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Marco Antônio Silveira: Tarifa Zero no Transporte Público

A questão das tarifas no transporte público coletivo de passageiros sempre foi e continua sendo um dos grandes desafios enfrentados nas cidades de todo o Brasil. O preço que cada usuário paga para se deslocar usando ônibus, metrô ou outros modais é muito alto, se considerarmos o nível de renda do trabalhador brasileiro e as condições nem sempre adequadas dos serviços prestados pelas empresas operadoras. Contudo vamos focar nossa reflexão sobre os serviços de transporte público coletivo por ônibus, responsável por grande parcela dos deslocamentos nas áreas urbanas.

Qual a explicação para que as passagens de ônibus sejam tão caras? Como as tarifas são calculadas? O preço da passagem está correlacionado à distância das viagens em áreas urbanas? Por qual razão em alguns municípios há tarifas diferenciadas e em outros não? Enfim…poderíamos aqui listar outros tantos questionamentos a respeito do tema e buscar respondê-los com explicações de ordem técnica e operacional, mas não é esse o nosso objetivo principal aqui.

Então, para simplificar a questão basta, a princípio, entendermos que o preço da passagem é calculado considerando todos os custos de operação do sistema e dividindo esse custo pelo total de passageiros transportados.

Tarifa = Custo total / Total de passageiros transportados

O custo total envolve basicamente os gastos com os veículos (ônibus), combustível, manutenção (peças, lubrificantes, etc.), material rodante (basicamente os pneus), seguros, garagem, os salários dos trabalhadores do sistema (motoristas, cobradores, fiscais, mecânicos e outros) e a remuneração das empresas operadoras. A outra parcela da equação é a dos passageiros transportados, mas somente dos passageiros que pagam a passagem; portanto estão fora deste cálculo os usuários que têm legalmente gratuidade total ou parcial no sistema, como por exemplo os idosos, os estudantes (dependendo da cidade têm gratuidade total e em outras pagam somente 50% da tarifa), as pessoas com deficiência e outras situações.

Ora, se há gratuidades para alguns usuários significa que aqueles que pagam a passagem vão pagar mais caro. Isso por que o custo total será dividido por uma quantidade menor de passageiros, ou seja, será dividido apenas entre os passageiros pagantes, ou seja, pelo total de passageiros transportados excluídos os que têm direito à gratuidade no sistema.

Quem anda de graça nos ônibus está sendo bancado pelos passageiros que pagam a passagem. Isso é justo? Difícil responder, mas acredito não ser um sistema justo, pois, de maneira geral, os usuários de ônibus são pessoas que não têm condições financeiras de se deslocar por outro meio de transporte. Então, nessa lógica, quem usa o ônibus e paga a passagem é uma pessoa que tem condições financeiras iguais ou talvez até menor do que aquelas que têm gratuidade. E isso não nos parece justo!

Por outro lado, imaginemos como seria bom ir ao trabalho, à escola, ao médico, às atividades de lazer ou fazer qualquer outro deslocamento andando de graça nos ônibus! Essa é a ideia geral, o conceito da chamada “tarifa zero”.
É possível termos tarifa zero no transporte coletivo por ônibus ou isso é um sonho que nunca acontecerá?

Vamos partir do princípio constitucional que diz claramente: “o transporte público é um direito social”. Portanto, à exemplo da saúde e educação, que são universais e gratuitas no Brasil, deveria ser assim com o transporte público de passageiros por ônibus; ou seja, ninguém pagaria para andar de ônibus.

Avançando em nossa reflexão, vamos tentar lançar mais luz sobre o assunto. Ora, é preciso entender, como se diz por aí, que “não tem almoço grátis”! Se ninguém vai pagar passagem de ônibus, como o sistema poderá existir? Quem vai bancar os custos de operação e manutenção do sistema?

Evidentemente que essa questão não pode ser tratada de forma simples. O conceito geral da “tarifa zero” é o de não pagar para andar de ônibus, mas, implicitamente, ele pressupõe que o sistema de transporte seja de qualidade, acessível e sustentável. Portanto, há que se pensar em uma solução que contemple tudo isso e que tenha viabilidade técnica, legal e operacional.

Importante destacar que o sistema de transporte público de passageiros por ônibus vem acumulando problemas e dificuldades desde 2003, portanto há cerca de 20 anos, com queda acentuada no número de passageiros transportados e os aumentos excessivos dos custos de operação. Custos maiores e menos passageiros transportados, tendo como consequência uma tarifa mais cara e/ou a redução na quantidade e qualidade dos serviços prestados pelas empresas operadoras do sistema. Como popularmente se diz, “a conta não fecha”. Esta é uma situação que se reproduz, de maneira geral, em todo o Brasil, cenário que foi bastante agravado com a pandemia do COVID 19 nos anos de 2020 e 2021, cujos reflexos negativos ainda perduram até hoje.

Não vamos nos aprofundar nas razões da queda acentuada de passageiros nos ônibus, pois há diversas explicações, mas com certeza não foi somente o preço da passagem e a má qualidade dos serviços prestados; a entrada no mercado do transporte dos aplicativos (Uber, 99 e outros tantos) e o aumento expressivo no uso de motocicletas, dentre outros fatores, contribuíram para essa queda.

Embora não seja de fácil solução, a boa notícia é de que o assunto “tarifa zero” vem ganhando cada vez mais espaço na mídia, no meio político e na sociedade de maneira geral. A preocupação em resolver a situação parece que entrou de vez nas pautas prioritárias dos gestores públicos, sobretudo dos Prefeitos e Prefeitas Brasil afora.

Isso ficou muito evidenciado na 85ª Reunião Geral da FNP – Frente Nacional de Prefeitos e Prefeitas, ocorrida em Brasília nos dias 28 e 29/11/2023, que contou com a participação do Ministro das Cidades, de representantes da Casa Civil e da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, bem como de Deputados Federais e outras autoridades, onde foi destacada a importância da PEC 25/2023. Esta Proposta de Emenda à Constituição “Acrescenta o Capítulo IX ao Título VIII para oferecer diretrizes sobre o direito social ao transporte previsto no art. 6º e sobre o Sistema único de Mobilidade e autoriza a União, Distrito Federal e Municípios a instituírem contribuição pelo uso do sistema viário, destinada ao custeio do transporte público coletivo urbano”.

Por outro lado, a tramitação e aprovação da PEC 25/2023 pode ainda demorar algum tempo e a sua implementação não será de aplicação automática, pois provavelmente dependerá de regulamentações e outros detalhamentos que devem também levar mais algum tempo a se concretizarem. E até que tudo isso aconteça, o que fazer para que se possa ter um sistema mais acessível e sustentável? Quais os recursos e estratégias que os Prefeitos e Prefeitas dispõe para resolver a questão do transporte público de passageiros por ônibus?

O Brasil tem 5568 municípios e a “tarifa zero” foi adotada em cerca de apenas 80 cidades, percentual inexpressivo de apenas 1,4% do total de cidades. Por que razão tão poucas cidades adotaram a “tarifa zero”? Qual o tamanho destas cidades e as características do sistema?

Observa-se que em todas as cidades que aderiram à ideia da “tarifa zero”, o município passou a subsidiar integralmente o sistema, destinando parte das receitas municipais para essa finalidade. As cidades que aderiram são de maneira geral cidades com população menor que 100 mil habitantes e que puderam dispor de receitas dos cofres públicos sem afetar tanto o atendimento de outras demandas da população, como saúde, educação e segurança; várias delas inclusive contam com recursos advindos de royalties da mineração e do petróleo, o que facilitou a decisão em oferecer “tarifa zero” no transporte público. Obviamente que em todas essas cidades a demanda de passageiros aumentou significativamente, uma vez que toda a população pode usar os ônibus sem pagar; então quem não podia pagar para andar de ônibus ou quem andava somente quando dispunha do vale transporte passou a usar os ônibus rotineiramente e a demanda com isso aumentou demais, já causando desequilíbrio entre demanda e oferta, o que poderá causar novos problemas para os gestores e os usuários.

Será que os Prefeitos e Prefeitas de todo o Brasil não gostariam de adotar a “tarifa zero” em suas cidades? Claro que sim, pois é uma medida altamente positiva e que agrada a população. Contudo não é possível fazer isso comprometendo outros serviços básicos para a população, como por exemplo saúde e educação, e inviabilizando obras importantes para a cidade em infraestrutura viária e de saneamento, dentre outras.

Neste contexto, portanto, há que se buscar novas fontes de financiamento para o sistema de transporte público. Para viabilizar a “tarifa zero” há que se entender que o custo do transporte coletivo tem que ser bancado pelo conjunto da sociedade. Como a discussão do tema vem acontecendo em todas as esferas, as ideias para esse financiamento estão surgindo. Alternativas como por exemplo “reunir todo o gasto com vale transporte que as empresas dão aos empregados e repassar diretamente para o sistema”; “taxar o uso das vias públicas pelos automóveis particulares e aplicar os recursos no transporte coletivo”, o chamado “pedágio urbano”; “criar uma taxa extra anual ser paga pelos proprietários de automóveis e motos no licenciamento dos veículos e repassar os recursos para o transporte coletivo”; “destinar os recursos da CIDE integralmente para o sistema de transporte coletivo de passageiros”, “isentar de impostos os principais itens que integram os custos de operação do sistema, como os combustíveis, lubrificantes, veículos, pneus e peças”, dentre outras propostas começam a ser debatidas na busca de se encontrar as soluções para viabilizar a adoção da “tarifa zero” em todo o Brasil.

Vale lembrar que muitas destas ideias acima mencionadas dependem de decisões que envolvem o Governo Federal, o Poder Legislativo e provavelmente, em algum aspecto, o Poder Judiciário.

Pode até ser que você que lê este artigo não utilize ônibus para seus deslocamentos pois tem condições de ter e usar seu automóvel. Pode ser que realmente o tema não faça parte das suas preocupações, mas muito provavelmente na sua família, na sua empresa, no seu condomínio e nos ambientes que você frequenta, há pessoas que dependem do transporte coletivo por ônibus; quem sabe a sua faxineira ou o porteiro do seu edifício. Você parou para pensar nisso? Então creio que o assunto é de interesse geral.

O desafio está posto. Os debates estão acontecendo. Os Prefeitos e Prefeitas estão se mobilizando para encontrar as soluções. O que você pensa sobre tudo isso? Você, caro leitor e leitora, é favorável à “tarifa zero”? Considera a “tarifa zero” a solução para os problemas de mobilidade urbana”? Convido todos e todas a refletirem sobre o tema e se engajarem no debate. A hora é essa!

Marco Antônio Silveira é Engenheiro Civil e especialista em engenharia de tráfego e transportes

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