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Marília Campos: um patrimônio político para além do carisma. Artigo de Adriana Souza

Escrever sobre o presente é sempre um desafio para quem se habituou a olhar o passado como nós, historiadoras. Mais desafiante ainda, quando se está envolvida com o objeto do texto. A convite do Prata, aceitei a provocação de dialogar com a trajetória de ascensão e consolidação enquanto força social e política do projeto liderado por Marília Campos na cidade de Contagem a partir da revista “Contagem está feliz com Marília”, lançada no último dia 17/07.

A Revista apresenta uma grande sistematização das realizações de seu terceiro governo condensado em mais de 160 páginas. Um esforço coletivo coordenado pelo economista e analista político, José Prata. Este texto dialoga especificamente com a introdução da revista que busca apresentar o sentido político da liderança representada por Marília Campos ao longo da sua trajetória que se confunde com a história de Contagem no período da nova república.

Intitulada “Marília traz de volta e humaniza o desenvolvimento de Contagem”, a seção introdutória conta com 25 páginas, divididas por 17 subtemas, que abordam desde as capacidades e habilidades políticas de Marília, seus significados e conteúdo do projeto político que ela representa, bem como as perspectivas de seu legado para o passado, o presente e o futuro do município. Seguem alguns comentários e apontamentos que julgo centrais para compreender o fenômeno Marília Campos.

Primeiro, é preciso registrar que a liderança representada por Marília, sua história e conteúdo programático, vão muito além de seu carisma, astúcia e presença cotidianas. Esses elementos são importantes para justificar sua popularidade e sucesso entre os contagenses, mas sozinhos não explicariam a perenidade e robustez desse projeto para cidade.

Por isso a importância de debater o sentido da liderança de Marília, que assim como Lula, ajuda a apontar um caminho para o campo popular e democrático que seja capaz de sobreviver à antipolítica, ao antipetismo e às novas formas de cooptação do poder político pelo capital financeiro. Para tal equação, o autor da revista apresenta seu conceito de liderança por identificação. Interessante reflexão que explicaria essa relação orgânica e perene entre Marília e o povo de Contagem.

Uma segunda questão que merece destaque é o fato da atuação política de Marília romper com diversas formas tradicionais do fazer político, à esquerda e à direita. São exemplos disso: o combate aos privilégios, a não incorporação da política tradicional e profissional, o fazer político cotidiano e a não aparição apenas em período eleitoral, a firmeza nos valores e a não rendição a pressões que colidam com seus princípios, o despojamento e desapego com relação ao poder, a não adesão a “modismos políticos” sectarizantes. Um conjunto de elementos que ajudam a garantir a credibilidade e solidez do projeto político representado por Marília ao longo do tempo.

O terceiro e último comentário sobre o significado político de Marília tem relação direta com o avanço das mulheres na política. Menos explorado na revista, mas com maior centralidade política para a autora do texto, é o jeito e o olhar do cuidado incorporados à prática e ao programa político que Marília lidera. Assunto que precisa avançar nos debates de esquerda e enfrentar as rejeições sectárias e, por vezes machistas, que pregam que falar do cuidado, do afeto, do mundo privado, da maternagem, das famílias, do trabalho doméstico e das desigualdades entre homens e mulheres, reforçariam os estereótipos de gênero e o “lugar da mulher” no ambiente privado.

Fomos habituadas a falar, teorizar e fazer política como “a arte da guerra” ou pensa-la como “a guerra por outros meios”. O fato é que, historicamente, as guerras foram majoritariamente ambientes liderados e elaborados por mentes e corpos masculinos. Ocorre que as mulheres também guerreiam e guerrearam em batalhas tipicamente masculinas ou, ao seu modo, como podemos ver no filme “Mulher Rei”, estrelado por Viola Davis, que narra a história do exército feminino de Agojie, que protegeu o Reino de Daomé entre os séculos 17 e 19. Uma brilhante produção que apresenta outras perspectivas da guerra e da história de África.

Fiz essa pequena digressão para exemplificar que na guerra e na política, embora pouco se tenha escrito ou desenvolvido a temática, existe também um fazer e uma prática tipicamente marcadas por outros olhares, métodos, capacidades e habilidades. Enfim, uma práxis política construída por perspectivas sociais femininas e feministas. E isso não implica em redução do aspecto geral da política ou da economia. Pelo contrário, essa práxis, que tem sua centralidade na ética, política e economia do cuidado, universaliza e amplia em muito o escopo das políticas públicas porque sua natureza é coletiva, constituída no encontro entre seres que são interdependentes durante toda a vida e vulneráveis em diversos momentos de suas trajetórias.

Diante disso, dentre os diversos aspectos virtuosos da atuação e cultura política desenvolvidas por Marília em sua trajetória chama atenção seu olhar afetivo e cuidadoso para a resolução de problemas do povo em programas e projetos como a criação e ampliação da educação infantil, a urbanização das periferias, a construção da Maternidade Pública Municipal, o Bolsa Moradia, o programa Sem Limite, a reforma de praças, parques e espaços de lazer, a implementação de cozinhas comunitárias, a criação do Natal de Luz, a implementação e ampliação da economia solidária, a defesa e preservação da bacia de Vargem das Flores, entre outras. Enfim, medidas que poderiam ser resumidas em: o cuidado com as vidas, com os espaços públicos e com a casa comum.

Segundo o próprio autor da revista, “cada uma das medidas humanizadoras de Contagem tem uma história” (p.11). E essas histórias são todas marcadas por um olhar e uma perspectiva atentas às vulnerabilidades, fragilidades e à interdependência humana, que são o cerne da centralidade do cuidado na sociedade, como defende Helena Hirata(2022) em “O cuidado: teorias e práticas”.

Portanto, o programa político representado por Marília Campos em Contagem vai muito além da figura carismática, da inteligência apurada e da presença cotidiana encarnadas por ela. A liderança de Marília e o projeto político que ela representa constituem um sólido e profícuo patrimônio do campo popular e democrático de Contagem, de Minas e do Brasil. Cabe a nós garantir que a sua continuidade no tempo e na história possam abrir caminhos para a ampliação da presença das mulheres no poder e, portanto, da igualdade social, bem como para um novo ciclo de avanço, reconstrução e transformação da nossa cidade, estado e país.

Adriana Souza é professora de história, mãe, petista, militante socioambiental e assessora política do governo Marília Campos.

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