Estamos nos aproximando das eleições municipais de 2024, que ocorrerão em outubro, onde serão eleitos ou reeleitos Prefeitos e Prefeitas em todo o Brasil. Estamos falando de um total de 5570 municípios em todo o país, dos quais 152 têm população acima de 200 mil habitantes, segundo o Censo Demográfico do IBGE de 2022. Quais os desafios que os novos gestores de nossas cidades vão ter que enfrentar? Quais os maiores problemas que cada cidade tem e que precisa ser resolvido? O que a população precisa para que sua vida melhore na cidade onde vive? Há um consenso geral que os desafios são muito semelhantes, sendo que os temas de saúde, educação, segurança, transporte, moradia, limpeza urbana, meio ambiente e infraestrutura aparecem quase sempre em todos os municípios, sejam eles de pequeno, médio ou grande porte.
Dentre os diversos desafios mencionados vamos focar nossa reflexão sobre a mobilidade urbana e o contexto desse tema em relação às eleições municipais de 2024.
Antes, porém de avançarmos em nossa reflexão é importante entender o cenário que os atuais Prefeitos e Prefeitas enfrentaram com relação à mobilidade urbana. Iniciaram seus mandatos em janeiro/2021 em plena pandemia do COVID 19, onde a mobilidade estava totalmente comprometida em todos os seus aspectos, sobretudo na questão do transporte público de passageiros por ônibus, com queda significativa de passageiros transportados e uma demanda que pedia mais viagens, com ônibus menos cheios para se evitar a contaminação pelo coronavírus. E isso gerou grandes desequilíbrios nos sistemas de transporte, até hoje ainda pendentes de solução prática viável em todo o Brasil. Cabe lembrar que os efeitos nocivos da pandemia somente começaram a arrefecer em meados de 2022, mas o cenário ainda é de muitas dúvidas para se entender o “novo normal”, que surge em 2023 e agora em 2024 vai aos poucos tomando uma forma mais clara, propiciando um entendimento de como se deve enfrentar a questão da mobilidade urbana nesse novo mundo.
Neste contexto, pode-se dizer que os atuais Prefeitos e Prefeitas tiveram que lidar com um cenário jamais pensado em termos de mobilidade urbana e tiveram que buscar soluções emergenciais para lidar com a questão, arcando com os ônus de ofertar condições adequadas de mobilidade sem que tivessem clareza absoluta da real demanda por transporte e trânsito nas cidades.
Por outro lado, mesmo durante a pandemia e logo após, nos últimos 4 anos (entre 2020 e 2023), as cidades continuaram a se desenvolver com o surgimento de novos conjuntos residenciais, novos equipamentos de lazer e novos empreendimentos comerciais, industriais e de serviços. Fato é que, de maneira geral, grande parte das grandes cidades cresceram e estão diferentes em relação àquelas de janeiro/2021 no que diz respeito às demandas de mobilidade urbana.
Assim, os novos Prefeitos e Prefeitas que serão escolhidos pelo voto popular em outubro/2024, terão grandes desafios pela frente para prover uma mobilidade urbana mais segura, acessível e inclusiva.
Dito isso, vamos propor a partir de agora uma reflexão sobre cada um dos principais aspectos da mobilidade urbana, buscando apontar possíveis caminhos para que os novos gestores e toda a população entendam a dinâmica do assunto e possam dar a sua contribuição para o avanço das soluções. Vamos abordar nesse artigo cinco grandes temáticas, como ponto de partida para a reflexão que estamos propondo: transporte público coletivo de passageiros por ônibus, mobilidade ativa, transporte público de passageiros sobre trilhos, infraestrutura viária e fortalecimento institucional dos órgãos gestores da mobilidade urbana.
Transporte público coletivo de passageiros por ônibus
Esse talvez seja o maior desafio dos novos gestores em termos da mobilidade urbana, pois o sistema de transporte público de passageiros por ônibus vem acumulando problemas e dificuldades desde 2003, portanto há mais de 20 anos, com queda acentuada no número de passageiros transportados e os aumentos excessivos dos custos de operação, tendo como consequência uma tarifa mais cara e/ou a redução na quantidade e qualidade dos serviços prestados pelas empresas operadoras do sistema. Esta é uma situação que se reproduz, de maneira geral, em todo o Brasil, cenário que foi bastante agravado com a pandemia do COVID 19 nos anos de 2020 e 2021, cujos reflexos negativos ainda perduram até hoje.
Alguns dos principais pontos a serem objeto de reflexão: o atendimento à população não está adequado, com quadros de horários defasados e ônibus em mau estado de conservação; a tarifa é cara e os usuários que não possuem o vale transporte acabam tendo que buscar outras alternativas de deslocamento, pois não conseguem pagar o preço da passagem; a infraestrutura viária precária dificulta a criação de itinerários mais adequados à demanda real dos usuários; falta uma política de integração tarifária consistente, coerente e justa para que se possa atrair demanda e viabilizar o sistema nas grandes cidades e naquelas que estão em regiões metropolitanas; e falta uma visão clara da necessidade de se buscar integrar outros modais de transporte ao sistema de ônibus.
Para resolver grande parte destes problemas é imprescindível que se equacione a questão do custo do sistema e a forma de financiamento. Quem paga a conta do funcionamento e operação do sistema? Aqui surge o primeiro ponto de atenção para os novos gestores municipais, que devem ter clareza que a solução não pode ser atribuída somente às Prefeituras, pois a questão é mais abrangente e demandará esforços de todo o conjunto da sociedade, uma vez que todos, direta ou indiretamente são usuários do sistema de transporte coletivo ou são impactados por ele no seu dia a dia.
Caberá aos futuros gestores de nossas cidades dar continuidade à luta que os atuais gestores vêm fazendo, através da FNP – Frente Nacional de Prefeitos e Prefeitas, buscando sensibilizar o Governo Federal, os Governos Estaduais e o Congresso Nacional, para que possa criar mecanismos legais e estabelecer destinação de recursos para serem aplicados para custear no todo ou em parte os sistemas de transporte coletivo de passageiros por ônibus.
Mobilidade Ativa
Quando se fala em mobilidade urbana é quase instintivo pensarmos apenas nos deslocamentos das pessoas e das cargas utilizando os veículos automotores, como é o caso dos automóveis, dos ônibus, das motocicletas, dos caminhões e dos transportes sobre trilhos. De certa forma isso é natural, pois de fato grande parte dos deslocamentos são feitos utilizando esses modos de transporte. Contudo, não devemos pensar na mobilidade urbana apenas nos restringindo a esses modais, pois ela vai muito além disso.
Sendo assim, é preciso que os novos gestores façam uma reflexão sobre a chamada mobilidade ativa, que trata dos deslocamentos das pessoas e cargas por modos não motorizados, basicamente o modo a pé e por bicicleta.
Façamos uma rápida consideração sobre o tema e a razão pela qual ele deve ser objeto do planejamento e das ações dos novos gestores, como já vem sendo em algumas cidades do Brasil e de todo o mundo. Nesse sentido, se assim podemos ousar dizer, a pandemia do COVID 19 trouxe à tona uma janela de oportunidade para a mobilidade ativa, pois mostrou a importância de se viabilizar redes cicloviárias e de caminhabilidade para que as pessoas possam se deslocar de forma mais saudável e com menor risco de contaminação, como por exemplo quando estão dentro de um ônibus ou em um vagão do metrô.
Fundamental entender que o deslocamento a pé ou por bicicleta pode contribuir muito para a melhoria da qualidade de vida nas grandes cidades e devem ser encarados como modais importantes de deslocamento. Devem assim constar das preocupações, do planejamento e da ação dos novos gestores, potencializando o que eventualmente já tenha sido feito pelos atuais Prefeitos e Prefeitas, de modo a integrar esses modais aos diversos outros disponíveis nas cidades (ônibus, trem de passageiros, metrô, etc.).
Vale lembrar ainda que praticamente todos os órgãos, nacionais ou internacionais, que financiam projetos e ações para melhoria da mobilidade urbana, exigem como um dos componentes importantes a obrigatoriedade de que a mobilidade ativa seja considerada nos estudos, projetos e intervenções.
Transporte público de passageiros sobre trilhos
Sabemos que nem todas as grandes cidades do Brasil dispõe de transporte de passageiros sobre trilhos (trem de passageiros, VLT, bonde ou metrô, apenas para citar os mais comuns), contudo algumas delas reúnem as condições para restabelecer, potencializar ou implantar sistemas de transporte de passageiros sobre trilhos, que geralmente são sistemas de mais alta capacidade de transporte e que podem ser alimentados pelos outros modais, como os ônibus por exemplo.
É preciso que os novos gestores reflitam sobre essas possibilidades e busquem dar sequência a eventuais projetos já em andamento ou que coloquem o tema como uma das prioridades de governo, sobretudo nas cidades acima de 500 mil habitantes e/ou naquelas que estão inseridas em regiões metropolitanas. Evidentemente que estes sistemas demandam recursos vultosos para sua implementação e por isso mesmo dependerão de articulação com o Governo Federal e os Governos Estaduais, inclusive na captação de recursos através de financiamentos externos ou internos.
O que estamos trazendo para a reflexão aqui é o fato de que os novos gestores não podem se furtar a refletir, estudar e buscar soluções mais arrojadas e que podem melhorar e baratear o custo do transporte para os usuários. E, nesse sentido, o transporte de passageiros sobre trilhos pode ser uma excelente alternativa.
Infraestrutura viária
Outro grande desafio para atacar a questão da mobilidade urbana é melhorar as condições da infraestrutura viária das cidades. É preciso ter vias bem pavimentadas, sinalizadas e com um sistema de circulação que leve em conta não somente a fluidez do tráfego, mas principalmente as condições de segurança e acessibilidade.
Estamos aqui falando de intervenções que demandam em alguns casos também grande quantidade de recursos para serem viabilizadas. Os novos gestores terão que se preocupar em pavimentar as vias de forma adequada (e simplesmente não ficar apenas em “operações tapa buracos”, que são importantes mas não resolvem a questão); implantar soluções de transposição em desnível (viadutos, trincheiras e outras soluções) em interseções que já estão saturadas; bem como prover outras medidas relevantes, como é o caso da iluminação pública e do tratamento de acessibilidade nas calçadas/passeios, além, evidentemente de implantar e manter a sinalização em todas as vias.
Com uma infraestrutura viária adequada as condições de mobilidade urbana melhoram significativamente, e, por conseguinte, criam um ambiente favorável para a melhoria da qualidade de vida das pessoas que vivem ou trabalham nas cidades.
Fortalecimento institucional dos órgãos gestores da mobilidade urbana
Inicialmente é importante lembrar que os temas relativos à transporte e trânsito, portanto à mobilidade urbana, foram explicitamente imputados como responsabilidade dos municípios na Constituição de 1988, essa a lei maior vigente no país. Desde então, outros instrumentos legais foram desenvolvidos e reforçam, direta ou indiretamente, a autonomia municipal para lidar com os temas, como se pode constatar no Código de Trânsito Brasileiro (Lei Federal n° 9.503, de 23/09/1997), no Estatuto das Cidades (Lei Federal n° 10.257, de 10/07/2001) e na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei Federal n° 13.146, de 06/07/2015), dentre outras.
Fato é que os municípios, principalmente as médias e grandes cidades, já dispõe de órgãos públicos que são os responsáveis pelo planejamento, operação e gestão da mobilidade urbana, como, a título de exemplo, aqui na Região Metropolitana de Belo Horizonte – RMBH, temos a BHTrans e SUMOB, em Belo Horizonte e a TransCon, em Contagem.
Oportuno lembrar que estes órgãos municipais, gestores da mobilidade urbana, têm a responsabilidade de cuidar do dia a dia dos deslocamentos. São eles que implantam e mantém a sinalização viária; elaboram os projetos de engenharia para resolver os problemas de segurança, fluidez e acessibilidade do trânsito; estudam e estabelecem os quadros de horários e itinerários das linhas de ônibus do sistema de transporte público de passageiros; gerenciam os sistemas de táxi, transporte escolar e outros correlatos; operam e monitoram o sistema de trânsito, inclusive atuando nas intervenções cotidianas para reduzir ou impedir a ocorrência de sinistros de trânsito; avaliam e estabelecem medidas mitigadoras para os empreendimentos de impacto que vão ser instalados na cidade; que fiscalizam o cumprimento das legislações de trânsito e transporte, aplicando, quando necessário, os autos de infração por descumprimento das mesmas; dentre tantas outras atividades.
Neste contexto, é imprescindível que os novos gestores municipais tenham clareza da importância destes órgãos e busquem fortalecê-los institucionalmente, buscando capacitar e qualificar melhor os recursos humanos e estabelecer uma política de inovação tecnológica em todos os setores dos mesmos, objetivando melhorar efetivamente as condições de mobilidade nas cidades e fazer, cada vez mais, que a mobilidade não seja um fator impeditivo ao crescimento e ao desenvolvimento municipal.
Finalizando nossa reflexão, convidamos você que nos lê, a ser um observador atento e colaborativo da mobilidade urbana, ajudando a encontrar as soluções necessárias e contribuir efetivamente com os novos Prefeitos e Prefeitas, no sentido de que as boas práticas já em andamento tenham continuidade e que novas ideias e intervenções venham a ser implementadas, sempre no intuito de promover mais acessibilidade, segurança, agilidade e conforto nos deslocamentos nas cidades. Portanto, entender tudo isso e atuar para implantar uma política de mobilidade mais participativa, inclusiva e sustentável, é dever de todos nós.
Concluindo e, como de costume, convido todos e todas a refletirem sobre o tema e se engajarem no debate e nas soluções. Que as eleições municipais de 2024 possam ser um novo marco nas relações dos gestores com o importante tema da mobilidade urbana e que em cada cidade, encontremos as respostas corretas para que possamos alcançar nossos objetivos de fazer da mobilidade um fator de melhoria da qualidade de vida das pessoas.
Marco Antônio Silveira é Engenheiro Civil e especialista em engenharia de tráfego e transportes