Quando se fala em mobilidade urbana é quase instintivo pensarmos nos deslocamentos das pessoas e das cargas utilizando os veículos automotores, como é o caso dos automóveis, dos ônibus, das motocicletas, dos caminhões e dos transportes sobre trilhos. De certa forma isso é natural, pois de fato grande parte dos deslocamentos são feitos utilizando esses modos de transporte. Contudo, não devemos pensar na mobilidade urbana apenas nos restringindo a esses modais, pois ela vai muito além disso.

Estamos querendo falar e compartilhar com você uma reflexão sobre a chamada mobilidade ativa, que trata dos deslocamentos das pessoas e cargas por modos não motorizados, basicamente o modo a pé e por bicicleta.

A mobilidade ativa tem sido cada vez mais objeto de projetos e intervenções nas cidades, pois ela se enquadra perfeitamente no conceito da sustentabilidade, quer seja por envolver modos de deslocamentos não poluentes, quer por estes modos serem mais acessíveis a toda a população, quer por serem de baixo custo de implantação, dentre outras. Além disso são modos que contribuem para a saúde da população.

Andar a pé ou de bicicleta é uma boa alternativa para contribuir para a melhoria da mobilidade urbana e da qualidade de vida nas cidades. Quando afirmamos isso, pode ser que você que está lendo este artigo se pergunte como isso pode acontecer. Como melhorar a mobilidade urbana andando a pé ou de bicicleta, se os grandes problemas estão nos congestionamentos de trânsito e no transporte público coletivo? Para tentar esclarecer, convido você para juntos refletirmos um pouco sobre o tema da mobilidade ativa. Vamos lá!

Modo a pé

Você provavelmente já teve que caminhar na “rua” porque não havia calçadas em condições de caminhar no seu trajeto. Quantas vezes não vamos para a “rua” porque as calçadas não são pavimentadas e estão tomadas por terra, por mato ou obstruídas por qualquer motivo? E as pessoas que têm deficiência física e são cadeirantes, circulando por calçadas assim sem qualquer condição minimamente aceitável de conforto e segurança? Certamente que enfrentam dificuldades ainda maiores.

Reclamamos das prefeituras porque tem muito buraco nas ruas, por onde circulam os veículos motorizados, mas e os buracos nas calçadas e passeios? Outra questão importante é que nos trajetos a pé quase sempre teremos que atravessar as ruas, onde circulam os veículos motorizados. Há segurança e conforto para essas travessias?

As passarelas e as passagens subterrâneas, são de fato soluções para beneficiar os pedestres ou na verdade são estratégias para priorizar a passagem dos veículos? É razoável obrigar o pedestre a passar por cima ou por baixo das ruas, para que as travessias não impactem o trânsito de veículos? Vale a pena pensar sobre o assunto.

Bicicletas

Em muitas cidades mundo afora as bicicletas são utilizadas como meio de transporte efetivo, ainda que seja para parte da viagem entre a origem e o destino da pessoa. Muitas vezes se usa a bicicleta para um deslocamento parcial, por exemplo entre a residência e uma estação de metrô ou um terminal de ônibus, sendo que o restante da viagem é feito pelos modais motorizados. Estamos falando aqui da integração entre bicicleta e metrô e/ou entre bicicleta e ônibus.

Aqui no Brasil, em muitas cidades do país, principalmente nos estados que integram a região Amazônica, a bicicleta é praticamente o único meio de transporte interno nas cidades ribeirinhas, cujo acesso a veículos automotores é bastante difícil e restrito. E mesmo nas grandes cidades da Amazônia, como é o caso de Manaus/AM e Belém/PA, é grande a quantidade de bicicletas em circulação e de fato muitos a utilizam como meio de transporte para as atividades diárias. Talvez essa informação possa parecer estranha aos moradores de outras regiões, como sul e sudeste, por exemplo, mas uma das razões para a grande utilização de bicicletas na região Amazônica é o fato de ser um meio de transporte mais barato e acessível à população menos favorecida, além do que se tratam de regiões mais planas de maneira geral, o que facilita o ato de pedalar.

Contudo, “andar de bicicleta”, principalmente nas médias e grandes cidades, ainda é um grande desafio, pois há escassez de ciclovias e/ou ciclofaixas, o que agrava a insegurança destes deslocamentos. A falta de segurança, para além das questões da pouca infraestrutura, é fruto em grande parte do desrespeito dos condutores de veículos automotores em relação aos ciclistas. Muitos motoristas, infelizmente, vêm o ciclista como um elemento que prejudica o trânsito dos automóveis.

Feitas essas considerações, é importante entendermos que para a melhoria da mobilidade urbana não se pode pensar em nenhuma solução isolada; é preciso integrar os modos de transporte. Sabemos que pequenos e médios deslocamentos podem ser feitos pelo modo a pé ou por bicicleta, caso as cidades se estruturem para isso, o que contribuiria em muito com a questão da sustentabilidade, de uma forma geral. Este portanto é o ponto em que se situa a grande contribuição que a mobilidade ativa pode dar para a efetiva melhoria da qualidade de vida nas cidades: mais deslocamentos a pé e/ou por bicicletas.

Precisamos de criar nas cidades redes de caminhabilidade e redes cicloviárias, conectadas entre si e aos corredores de transporte por onde circulam os ônibus e os modais sobre trilhos (trens e metrôs). Além disso, para incentivar a mobilidade ativa temos que enfrentar o desafio da disputa do espaço viário. Estamos falando que o mesmo espaço na via pública tem que ser repartido entre os diversos usuários, sejam eles os condutores de veículos automotores, sejam eles os ciclistas, sejam eles os pedestres. Quem deve ter prioridade no espaço público? Os veículos automotores? As bicicletas? Os pedestres? Quem é mais importante nesta disputa?

Responder essas perguntas talvez não seja o ponto mais importante. O que importa de fato, creio eu, são as pessoas. E o que querem as pessoas na mobilidade urbana? Ora, elas querem chegar nos seus destinos da maneira mais rápida, segura, barata e acessível, e, se possível, com conforto e qualidade.

Assim, é preciso que se busque o equilíbrio entre as diversas situações. É fundamental que as pessoas procurem se educar e adotar comportamentos mais solidários na mobilidade urbana. Temos um mesmo espaço viário para receber o trânsito dos veículos automotores, a circulação das bicicletas e o tráfego dos pedestres. Então temos que “repartir este espaço de forma equilibrada e coerente”, sempre na busca de beneficiar o maior número possível de pessoas.

Grandes cidades do Brasil estão investindo maciçamente em soluções de mobilidade ativa, incentivando sobretudo o uso da bicicleta como um meio de transporte efetivo, prático e acessível. Cito aqui, como exemplo, a cidade de Fortaleza/CE que tem se destacado na busca por uma mobilidade urbana mais sustentável. Lá foram implementadas soluções para integrar as bicicletas com os ônibus, ampliou-se a rede cicloviária e se investiu na educação das pessoas para conscientização da importância da mobilidade ativa e da necessidade da convivência respeitosa no espaço viário entre os modos ativos e os modos motorizados.

O tema da mobilidade ativa é extenso e merece muitas reflexões, mas principalmente exige um novo olhar sobre as cidades. Não é razoável pensarmos a mobilidade urbana dependendo apenas dos veículos automotores, pois isso estará inviabilizando a mobilidade em pouco tempo a vida nas cidades de médio e grande porte. Então é preciso que este novo olhar busque soluções que incluam os pedestres e ciclistas de forma efetiva na matriz de transporte.
É preciso ousar, quebrar paradigmas, enfrentar as resistências e pensar nas soluções de forma mais abrangente e integrada. Neste sentido, merece destaque as intervenções que estão sendo feitas em Contagem e em Belo Horizonte, apenas para citar duas cidades da região metropolitana, onde os projetos estruturantes de trânsito e transporte, estão incluindo as soluções de mobilidade ativa como parte importante do contexto.

Concluo, convidando você caro leitor e leitora para refletir sobre o tema exposto neste artigo. A mobilidade ativa é, na sua opinião, uma alternativa importante para melhorar a vida nas cidades? Vale a pena pensar a respeito disso para buscarmos soluções que nos possibilitem uma vida melhor e mais saudável na cidade em que vivemos!

Marco Antônio Silveira é engenheiro Civil e especialista em engenharia de tráfego e transportes