Aproximam-se as eleições municipais de 2024 e um dos temas mais pautados em todo o Brasil nas médias e grandes cidades é a mobilidade urbana. Ao contrário de outras eleições municipais, onde os temas de saúde, segurança, educação e saneamento básico ocupavam praticamente toda a agenda dos candidatos a prefeitos e prefeitas, agora em 2024 a mobilidade urbana nestas cidades assumiu papel de relevância e é com certeza um dos grandes desafios a serem enfrentados pelos futuros gestores.
Oportuno enfatizar uma vez mais, como já nos manifestamos aqui mesmo nesse Blog em outras ocasiões, que quando falamos em mobilidade urbana estamos nos referindo a todos os aspectos e modais que envolvem o tema e, neste sentido, é fundamental que as soluções devam sempre ter em mente a necessidade de se buscar as melhores condições de segurança, acessibilidade, conforto e viabilidade técnica e econômica, de tal forma que haja sustentabilidade dos projetos e intervenções.
Os desafios da mobilidade urbana assumem maior proporção quando se fala em Regiões Metropolitanas, pois os deslocamentos de grande parte da população extrapolam os limites municipais, na medida que muitas pessoas moram em determinada cidade, mas desenvolvem parcela significativa de suas atividades em outra cidade vizinha. Os habitantes das Regiões Metropolitanas – RMs já incorporam isso ao seu cotidiano e muitas vezes não percebem com clareza que as dificuldades e os custos dos deslocamentos são agravados por falta de um planejamento e gestão conjunta dos municípios que integram essa RMs.
A “culpa” pelos problemas de mobilidade urbana recaem invariavelmente sobre os prefeitos e prefeitas das cidades que integram as Regiões Metropolitanas.
“O trânsito está ruim. Falta ônibus. A passagem está cara. O semáforo não funciona direito. O asfalto está cheio de buracos. A velocidade em determinada avenida poderia ser maior porque na cidade vizinha é e a via é a mesma, só muda de nome. Os horários de ônibus não atendem às necessidades da população. Não se faz nada para ajudar o motorista, pois os Agentes de Trânsito só sabem multar. Abriram um empreendimento ao lado da minha casa e desde então o trânsito virou um inferno e a Prefeitura não faz nada. Falta estacionamento nas ruas para eu poder ir ao médico e às compras. Tem que por mais quebra-molas naquela rua pois os carros correm demais. É simples resolver e acabar com os atropelamentos: é só construir uma passarela para os pedestres passarem. Esse metrô devia ser mais rápido, como é na Europa. Lá no Japão as pessoas respeitam as regras de trânsito, já aqui na minha cidade é um absurdo; tem que ter Educação de Trânsito. Tem que fazer mais ciclovias, pois é inseguro pedalar nas ruas por onde os automóveis passam. Fiquei mais de uma hora esperando o ônibus e quando passou ele não parou porque já estava lotado; perdi meu dia de trabalho e corro o risco de ser demitido. E por aí vai…”
Você que está lendo esse artigo alguma vez falou ou ouviu comentários como os que acima mencionamos de forma ilustrativa? Ouso dizer que todos nós já nos manifestamos assim em algum momento de nossas vidas. Não há problema algum nessa constatação, mas não se pode ficar apenas nas reclamações e sempre culpando os prefeitos e prefeitas, pois os problemas de mobilidade urbana nas Regiões Metropolitanas dependem muitas vezes de ações que são responsabilidade dos Governos Estaduais e do Governo Federal. Com certeza está faltando uma governança metropolitana para tentar resolver os problemas de forma mais equilibrada e justa para a população destas regiões.
Vamos mostrar aqui a questão da Região Metropolitana de Belo Horizonte – RMBH para tentar ilustrar as dificuldades e os enormes desafios a serem enfrentados. A RMBH é composta por 34 municípios e segundo o censo demográfico de 2022 tem uma população que já ultrapassou os cinco milhões de habitantes, como pode ser constatado no quadro a seguir.
Observando o quadro acima, percebe-se que no período entre 2010 e 2022, usados como referência por serem os anos em que houve o Censo Demográfico feito pelo IBGE, a população na RMBH cresceu pouco mais que 5% (exatos 5,02%) enquanto a frota veicular cresceu quase 90% (exatos 89,27%). Esses valores podem nos levar a inúmeras reflexões sob a ótica do planejamento urbano, da economia e de tantos outros aspectos, que não vamos aqui abordar pois são temas que exigem um aprofundamento bem maior para se constatar as causas reais para tamanho descompasso entre o crescimento populacional e o crescimento da frota veicular.
Contudo, sob a ótica da mobilidade urbana, podemos deduzir algumas informações importantes ao analisar o que ocorreu nestes 12 anos, entre 2010 e 2022, a saber:
• Algumas cidades tiveram crescimento populacional muito pequeno e no caso de Belo Horizonte, houve decréscimo da população;
• Por outro lado, o crescimento da frota veicular em quase todas as cidades da RMBH foi extremamente significativo, sendo que na Capital os dados mostram que há mais veículos que habitantes na cidade;
• Das 34 cidades que integram a RMBH, nove delas têm população acima de 100.000 habitantes. Essas cidades concentram cerca de 87% da população e 91% da frota veicular da RMBH;
• Interessante observar que no tocante à população nessas nove maiores cidades da RMBH o crescimento foi de apenas 2,5% no período entre 2010 e 2022, sendo que em relação ao crescimento da frota veicular o percentual foi de cerca de 87%, como ilustrado no quadro a seguir.
• Os maiores problemas de mobilidade urbana na RMBH não por acaso estão concentrados nessas 9 cidades e o que se vê até o momento é uma desarticulação entre elas no intuito de organizar e promover ações efetivas para melhorar os deslocamentos da população. Observa-se que todas elas fazem limite com a Capital, Belo Horizonte e/ou com a cidade de Contagem, constatação que deveria sensibilizar a população e os gestores públicos a buscarem soluções conjuntas para os problemas de mobilidade.
Evidentemente que neste cenário mostrado nos quadros anteriores, fica evidenciado que o grande crescimento da frota veicular é um forte indicativo da precariedade do transporte público coletivo de passageiros na RMBH, ou seja, as pessoas estão buscando outras alternativas de deslocamento que não por ônibus ou pelo metrô, pois estes não estão atendendo às necessidades dos usuários e à sua possibilidade de pagamento pelos serviços prestados.
É preciso reverter esse quadro e buscar soluções para que as pessoas possam voltar a utilizar o transporte público coletivo de passageiros para os seus deslocamentos cotidianos; caso contrário não haverá soluções viárias capazes de suportar o vertiginoso crescimento e uso da frota veicular, sobretudo de automóveis e motocicletas. Pouco adiantará investimentos em construção de viadutos, trincheiras, duplicação ou abertura de novas vias, dentre outros, se não houver como foco a priorização do transporte coletivo de passageiros por ônibus, não devendo se esquecer do grande potencial do transporte sobre trilhos que temos na RMBH.
Já falamos aqui também nesse espaço em outras oportunidades, da necessidade de se estabelecer uma efetiva parceria entre os municípios da RMBH para uma governança metropolitana da mobilidade urbana. Contudo isso não pode ser feito de maneira precipitada ou ferindo a autonomia municipal, mas é preciso colocar o cidadão e cidadã metropolitanos como o foco da questão. É para eles que se deve ter o olhar para buscar soluções que possam criar a possibilidade efetiva de uma mobilidade urbana mais sustentável, segura e acessível.
Há projetos importantes em andamento na RMBH, como o Sistema Integrado de Mobilidade – SIM, de Contagem; o BRT Amazonas, em Belo Horizonte; a expansão da linha 1 e a construção da linha 2 do metrô; e devemos entender isso como ações positivas. Contudo as questões da mobilidade extrapolam as simples implantações destes projetos.
Precisamos pautar esses assuntos acima das questões político partidárias, tendo uma visão mais holística e humanizada dos problemas e sobretudo da imperiosa necessidade se buscar o entendimento e a efetiva governança metropolitana da mobilidade, para tentar amenizar as dificuldades e os custos dos deslocamentos da população da RMBH no seu cotidiano.
É justo enfatizar que alguns passos, ainda que tímidos, estão sendo dados, como é o caso dos convênios e acordos de cooperação técnica firmados entre as Prefeituras de Contagem e Belo Horizonte com o Governo do Estado, através da SEINFRA. Contudo é preciso envolver os demais municípios de forma mais efetiva e participativa, inclusive no sentido de sensibilizar o Governo Estadual e o Governo Federal para se unirem no esforço de melhorar a vida das pessoas em seus deslocamentos, assunto que abordaremos em outras oportunidades com maior detalhe.
Por agora, convido todos e todas a refletirem sobre os dados que apresentamos nesse artigo, para que se possa entender o tamanho do desafio. A partir daí poderemos ter mais clareza das possíveis soluções e das estratégias para viabilizá-las na busca tão sonhada da melhoria da mobilidade urbana na RMBH.
Marco Antônio Silveira é Engenheiro Civil e especialista em engenharia de tráfego e transportes