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Marco Antônio Silveira: A mobilidade urbana após a pandemia do COVID 19: desafios e soluções

Aqui mesmo neste espaço já abordamos diversas questões sobre a mobilidade urbana, enfocando temas importantes tanto para Contagem como para outras cidades de Minas Gerais e do Brasil, tais como o transporte coletivo, a mobilidade ativa e a questão da tarifa zero. Estamos começando o ano de 2024 e é oportuno que tratemos esse ano como efetivamente o primeiro ano de volta plena à normalidade pós pandemia do COVID 19. Entender e refletir sobre isso é imprescindível para enfrentarmos os desafios da mobilidade urbana a partir de agora.

Não é necessário aqui mencionar o impacto que a pandemia trouxe para a vida de todos nós, afetando todos os aspectos do nosso cotidiano, e, obviamente, também a mobilidade urbana. Até o início da pandemia, em fevereiro e março de 2020, a mobilidade urbana era tratada de uma forma que considerava cenários de uma “vida normal”, com as pessoas dependendo maciçamente de se deslocarem das suas residências para toda e qualquer atividade ou para acessar qualquer serviço e compras. Ainda que antes da pandemia já se percebesse movimentos iniciais de incentivo às ferramentas de ensino à distância, de reuniões virtuais e de compras pela internet, dentre outras tantas potencialidades da era digital, tudo isso ainda era de certa forma incipiente e não tinha a perspectiva de se transformar praticamente em únicas opções de trabalho, estudo e compras no cenário até então inimaginável do confinamento social imposto pela pandemia. Com a vacinação em massa e outras medidas adotadas pelos Governos e pela sociedade em geral, os efeitos nocivos da pandemia começaram a arrefecer e em meados de 2022 o cenário já era de volta à normalidade (normalidade???), ou ao chamado “novo normal”.

Será que em 2022 já tínhamos de fato uma normalidade em nossas vidas? Que normalidade seria essa? E o que aconteceu em 2023 em termos de mobilidade urbana? Qual a realidade e as perspectivas para a mobilidade urbana a partir deste ano de 2024? Para tentar responder estes questionamentos vamos tentar antes refletir sobre algumas questões.

• Antes da pandemia você ou alguém da sua família faziam as compras do dia a dia pela internet (delivery) como supermercado ou farmácia?

• Você participava no seu trabalho ou na sua escola ou na sua igreja ou no seu condomínio de reuniões virtuais (reuniões on line) antes da pandemia?

• Você ou alguém da sua família deixou de se deslocar por ônibus ou por metrô ou outro modo coletivo durante a pandemia, passando a utilizar outras formas de deslocamento?

• Você ou alguém da sua família passou a trabalhar remotamente, da sua casa, durante o período mais crítico da pandemia? Alguma situação em que foi adotado o trabalho híbrido para reduzir a possibilidade de contrair o vírus; ou seja, alguns dias em trabalho presencial e outros em trabalho remoto?

• Você percebeu alguma alteração no trânsito e transporte da sua cidade em razão da pandemia?

Se você respondeu “sim” para algumas ou todas as perguntas acima, então está mais do que comprovado que a pandemia impactou a mobilidade urbana. Essa conclusão pode parecer óbvia, e de certa forma é mesmo; contudo o que buscamos é entender como realmente se encontra a mobilidade urbana atualmente, sabendo que ela não é a mesma de antes da pandemia, pois muitas pessoas e empresas mudaram as suas rotinas diárias, o que impactou no perfil dos deslocamentos.

Observa-se que muitas empresas passaram a adotar parcial ou integralmente o trabalho remoto como uma solução mais ágil, barata e produtiva para os seus negócios. Muitas escolas, sobretudo instituições de ensino superior, passaram a oferecer cursos por plataformas de ensino à distância (EAD), tendo poucas atividades presenciais para seus alunos. Muitos serviços públicos que antes da pandemia somente eram oferecidos com o comparecimento presencial do cidadão aos guichês de atendimento de cada órgão, passaram a ser oferecidos pela internet, em sites e plataformas digitais que permitem cadastrar e resolver a maior parte dos problemas sem o deslocamento das pessoas. Poderíamos aqui listar outras tantas situações, mas não é o caso. Fato é que tudo isso configura uma nova mobilidade, que ainda é desconhecida na íntegra por todos nós.

Objetivando contextualizar toda essa questão apresentamos no quadro a seguir um resumo dos principais aspectos e a situação da mobilidade urbana frente à pandemia do COVID 19.

Por outro lado, mesmo durante a pandemia e logo após, nos últimos 4 anos (entre 2020 e 2023) as cidades continuaram a se desenvolver com o surgimento de novos conjuntos residenciais, novos equipamentos de lazer, e novos empreendimentos comerciais, industriais e de serviços. Mas e a mobilidade urbana? Houve melhorias significativas nos projetos e soluções de mobilidade urbana na sua cidade? O trânsito está melhor? O transporte público coletivo melhorou e está mais acessível? Houve redução no número de acidentes e vítimas do trânsito?
É fundamental que se encontre respostas clara, objetivas e consistentes para todas estas perguntas. É imprescindível que se busque conhecer o real comportamento dos deslocamentos em cada cidade agora. É necessário atualizarmos dados, levantamentos e informações da mobilidade urbana, entendendo que as séries históricas de volumes de tráfego veiculares, quantidade de passageiros transportados pelos modos coletivos e outras tantos e diversos dados, muito provavelmente sofreram uma descontinuidade e não são os mesmos que antes da pandemia.

Portanto, é preciso que se busque realizar novas pesquisas de origem destino de viagens, tanto para os modos coletivos como para os modos individuais motorizados e também para os deslocamentos ativos (a pé e de bicicleta); é preciso rever os itinerários do transporte coletivo; é preciso identificar os novos gargalos do trânsito e onde estão havendo novas necessidades de intervenções; é preciso rever a regulamentação de uso das vias; é fundamental focar em soluções que contemplem os princípios da acessibilidade universal, dentre tantas outras questões. Não se deve trabalhar com informações “antigas”, do período antes da pandemia, para propor soluções e projetos de mobilidade urbana. Esse é um desafio imenso e que requer, em última análise, uma revisão do planejamento da mobilidade urbana em cada cidade. Os órgãos gestores de mobilidade urbana e a sociedade em geral têm um grande desafio pela frente, mas que pode e deve ser buscado com prioridade, revendo e atualizando o planejamento, principalmente buscando meios de mensurar, quantitativa e qualitativamente, os novos desejos e necessidades de deslocamento das pessoas e cargas nas cidades.

Fato é que se a pandemia impactou a vida de todos nós e afetou drasticamente a mobilidade urbana, trazendo muitos problemas e desequilíbrios, ela trouxe também a possibilidade de uma reflexão mais assertiva e ponderada de qual é a mobilidade urbana que queremos para as nossas cidades. Todos nós queremos uma mobilidade que permita deslocamentos seguros, rápidos e acessíveis. Para isso é urgente rever toda a política de mobilidade, nos seus mais diversos aspectos, inclusive no que diz respeito aos custos envolvidos e a quem cabe pagar por estes custos. sendo essa uma das questões mais relevantes no contexto dos estudos da “tarifa zero”

A título de exemplo, para melhor entendimento do que estamos tentando expor aqui neste artigo, vamos abordar o caso de Contagem. Como se sabe, a cidade apresenta peculiaridades e características que dificultam bastante as soluções de mobilidade urbana, dentre as quais destacamos o fato de ser “cortada” por duas grandes rodovias federais (BR 381 e BR 040), que dificultam bastante a integração das diversas regiões da cidade. Para tentar resolver a questão e minimizar os problemas do transporte coletivo de passageiros, foi estudado, concebido e desenvolvido o Sistema Integrado de Mobilidade – SIM, em fase de implantação pela Prefeitura, com expectativa de início de operação no segundo semestre de 2025. Várias obras viárias já foram realizadas em decorrência do SIM, sendo que todas elas já trazem benefício para a mobilidace urbana, como é o caso da duplicação dos Viadutos da CEASA e da Av.das Américas, ambos sobre a BR 040; e a duplicação do Viaduto do Beatriz (na Av.João César de Oliveira sobre a Via Expressa de Contagem). Além disso, dois terminais já foram construídos e as estações ao longo do corredor norte sul também estão praticamente prontas; faltam dois terminais que serão licitados e cujas obras devem começar agora em 2024. Contudo, é preciso rever a rede de transporte coletivo, atualizar os itinerários e redimensionar quadro de horários e frota, bem como estudar a possibilidade de integração tarifária entre os sistemas municipal e metropolitano, para que o sistema atenda de fato às novas necessidades de deslocamento na cidade. Para tanto, a Prefeitura de Contagem, através da TransCon, está iniciando os estudos para rever e atualizar tudo isso, inclusive em tratativas com o Governo do Estado de Minas Gerais, especificamente com a SEINFRA e DER/MG, para alinhar a operação do sistema municipal com o sistema metropolitano, de forma a otimizar os benefícios esperados com o funcionamento do SIM. Estes estudos vão abranger uma série de pesquisas de tráfego e transporte e simulação dos resultados, de tal forma que, caso necessário, sejam feitos ajustes na rede de transporte e/ou adequações no sistema viário, dentre outros aspectos. Há muito o que ser feito e a Prefeitura de Contagem está atuando para adequar tudo, ciente de que a situação após a pandemia do COVID 19 impõe essa necessidade de revisão e atualização dos estudos e projetos.

Finalizando nossa reflexão, ousamos dizer que apesar da grande tragédia da pandemia do COVID 19, há um legado positivo dela para a mobilidade urbana: a clareza inequívoca de que devemos repensar nossas cidades para buscar objetivamente oferecer opções de deslocamentos para as pessoas, com mais conforto, segurança e acessibilidade, incorporando todos os modais possíveis e agregando de vez a questão da mobilidade ativa como uma das possibilidades de promover mais acessibilidade e saúde para todos. Entender tudo isso e atuar para implantar uma política de mobilidade mais participativa, inclusiva e sustentável, é dever de todos nós.

Concluindo e, como de costume, convido todos e todas a refletirem sobre o tema e se engajarem no debate e nas soluções. Que o ano de 2024 nos permita buscar, em cada cidade, as respostas corretas para que possamos alcançar nossos objetivos de fazer da mobilidade um fator de melhoria da qualidade de vida das pessoas.

Marco Antônio Silveira é Engenheiro Civil e especialista em engenharia de tráfego e transportes

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