A questão da mobilidade urbana nas médias e grandes cidades é um desafio cotidiano enfrentado pelos gestores públicos e por toda a população que reside, trabalha, estuda ou desenvolve qualquer atividade nas cidades. Isso ocorre em todas as cidades do mundo, sendo que nos grandes aglomerados urbanos, sobretudo nas regiões metropolitanas, o desafio da mobilidade torna-se ainda maior. Vale lembrar que quando falamos em mobilidade urbana estamos nos referindo a todos os aspectos e modais que envolvem o tema e, neste sentido, é fundamental que as soluções devam sempre ter em mente a necessidade de se buscar as melhores condições de segurança, acessibilidade, conforto e viabilidade técnica e econômica, de tal forma que haja sustentabilidade dos projetos e intervenções.
Por outro lado, é de conhecimento geral que a mobilidade urbana nas grandes cidades não será resolvida com o uso do transporte individual motorizado (carros e motos), pois a solução depende de um sistema de transporte público coletivo de passageiros com qualidade e capacidade para prover a necessidade dos usuários. Partindo dessa premissa de que é imprescindível que as cidades disponham de um adequado transporte público coletivo de passageiros, a pergunta que se coloca é: “Qual a melhor solução: ônibus ou metrô?”
O título deste artigo, propositalmente, coloca a questão no âmbito da Região Metropolitana de Belo Horizonte – RMBH, onde, pelo menos desde o final da década de 1970 o assunto já era debatido, cabendo lembrar que o “metrô de Belo Horizonte” foi inaugurado em agosto de 1986.
Visto à época como a grande solução para o transporte de massa de passageiros em Belo Horizonte, conectando-se também à Contagem, através da Estação Eldorado, o metrô de BH não conseguiu cumprir a contento o seu papel, pois apenas uma linha foi implantada e o crescimento de Belo Horizonte, Contagem, Betim e outras cidades da RMBH, exigia e ainda exige soluções mais arrojadas e integradas, para que se possa ter uma mobilidade urbana mais adequada em toda a região.
Neste contexto vamos tentar começar a responder à pergunta formulada no título do artigo.
Transporte público de passageiros na RMBH: ônibus ou metrô, qual a melhor solução?
Antes, vamos fazer uma breve retrospectiva para falar sobre a questão do transporte sobre trilhos, que na RMBH já teve em épocas passadas o trem de passageiros entre diversas cidades e em Belo Horizonte havia também o bonde circulando na área central e bairros mais próximos. O trem de passageiros, o chamado “trem de subúrbio” foi sendo desativado aos poucos, e sua última linha foi extinta no ano de 1996, quando então passou-se a ter somente transporte de cargas sobre trilhos; já o bonde operou em BH do início do século passado até o ano de 1963, quando foi extinto integralmente. Portanto, fica claro que já houve na RMBH outras opções de transporte público de passageiros que não somente os ônibus ou o metrô.
Voltando ao conteúdo da pergunta, é importante destacar que a resposta exige primeiramente que todos entendam com clareza a complexidade da mobilidade urbana, que precisa criar as condições para que cada pessoa possa fazer os seus diversos deslocamentos com conforto, segurança, rapidez e a um custo acessível. É preciso entender que não existe um único modal capaz de suprir todas as necessidades de todas as pessoas ao mesmo tempo!
Portanto a resposta é relativamente simples: não há que se fazer uma escolha entre o ônibus e o metrô para solucionar a questão do transporte público coletivo de passageiros na RMBH. A necessidade fundamental é de que haja integração entre os sistemas e que haja opções diversas para os usuários.
Em nenhuma grande cidade do mundo a solução da mobilidade urbana foi conseguida apenas com uma única opção modal. O que se vê nas cidades que conseguiram equacionar de forma mais adequada a mobilidade são redes integradas de ônibus, metrô, trem de passageiros ou outros tipos de transporte sobre trilhos (como por exemplo os bondes e os VLTs – veículos leves sobre trilhos). Além disso, criou-se nessas cidades a possibilidade efetiva de integrar o transporte individual motorizado às redes de transporte coletivo e também por meio de conexão às redes cicloviárias. Em outras palavras, criou-se em algumas cidades a possibilidade de que o automóvel e a bicicleta possam ser utilizados durante parte da viagem entre a origem e o destino final, através da implantação de estacionamentos de veículos e bicicletários nos terminais e estações de ônibus, metrô ou trem de passageiros, garantindo-se a integração intermodal, tanto sob a ótica da integração física como da integração tarifária.
Como propiciar a integração intermodal e a melhoria da mobilidade urbana na RMBH?
Primeiramente é preciso haver planejamento, de curto, médio e longo prazo, que busque soluções não somente para as questões municipais, mas que considerem cada pessoa como um “cidadão e cidadã metropolitano”. Estamos querendo dizer com clareza que as pessoas que vivem nas regiões metropolitanas não se limitam aos deslocamentos apenas dentro de suas cidades, mas circulam por diversos municípios por opção ou por necessidade.
• Quantas pessoas que moram em BH e trabalham em outras cidades, como Contagem, Betim, Santa Luzia, Nova Lima e outras cidades da RMBH? E ao contrário, quantos moram em Contagem, Betim, Santa Luzia, Nova Lima e outras cidades da RMBH e vão diariamente ao trabalho em Belo Horizonte?
• Quantas saem de suas cidades, por exemplo, para buscar atendimento médico mais especializado em Belo Horizonte, que possui uma rede de saúde maior e em geral mais adequada?
• Quantos não saem de suas cidades para atividades de lazer em BH ou Contagem, por exemplo para assistir jogos de futebol e shows nos estádios Mineirão, Independência e mais recentemente na Arena MRV, ou nos ginásios poliesportivos do Mineirinho e do Riacho, esse último em Contagem?
• Quantas pessoas que aos finais de semana e feriados buscam o descanso e o lazer em parques, praças, lagoas e cachoeiras localizadas em outros municípios da RMBH que não aquele onde residem? Você que está lendo este artigo certamente já foi a lugares como a Pampulha, Parque das Mangabeiras e Praça da Liberdade, todos em BH. Muito provavelmente já tenha visitado o Parque Fernão Dias e o Parque Gentil Diniz, em Contagem. Muitos já visitaram o Instituto Inhotim, em Brumadinho. Muitas pessoas já foram ou provavelmente ainda irão a lugares como a lagoa de Várzea das Flores, nos municípios de Contagem e Betim, a lagoa dos Ingleses, em Nova Lima, ou à lagoa Central, em Lagoa Santa.
• Quantas pessoas não circulam entre as diversas cidades da RMBH para estudar, principalmente nas escolas, faculdades e universidades localizadas principalmente em Belo Horizonte, Contagem, Nova Lima e Betim?
As afirmações que fizemos acima não têm nada de novo ou sejam algo desconhecido de todos os que vivem na RMBH, mas trouxemos apenas como exemplos para provocar a reflexão e confirmar a constatação de que somos de fato cidadãos e cidadãs metropolitanos.
Evidentemente que neste cenário de deslocamentos entre as diversas cidades para realizarmos as mais diversas atividades cotidianas, não se pode pensar na mobilidade urbana apenas no âmbito municipal. Embora essa seja uma constatação óbvia, podemos perceber nitidamente que a questão da mobilidade metropolitana está bastante aquém das necessidades da população.
Não é possível melhorar a mobilidade urbana na RMBH sem um planejamento e ações efetivamente integradas e que considerem não somente a mobilidade em si, mas também a necessária sinergia com os aspectos urbanísticos e ambientais!
Em que pese a existência da Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte – ARMBH, que, em tese, poderia exercer o papel de planejar e fomentar intervenções para a melhoria da mobilidade urbana na RMBH, o que se percebe é que isso não ocorre na prática de maneira efetiva. Fato é que a população da RMBH não vê acontecer de fato intervenções e medidas que busquem melhorar e baratear o custo dos deslocamentos entre as cidades no que diz respeito ao transporte público coletivo de passageiros.
Podemos elencar diversas razões para que isso não aconteça, mas a autonomia municipal para gerir e operar os sistemas de trânsito e transporte de cada município, acabou de certa forma por desconsiderar que os deslocamentos das pessoas não se restringem ao âmbito municipal, mas exigem um “olhar metropolitano” para a questão. Vale comentar e lembrar que já tivemos aqui na RMBH um planejamento e uma gestão metropolitana efetiva da mobilidade urbana, nas décadas de 1970 e 1980, quando havia o PLAMBEL e a METROBEL. Naquela época, e embora houvesse problemas a serem resolvidos, havia de certa forma uma gestão e operação melhor no aspecto da integração metropolitana, sobretudo em relação ao transporte público coletivo de passageiros.
A partir dos anos de 1990, pós Constituição Federal, de 1988, e do Código de Trânsito Brasileiro, de 1997, e após a extinção do PLAMBEL e METROBEL, os municípios da RMBH começaram a estruturar seus órgãos gestores de mobilidade. Surgem então a BHTrans, em Belo Horizonte, a TransCon, em Contagem, e a TransBetim, em Betim, primeiros municípios da RMBH a assumirem a gestão e operação do transporte e trânsito em suas cidades. E posteriormente isso ocorreu em vários outros, como Pedro Leopoldo, Sabará, Nova Lima, Matozinhos, Ribeirão das Neves, Santa Luzia e Ibirité, apenas para citar alguns.
Fato é que de certa forma perdeu-se ao longo do tempo a perspectiva de um planejamento, gestão e operação integrada da mobilidade urbana na RMBH! O que se vê, de um lado, é cada município focado apenas nos seus desafios internos da mobilidade, sem levar em conta a perspectiva metropolitana, e de outro o Governo do Estado pensando apenas na perspectiva metropolitana sem levar em consideração as necessidades e particularidades municipais. Não há uma gestão integrada da mobilidade nos aspectos mais relevantes, sobretudo na questão do transporte público coletivo de passageiros. Não há uma integração tarifária entre os sistemas municipais e metropolitanos; não há uma rede metropolitana de transporte por ônibus, efetiva e que contemple a necessidade dos municípios; não há soluções de infraestrutura viária adequadas que garantam uma continuidade dos corredores de transporte municipais e metropolitanos; e por aí vai…
Voltando à pergunta formulada, não se pode tratar a questão do transporte público coletivo de passageiros na RMBH pensando apenas na escolha entre ônibus ou metrô. É preciso ir além, buscando um planejamento mais integrado de toda a mobilidade e pensando-se em soluções mais estruturantes e que promovam mais qualidade, segurança e conforto nos deslocamentos, e tudo a um preço acessível para os usuários.
Apenas para ilustrar, vamos citar dois exemplos de como o problema é sério e urge que a perspectiva seja mudada em benefício do cidadão e cidadã metropolitanos.
• Em Contagem operam “linhas metropolitanas” que jamais deveriam ser assim classificadas, pois têm mais de 90% do seu itinerário dentro do município, mas que são assim enquadradas pois adentram poucos metros dentro de outro município para fazerem um retorno ou terem ali seu ponto de controle (“ponto final”), em cumprimento ao que está estabelecido nas normas e legislação vigentes. Essas “linhas metropolitanas”, gerenciadas pela SEINFRA/MG, têm um preço de passagem bem maior que a tarifa dos ônibus municipais gerenciados pela TransCon, linhas municipais que cumprem praticamente o mesmo itinerário. É um exemplo típico de uma distorção técnica, operacional e de gestão, mas que assim ocorre, em prejuízo dos usuários. E, no contexto atual a Prefeitura de Contagem não dispõe de mecanismos legais para mudar a situação em favor dos usuários municipais.
Situações como esta ocorrem em outros municípios, sobretudo nas regiões de divisas entre as cidades, como por exemplo entre Nova Lima e Belo Horizonte.
• Outro exemplo é a integração dos ônibus com o metrô de Belo Horizonte, que existe fisicamente em diversas situações, mas que ainda não dispõe de uma integração tarifária mais atrativa para contemplar todos os usuários. A título de exemplo, citamos as 39 linhas municipais de Contagem que se integram fisicamente ao metrô na Estação Eldorado, mas poucas delas dão aos seus passageiros a possibilidade de integração tarifária com o metrô, configurando uma outra distorção e um desincentivo ao uso do transporte público nos deslocamentos de Contagem para Belo Horizonte.
E por qual razão não se promove a volta dos trens de passageiros (“trens de subúrbios”) para melhorar o deslocamento da população da RMBH, aproveitando-se da malha ferroviária já existente? A volta dos trens de passageiros com certeza traria enorme benefício aos usuários e contribuiria para baratear o custo dos deslocamentos para a população, dentre outros benefícios para a mobilidade urbana.
Como se vê, o contexto geral apresentado até aqui nos permite constatar que a situação do transporte coletivo de passageiros na RMBH foi se deteriorando ao longo dos anos; encontra-se ruim atualmente e que não se tem perspectivas efetivas de melhoria no horizonte futuro. Isso é fato!
A boa notícia é que há uma “luz no fim do túnel” e já se percebe movimentações de ordem política e institucionais para enfrentar o problema, bem como existem estudos e projetos em andamento na RMBH que poderão contribuir para melhor o cenário.
Assim, é importante mencionar três grandes projetos de mobilidade em andamento na RMBH, que poderão começar a mudar o cenário caso sejam concluídos e que de fato se integrem, sobretudo no aspecto tarifário. São eles:
• O Sistema Integrado de Mobilidade – SIM, com corredores exclusivos de ônibus do tipo BRT e BRS, em fase de implantação pela Prefeitura de Contagem, que já tem parcela significativa de sua infraestrutura implantada. Já se tem dois terminais construídos e dez estações de transferência prontas, bem como várias intervenções viárias, como duplicação de viadutos e construção de trincheiras, para garantir a possibilidade de operação das faixas exclusivas de ônibus. O SIM deverá entrar em operação no ano de 2026 e está sendo implantado com recursos oriundos do PAC Mobilidade, do Governo Federal, e de financiamento junto à CAF-Corporação Andina de Fomento (Banco de Desenvolvimento da América Latina).
• O BRT Amazonas, intervenção que integra o Programa de Mobilidade e Inclusão Urbana de Belo Horizonte, com financiamento do Banco Mundial – BID, cujos estudos e projetos já se iniciaram agora em 2024. O programa prevê, inicialmente, que o projeto entrará em operação dentro de cinco anos, portanto deverá estar concluído no final do ano de 2029. Em que pese parte da solução do BRT Amazonas adentrar ao município de Contagem, a responsabilidade e a gestão cabem à Prefeitura de Belo Horizonte.
• A modernização e ampliação do metrô de Belo Horizonte, com a extensão da linha 1, atual, com pelo menos mais uma estação dentro do município de Contagem (a futura estação Novo Eldorado) e a construção da linha 2, ligando a região do Barreiro à região do Calafate/Nova Suiça. Essas intervenções já estão sendo iniciadas e cabem à empresa METRO BH que venceu a concorrência e é a concessionária que opera o metrô de Belo Horizonte desde 2023, sucedendo a antiga CBTU. Cabe lembrar que o Governo do Estado, com o incentivo e anuência da Prefeitura de Contagem, solicitou recursos do Novo PAC para levar o metrô até a região do Beatriz, na confluência da Via Expressa com a Avenida João César de Oliveira. A gestão do metrô é de responsabilidade do Governo do Estado, através da SEINFRA.
Estes três grandes projetos poderão sim propiciar uma melhoria da mobilidade urbana na RMBH, principalmente no vetor oeste da região, o mais importante em termos de transporte de passageiros, mas que historicamente recebeu menos atenção ao longo dos anos.
Para melhor viabilização dos projetos, é preciso saudar os convênios e acordos de cooperação técnica firmados entre as Prefeituras de Contagem e Belo Horizonte com o Governo do Estado, através da SEINFRA, que criam as condições objetivas para que os entes possam trabalhar de forma conjunta para viabilizar as soluções técnicas e operacionais e potencializar os resultados positivos para a população da RMBH.
Sem ufanismo, mas com otimismo, penso que esses três projetos e o alinhamento entre as cidades de Contagem e Belo Horizonte, através dos documentos firmados, podem significar o embrião de uma governança metropolitana mais efetiva e com foco no cidadão e cidadã metropolitanos, como vem sendo defendido publicamente pela Prefeita de Contagem, Marília Campos, e que conta com a simpatia e anuência dos Prefeitos de Belo Horizonte, Fuad Noman, e de Betim, Vittorio Medioli.
Há muitas outras questões para melhorar o transporte público coletivo de passageiros na RMBH, como fomentar a volta do trem de passageiros entre os diversos municípios, como outrora já ocorreu, mas um início promissor será fazer com que os três projetos acima citados (SIM, BRT Amazonas e ampliação do metrô) sejam viabilizados e se integrem de forma efetiva e que propiciem um deslocamento mais barato, seguro e confortável para a população da RMBH
Finalmente, convido todos e todas a refletirem sobre o tema e se engajarem no debate e nas soluções. A participação da população e de todos os técnicos, empresas operadoras de ônibus, do metrô e dos gestores, poderá efetivamente em um horizonte relativamente próximo trazer a tão sonhada melhoria da mobilidade urbana na RMBH.
Marco Antônio Silveira é Engenheiro Civil e especialista em engenharia de tráfego e transportes