para aumentar os gastos em até R$ 168 bilhões para sustentar políticas sociais e outras despesas fundamentais”. Mas que, mesmo assim, o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, “tem trabalhado na recomposição da base fiscal, buscando elevar a arrecadação”.
5. E, por fim, apresenta uma análise dos resultados fiscais dos governos anteriores, buscando esclarecer o cenário econômico, destacando déficits acumulados durante os mandatos de Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro e postula que “ a meta fiscal deste ano permite um déficit de até R$ 216,4 bilhões, mas as projeções do governo apontam para um resultado negativo de R$ 141,4 bilhões”.
As informações trazidas pela autora estão corretas. No entanto, o texto omite um “pequeno” detalhe: a influência do orçamento anterior na situação atual. É essencial lembrar que o orçamento executado em 2023 foi planejado e votado sob a administração de Jair Bolsonaro, em 2022.
Em 2022, diante de uma queda em sua popularidade, Bolsonaro lançou um pacote de medidas com custo fiscal de mais de R$ 90 bilhões. Este pacote englobou iniciativas como o Auxílio Brasil, o vale-gás e linhas de crédito específicas, como microcréditos financiados pelo FGTS e créditos imobiliários para policiais. Além disso, propostas como isenção do IPI para certos compradores de carros e a introdução da Bolsa-Caminhoneiro também podem ser destacadas. Contudo, Bolsonaro perdeu as eleições. E as consequências da adoção deste pacote foram inflação e desequilíbrio fiscal.
Ao não abordar essa realidade, o artigo pode dar a impressão de que o déficit de 2023 é uma responsabilidade exclusiva da atual administração, sem considerar a herança do orçamento planejado no ano anterior. O artigo publicado na Folha de S.Paulo carece de uma discussão aprofundada dessas determinantes fiscais e macroeconômicas. Essa omissão limita a compreensão do leitor sobre o ambiente fiscal corrente. Pior, o texto acaba legitimando falsamente o discurso de uma extrema-direita radical, que busca atribuir a pecha de irresponsabilidade fiscal à atual gestão do governo federal.
A questão é que a gestão Bolsonaro foi terrível do ponto de vista fiscal e econômico para o Brasil. O que vivemos economicamente hoje é consequência do que foi feito no passado recente. Ao analisar os resultados dos últimos quatro anos, podemos verificar que o governo federal sob a gestão de Bolsonaro apresentou resultados críticos, como por exemplo: (1) o maior déficit primário da história (sem buscar soluções no lado da receita); (2) o real desvalorizou de R$ 3,70 para R$ 5,70 durante seu mandato sem resultar em ganhos significativos para a economia (a indústria, apesar dessa desvalorização, teve sua menor exportação em 47 anos); (3) a economia brasileira teve sua maior queda em um único ano na história moderna (as consequências poderiam ter sido ainda piores se o Congresso não tivesse intervindo na proposta de auxílio emergencial de apenas R$ 200,00 sugerido pelo ministro Paulo Guedes); (4) o país atingiu a maior proporção dívida/PIB da história moderna, sem medidas eficazes para gerenciar o perfil e o custo da dívida; e (5) o Brasil enfrentou os maiores índices de desemprego e informalidade laboral de sua história moderna.
Diante do cenário apresentado, é imprescindível questionar a profundidade e responsabilidade com que a imprensa trata assuntos da administração pública. Seria a omissão de alguns dados intencional? Ainda que não tenhamos uma resposta definitiva, é válido refletir sob diferentes prismas. Uma consideração pertinente a se fazer é sobre as metodologias e critérios técnicos adotados pelos jornalistas ao reportar sobre a administração pública em geral.
Em Contagem, enfrentamos um desafio enorme nesse sentido, pois a cobertura que a imprensa faz acerca dos temas de administração pública, principalmente a respeito das obras públicas, não é feita, em minha opinião, da forma mais responsável possível. Digo sem nenhum receio que a abordagem da mídia em relação à administração pública, principalmente no tocante à obras públicas ou mesmo economia, é mais de entretenimento do que de um trabalho investigativo. Os jornalistas, apresentadores de televisão e suas equipes parecem não conhecer sobre administração pública municipal e nem dos elementos que compõem toda essa esfera.
O que observamos bastante é que parece que há um interesse em criar caso e expor situações a partir de um ponto de vista simplista e de senso comum, estabelecendo uma relação causal. Por exemplo, em relação a obras públicas em regiões mais carentes, a imprensa parece querer transmitir uma sensação (falsa) de que a desigualdade social e as questões enfrentadas pelos moradores dessas regiões é somente produto da má gestão pública. Isto é, se os moradores vivem próximo de córregos ou em áreas de risco geológico, isso seria, no ponto de vista da imprensa, culpa exclusivamente de ausências de obras e políticas públicas para aquela região, e não de um problema crônico no Brasil de déficit habitacional e planejamento urbano, que força os cidadãos a ocupar irregularmente esses locais.
Da mesma forma, a cobertura por parte da imprensa, quando não transmite a sensação escrita acima, também, ressalta estereótipos políticos: que a administração pública é composta de muita burocracia, que os processos são morosos, que políticos são corruptos e não estão comprometidos com os interesses da população, entre outras coisas do gênero. Nesses casos, eles utilizam a população carente e suas demandas como massa de manobra, para supostamente evidenciar os problemas que não estão sendo solucionados.
A meu ver, esse tipo de abordagem mais “atrapalha do que ajuda”. Apesar da imprensa forçar a entrega e a realização de pequenas intervenções através de pressão nos municípios, eles seguem fortalecendo a imagem de que a política é uma inimiga da população mais pobre. A imagem que passa é de sucesso, que eles são agentes que conseguem influenciar a política e que conseguem cumprir os atendimentos das demandas com muito mais êxito. Mas, não duvido de que muitas obras realizadas pelos vários municípios pressionados descumpram a legislação em vários sentidos, com os processos não sendo respeitados por conta dos prazos todos ou das emergências, apenas para dar uma resposta à imprensa. Até podemos dizer que esses programas são defensores das companhias de energia e saneamento, uma vez que por muitas vezes eles são responsáveis por garantir energia, esgotamento sanitário e água e não o fazem.
O ideal, a meu ver, é que se a imprensa e a mídia quisessem contribuir positivamente para o debate público, garantiriam seu espaço e seu alcance de comunicação para ensinar e educar, visando a criar uma cultura de conhecimento sobre a administração pública, economia e política. De forma crítica, o tema seria abordado de modo a fazer com que os cidadãos aprendessem o sentido do voto, dos movimentos sociais, das ideias e de como mobilizar e de como fazer política. Em relação ao tema econômico, poderiam explicar os conceitos e ensinar o leitor a ler criticamente qualquer notícia.
Faço esse texto, que pode ser configurado como um breve manifesto, nesse sentido: apelar para que a imprensa seja uma amiga da administração pública. Não no sentido de fazer bajulação dos políticos, mas sim no sentido educacional e científico. É óbvio que reconhecemos a importância da liberdade de imprensa e do papel vital que desempenha na democracia, mas é essencial que ela aborde temas de administração pública de maneira informada e equilibrada. Afinal, só assim poderemos ter um debate público verdadeiramente informado e produtivo.
Lucas Carneiro Costa é comunicador e pedagogo. Mestrando em Economia Aplicada pela Universidade Federal de Viçosa