Sigla desbanca MDB e se transforma na agremiação com mais capilaridade nas cidades; liderança começa no Estado de São Paulo, ajudada pela perda de relevância do PSDB
PODER 360, 27/11/2023
O PSD (Partido Social Democrático) passou a ser, pela 1ª vez desde a sua criação, o partido brasileiro que comanda o maior número de prefeituras brasileiras. São 968 executivos municipais filiados à sigla, 308 a mais do que os 660 alcançados nas eleições de 2020.
O crescimento de 47% fora de um período eleitoral se deu pela migração de prefeitos de outros partidos. Isso fez com que a sigla de Gilberto Kassab, presidente nacional do PSD, desbancasse o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), que há décadas liderava o ranking de domínio de prefeituras.
O crescimento do número de prefeitos do PSD e a sua liderança no Brasil são ancorados sobretudo no Sudeste, região mais rica do país e com a maior quantidade de eleitores. A sigla de Kassab lidera com folga o número de prefeituras.
Em São Paulo, apenas, tem expressivos 329 prefeitos: é mais do que a soma dos prefeitos de todas as demais siglas (leia mais abaixo neste post a lista separada de prefeituras por partido em todos os Estados).
Eis a seguir um quadro que mostra a soma total de prefeitos de cada partido em todo o Brasil:
A presença forte do PSD nas prefeituras hoje não garante, necessariamente, que em 2024 vai prevalecer esse mesmo cenário depois das disputas pela renovação nos Executivos municipais. Mas a sigla de Kassab sai na frente com as máquinas de governos locais a seu favor.
Se confirmar esse favoritismo nas urnas, será um sinal de como as forças de centro e de centro-direita seguem tendo grande tração entre os eleitores.
O PSD lidera em número de prefeitos no Sudeste, mas não está em 1º lugar nas outras 4 regiões do Brasil (como mostram os infográficos mais abaixo neste post). Ainda assim, a sigla aparece sempre entre as 5 primeiras colocadas. No Nordeste, é o 2º colocado, quase empatado com o PP (Progressistas). No Sul e no Norte, está em 3º lugar. No Centro-Oeste, fica em 5º.
Os dados desta reportagem são inéditos e fazem um registro histórico importante da evolução dos partidos no Brasil. Não há um local em que se possa consultar de maneira automática um quadro com a filiação de todos os quase 5.600 prefeitos brasileiros.
Para montar os infográficos aqui neste post, o Poder360 fez um levantamento meticuloso com dados obtidos do sistema de filiação partidária do TSE, que armazena informações entregues pelos partidos (saiba mais no fim do texto). A comparação com anos anteriores leva em conta o resultado de eleições ordinárias ou suplementares.
Depois do PSD e do MDB, os partidos que detêm o comando de mais municípios no país são o PP, à frente de 712 prefeituras, e o União Brasil, com 564. Em seguida vem o PL (Partido Liberal), do ex-presidente Jair Bolsonaro, com 371. O PT, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tem hoje apenas 227 prefeitos e tentará reverter os maus momentos de eleições recentes em 2024.
Poderio do PSD é no Sudeste; PP lidera no Nordeste e MDB no Sul
PSD E O CENTRO
Fundado e idealizado em 2011 por Gilberto Kassab, o PSD entrou pela 1ª vez na corrida eleitoral por prefeituras em 2012, quando elegeu 496 prefeitos. A partir daí, avançou gradualmente sua presença no comando das cidades em todo o país.
Sigla com vocação para ocupar o centro do espectro político, o PSD teve sua expansão nos últimos 3 anos impulsionada no Estado de São Paulo, onde quintuplicou seu tamanho desde as eleições de 2020. A agremiação cresceu principalmente sob prefeituras do PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira) em São Paulo. Enquanto ganhou 263 chefes municipais no Estado, os tucanos perderam 139.
O crescimento se deve à articulação política direta de Gilberto Kassab. “O Brasil caminha para ter poucos partidos de direita, poucos na esquerda e também poucos no centro O PSD está ocupando esse espaço, disse o político em entrevista ao Poder360.
O comentário remete a medidas que nos últimos anos contribuíram para a depuração das agremiações partidárias no Brasil, como a cláusula de desempenho e a proibição de coligações proporcionais –medidas defendidas desde sempre por Kassab.
O Brasil está presenciando um lento e gradual enxugamento no número de partidos políticos. O número de siglas com representação em municípios chegou a 30 em 2016. Agora, por causa das novas regras, há 24 agremiações nas cidades e a tendência é de queda.
Nesse novo ecossistema político, o PSD ocupa um posto que outrora foi do MDB: o de sigla mais cobiçada para assegurar a governabilidade e representando o centro no espectro político.
Seu 1º desafio é manter nas próximas eleições o número de prefeituras que conquistou fora das urnas nos últimos 3 anos. Se tiver sucesso, os prefeitos a mais atuarão como cabos eleitorais regionais e ajudarão o partido a ampliar também suas cadeiras no Congresso e nas Assembleias Legislativas nas disputas de 2026.
Não é tarefa simples. O PT (Partido dos Trabalhadores), com o caixa abastecido e o apoio de Lula, e o PL, que tem a maior parcela de preparam-se para também aumentar a presença municipal em 2024.
MDB, PSDB E PT
Desde as eleições de 2004, como é possível constatar no infográfico a seguir, há queda de números de prefeitos de alguns partidos: MDB, PSDB e PT.
Por razões distintas, essas 3 siglas foram tendo ao longo dos anos desempenhos eleitorais ruins em disputas por prefeituras.
O MDB chegou a comandar no ano 2000 uma em cada 5 cidades brasileiras. O infográfico acima, com dados desde 2004, mostra que em todas as eleições posteriores a sigla foi a que teve o maior número de prefeituras –até perder agora a 1ª colocação para o PSD.
Embora tenha perdido a liderança nas cidades, o partido que foi de Ulysses Guimarães (1916-1992) e hoje é de Baleia Rossi, Renan Calheiros e Michel Temer, também teve aumento no número de prefeitos desde 2020. Foi de 799 para 838.
O MDB esteve na Presidência da República em 2016 com Dilma Rousseff (PT). Pilar da redemocratização e com muita influência política nos anos 1980 e 1990, a sigla vivencia uma queda de prestígio.
Agora, em 2023, tem 212 prefeitos a menos em relação aos 1.050 que elegeu em 2004. De tempos em tempos lança um documento retórico – como em 2019–, mas tem poucas ideias práticas para recuperar os cargos e a influência política que já teve.
Outro sinal de perda de relevância é o número de deputados federais. Nas eleições de 2006, o então PMDB (perdeu o “P” em 2017) foi o partido que mais elegeu deputados federais (89), à frente de PT e PSDB, as duas forças que antagonizavam na disputa pela Presidência da República.
Em 2022, elegeu menos da metade dos deputados para representação na Câmara (42) e perdeu o posto de fiel da governabilidade que teve durante décadas.
O MDB também foi um dos partidos que mais perdeu filiados nos últimos 10 anos. Desde 2014, são 299 mil filiados a menos. Ainda assim, continua sendo o partido com maior número de filiados do Brasil: 2 milhões.
Em 29 de novembro, depois da publicação desta reportagem, a assessoria do MDB entrou em contato e enviou uma nota em que contesta a visão de que o MDB esteja perdendo importância. A nota diz que desde outubro de 2019, o partido tem se renovado por meio da troca de dirigentes, propostas de impacto e ações afirmativas.
O documento cita a PEC da Reforma Tributária, inicialmente apresentada por Baleia Rossi (SP), presidente do partido. Também cita a ministra do Planejamento Simone Tebet (MS), o aumento no número de integrantes na Câmara na última eleição e o fato de o governador do Pará Helder Barbalho ser presidente do Consórcio de Governadores da Amazônia. Leia aqui o texto completo.
PSDB ESVAZIADO
De outubro de 2004 até outubro de 2023, quem sai mal na foto é o PSDB. Perdeu 521 prefeituras. O Cidadania (ex-PPS e ex-PCB), com quem formou uma federação na Câmara, também está entre os que mais encolheram (234 prefeitos a menos).
Apesar de ser o 6º partido com o maior número de prefeituras no Brasil, o PSDB perdeu 186 delas desde 2020. Elegeu 531 prefeitos no último pleito municipal, dos quais restaram apenas 345.
Só em São Paulo, o PSDB perdeu 139 executivos municipais desde 2020. A queda veio depois da 1ª derrota tucana em 28 anos para o governo paulista, quando Rodrigo Garcia perdeu em 2022 para Tarcísio de Freitas (Republicanos), candidato apoiado por Kassab e por Jair Bolsonaro.
Contribuiu para a débâcle tucana em São Paulo a gestão de João Doria no Palácio dos Bandeirantes. Com pouca experiência na política e pouco familiarizado com a Realpolitik que se pratica no dia a dia, ele foi eleito governador em 2018 numa dobradinha informal com Bolsonaro. Depois, rompeu com o governo federal. Quis ser candidato a presidente pelo PSDB, renunciou ao cargo de governador no início de 2022 e acabou não conseguindo viabilizar o projeto –e o PSDB pela 1ª vez desde sua criação não teve alguém disputando o Planalto. Doria saiu da política e hoje ensaia uma aproximação com Lula, a quem mais de uma vez elogiou em público e a quem pediu desculpas por críticas feitas no passado.
Segundo Kassab, São Paulo é um caso “atípico”, porque “depois de 30 anos”, está passando por uma reformulação. Apesar do avanço sobre o espólio tucano no Estado, ele diz que o PSD não tem a intenção de “desgastar” nenhum partido.
“Nossa ação não tem por objetivo diminuir ou desgastar nenhum partido. É evidente que os partidos que estão diminuindo, seus quadros vão para outros partidos, e o PSD tem sido um desaguadouro importante de parte deles”.
O encolhimento do PSDB é visível no Congresso. Em 1998, quando o país era comandado por Fernando Henrique Cardoso, o PSDB teve a 2ª maior bancada eleita, com 99 deputados federais. Hoje, possui apenas 14 deputados em exercício.
No Senado, a situação é ainda pior para os tucanos. No início de 2023, sua bancada já estava pequena e era formada só por 4 senadores. Com a saída de Mara Gabrilli (agora no PSD) e de Alessandro Vieira (que foi para o MDB), a sigla passou a contar com apenas 2 representantes na Casa Alta, perdendo o direito de ter um gabinete da Liderança.
PT PEQUENO
O Partido dos Trabalhadores, apesar de ter conquistado a Presidência da República e ter uma das maiores bancadas no Congresso, vem perdendo espaço nas cidades a cada eleição.
Em 2020, o PT teve desempenho ruim. Elegeu 182 prefeitos, uma queda perto dos 250 que havia conquistado 4 anos antes, em 2016. Mas agora o número já aumentou para 227 cidades, com a atração exercida pelo poder conquistado com a volta de Lula ao Planalto.
Esse número (227), no entanto, ainda está muito aquém dos 643 petistas eleitos sob Dilma em 2012 –quando a sigla ainda desfrutava dos efeitos do crescimento econômico do país sob Lula nos primeiros anos da gestão dilmista.
A partir de 2024, o PT planeja usar Lula mais uma vez como cabo eleitoral para tentar elevar o número de prefeitos eleitos em 2024. O presidente da República já disse que não planeja cortar dinheiro de obras no ano que vem, contrariando o seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
PREFEITOS POR REGIÃO
Além de ser o principal partido em número de prefeitos no país, o PSD também domina na região Sudeste. O Estado de São Paulo transformou-se no maior reduto de domínio dos executivos municipais pela sigla.
Ao todo, 1 de cada 4 cidades do Sudeste (região mais populosa do país) é comandada por um prefeito filiado ao PSD. A dianteira do partido é tão grande que o 2º no ranking, o MDB, tem menos da metade dos municípios.
O PT de Lula tem um desempenho modesto no Sudeste: apenas 36 municípios. É importante registrar que a legenda teve como berço político a região industrial do Grande ABC (na área metropolitana da capital paulista). Em São Paulo, o partido de Lula só tem 4 prefeitos de um total de mais de 600 cidades no Estado.
O PP do presidente da Câmara Arthur Lira (AL) é o partido à frente no Nordeste, com 256 executivos municipais. A sigla, uma das herdeiras da Arena (Aliança Renovadora Nacional), partido que deu sustentação à ditadura militar, mantém grande capilaridade na região.
Muito próximo, está o PSD, com 247, o 2º colocado em número de prefeitos em cidades nordestinas.
Apesar de o PT ter tradicionalmente uma grande votação na região em eleições presidenciais, o partido não consegue converter esse apoio em votos para prefeituras. A sigla é apenas a 5ª maior força política da região, com 135 prefeituras.
O MDB é o principal partido na região Sul, onde tem 251 prefeituras, inclusive a capital do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, com Sebastião Melo.
O partido sempre foi muito forte historicamente na região, a mais politizada do país. É ali que o MDB ainda consegue manter a liderança em número de prefeitos.
Em 2º lugar no Sul vem o PP, com 217 cidades. O PSD é o 3º, com 198 prefeitos, além de ter a capital do Paraná, com Rafael Greca.
O Centro-Oeste, formado por apenas 3 Estados e o Distrito Federal (que não tem executivo municipal), é dominado pelo União Brasil (partido que nasceu da fusão em 2022 do Democratas, antigo PFL, com o PSL, sigla pela qual Bolsonaro foi eleito em 2018). O partido, no entanto, não está à frente de nenhuma capital, cujos prefeitos se dividem entre o MDB (Cuiabá) e o PSD (Campo Grande).
Igualmente sob o domínio do União Brasil, a região Norte tem 115 cidades comandadas pelo partido. É seguido pelo MDB, que comanda a capital de Roraima (Boa Vista).
METODOLOGIA
O levantamento foi feito com informações do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Dos 5.568 municípios brasileiros em que há eleição, há 5 cujos prefeitos não constam na base de dados por estarem em processo de eleições suplementares no momento do levantamento.
Há, ainda, na base de dados do tribunal eleitoral, 157 prefeitos classificados como <em>“sem partido”</em>. Desses, o Poder360 identificou 81 que já morreram, renunciaram ou se afastaram do exercício do cargo. Os partidos dos 81 chefes de executivo que assumiram em seus lugares foram considerados no levantamento.
A contabilização traz algumas limitações:
Mortes, renúncias e afastamentos – é possível que os prefeitos que morreram, renunciaram ou foram afastados sejam em número maior do que o encontrado pela reportagem do Poder360. Como não há base de dados específica sobre esta informação, investigou-se os que não têm registro de filiação no TSE (quando o político morre, o registro do partido deve ser retirado). Mas é possível, por exemplo, que a Corte Eleitoral não tenha conseguido dar baixa no registro de filiação de alguns prefeitos que morreram ou foram afastados;
Dados de outubro de 2023 – os dados refletem as informações de filiados entregues pelos partidos políticos ao TSE em outubro de 2023. É possível que partidos não tenham formalizado todas as filiações que aconteceram até aquele mês na lista da Corte. Também é possível que outras mudanças partidárias tenham ocorrido desde a entrega dos relatórios. O levantamento não capta essas movimentações.
A comparação deve ser lida, portanto, como indicativa de tendência, e não como tendo precisão absoluta.
O fato é que esta reportagem do Poder360 traz o dado mais atualizado sobre filiação partidária de prefeitos do Brasil. Revela uma concentração partidária em curso desde as últimas eleições e uma mudança na relevância das principais siglas nas cidades.