Constrangidos pelo escândalo, parlamentares são atraídos com cargos e emendas
VALOR ECONÔMICO> 24/08/2023
O índice-Rolex que mais interessa ao governo apareceu na votação do arcabouço fiscal. O PL deu 47 votos ao governo, 17 a mais do que na primeira votação da nova regra fiscal em maio. A maioria do partido (52%) votou pela aprovação. Os votos contrários caíram de 60 da primeira votação, para 43 nesta. Foi o partido que mais contribuiu para que a contestação ao arcabouço caísse de 108 votos para 64.
Esta foi a marca da votação. A adesão ao governo não cresceu tanto. O apoio à nova regra fiscal passou de 372 em maio para 379 votos esta semana. O que caiu foi a rejeição à proposta. Isso deveu-se ao fato de que se trata de projeto de Estado e não de governo, dizem os parlamentares. Mas já era este o projeto na votação de maio.
Fulanizar é preciso. Josemar Maranhãozinho (PL-MA), por exemplo, era “não” e agora votou “sim”. Braço direito de Costa Neto, o deputado apareceu em gravação da Polícia Federal com maços de dinheiro e é alvo de um processo no Supremo por superfaturamento na Codevasf com recursos de emendas parlamentares. Até aqui é um dos deputados com mais emendas liberadas por este governo.
Outro que virou casaca foi o deputado Alberto Fraga (PL-DF), da bancada da bala. Depois que o Senado excluiu dos limites do arcabouço o fundo constitucional que custeia a polícia golpista do Distrito Federal ficou difícil para o deputado manter voto contrário. Entre os 43 que permaneceram firmes contra a nova regra fiscal está a turma que vai segurar na alça do bolsonarismo até a sepultura, como o 03, Eduardo Bolsonaro (SP), Nikolas Ferreira (MG), Carla Zambelli (SP), Julia Zanatta (SC) e Zé Trovão (SP).
O mapa de votação ainda mostrou que entre os dois partidos que pelejam por um ministério, PP e Republicanos, este último mostrou mais serviço. Ambos deram o mesmo número de votos (34) ao arcabouço. No Republicanos, porém, este número refletiu 97% de adesão, enquanto no PP, 92%.
A adesão do Republicanos, apenas um ponto percentual a menos que o PT, é reflexo, como se ouve no Palácio do Planalto, da preservação dos espaços das entidades assistenciais mantidas pelo partido no Orçamento da União.
No Centrão, o PP foi mais governista que o União, cuja bancada exibiu um índice de 89% de adesão. O número de votos contrários no PP caiu de 7 para 3, o que cresceu foi a abstenção (12), bem ao gosto do presidente do partido, o senador Ciro Nogueira (PI), que proclama oposição mas também “carinho” pelo presidente da República.
O pragmatismo também imperou na base governista raiz. O Psol, que precisa do apoio do PT – e do governo – para sua principal candidatura em 2024, a do deputado Guilherme Boulos à Prefeitura de São Paulo, migrou em bloco os 12 votos do partido do “não” para o “sim”. Além disso, em reuniões com banqueiros e investidores, Boulos tem se vendido com um perfil moderado de quem quer cuidar da cidade e desmontar os enclaves do crime organizado na política municipal. Não convenceria de uma ou outra tarefa se batesse de frente com o arcabouço fiscal.
O resultado do arcabouço não permite que Lula corra para o abraço nem que o bolsonarismo seja dado por morto. Longe disso. A semana termina melhor do que começou por causa da votação, mas há uma infinidade de bombas fiscais em andamento, da prorrogação da desoneração da folha de pagamentos à desoneração da cesta básica sem garantia de que as alternativas para aumentar a receita, como a taxação de offshores ou de fundos exclusivos venham a ser acolhidas. A previsão do ministro Fernando Haddad, de zerar o déficit em 2024, já não convence.
Se o diálogo entre o presidente da Câmara e o ministro da Fazenda se desgastou também é verdade que se abriu um canal entre Arthur Lira (PP-AL) e o presidente da República a partir da conversa que tiveram antes do embarque de Lula para o encontro dos Brics. Percorrem um caminho estreitado por metas conflitantes. Lula quer reaver prerrogativas orçamentárias da Câmara e Lira quer se valer delas para fazer de sua sucessão na Casa o trampolim para o ministério e deste, para o Senado.
O que está longe de ser uma nota de pé de página é que este entendimento entre Lula e Lira tenha sido precedido pela absolvição, em segunda instância, da ex-presidente Dilma Rousseff pelas pedaladas. A pressão fiscal sobre seu governo escalou com a aprovação de benesses tais como a desoneração de empresas que agora será prorrogada. Sua derrubada foi urdida pelo mesmo Centrão que, no governo Jair Bolsonaro, dominou a máquina pública e hoje tenta renovar seus créditos com as mesmas bombas fiscais com as quais Dilma foi emparedada.
Não se provou dolo na conduta de Dilma nem tampouco ação sua na maquiagem fiscal. Corroborou para esta absolvição a mudança na Lei da Improbidade conduzida por Lira. Este dolo, hoje rechaçado pelo Judiciário, foi a base da acusação de crime de responsabilidade que lhe custou o mandato.
O recurso de Dilma caiu nas mãos de Alexandre de Moraes indicado à Corte pelo governo que a sucedeu. O ministro o rejeitou sob o argumento de que ao Supremo não é possível “substituir o mérito das decisões políticas proferidas no impeachment”. Daquela cassação nasceram as bases do bolsonarismo que Moraes tenta sufocar substituindo a tudo e a todos. E que Lula peleja para absorver, com PL, com tudo, junto e misturado.
Maria Cristina Fernandes é jornalista.