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Keith Richard Brauer Sales: Contagem com Marília: um Epílogo Diferente para Policarpo Quaresma

Ao terminar a leitura do Triste Fim de Policarpo Quaresma (1915) de Lima Barreto, é inequívoco o fato de que o Brasil não superou certos problemas, mesmo após mais de um século do nosso regime republicano.

O livro retrata a história de Policarpo, um nacionalista que busca promover mudanças sociais e políticas no Brasil no início do século XX. O protagonista, movido por seu amor ao Brasil, enfrenta a realidade do país e os desafios socioeconômicos, revelando as contradições e corrupções do sistema. A obra ressalta o caráter visionário e o sacrifício do personagem, um sagaz intelectual, em prol de um país mais justo e progressista. Infelizmente, viveu um trágico destino em um Brasil tomado por práticas políticas coronelistas, desiguais e injustas.

Nos dias atuais, a desigualdade socioeconômica, fruto do latifúndio e da predominância de oligarquias como “proprietárias do Brasil” mantém vivas as práticas de coronelismo na sociedade, seja em certas empresas, templos, comunidades ou nos mais diversos grupos sociais, nos quais a coação, a mentira e a ausência do Estado são o âmago de tal influência.

Diante desta leitura, proponho realizar uma comparação. Ao traçarmos um paralelo entre o ambiente político da triste morte do personagem e do atual governo municipal de Contagem, vislumbramos que poderia haver um destino mais esperançoso para o protagonista em meio ao projeto político liderado pela prefeita Marília Campos.

Nesse cenário, Marília surge como uma figura inspiradora, indo além da simples idealização. Ela é uma líder que, assim como Policarpo, acredita na mudança e se empenha em pautar sua gestão na melhoria da democracia e na promoção do pensamento coletivo. Sua postura vai além da busca pela autopromoção, revelando um comprometimento verdadeiro com a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, exemplificado no campo individual por sua renúncia à aposentadoria especial de Deputados Estaduais, sendo autora da lei que acabou com esse privilégio parlamentar.

No que diz respeito à sua gestão, engrandeceu a participação popular com o fortalecimento dos conselhos regionais e os destinou orçamento para que os conselheiros tenham capacidade decisória na execução de obras em seu território. Além disso, é inegável e admirável o processo do Plano Diretor que foi conduzido pelo governo em questão de horizontalidade, representatividade e cidadania. Em Contagem, nós realmente nos sentimos cidadãos e cidadãs.

A política cultural do município é um ponto especialmente luminoso nessa narrativa, transformando Contagem em um relevante centro de expressões artísticas. A prefeita não apenas atrai renomados artistas nacionais para engrandecer o cenário cultural local, como Frejat, Alceu Valença, Mart’nália e Padre Fábio de Melo, mas também promove a participação ativa dos fazedores de cultura locais por meio de diversos editais.

No livro, a criação de uma identidade nacional é a força motriz de um movimento que transcende a obra, impulsionando toda uma geração de escritores modernistas nesse mote. Nesse sentido, inclusive Carlos Drummond de Andrade, um dos mais renomados modernistas, ao escrever para um jornal sobre a nossa cidade em 1975, apresentou seu pessimismo e comoção à vista dos sofrimentos dos contagenses por uma indústria de cimento:

Então compreendi por que não houve tempo de fazer festa por lá. Na fumaça concentrada, julguei ver farrapos de nuvens mais espessas (ou mais tênues?) em que se depositavam uma ou outra partícula de autonomia municipal e de sua mana estadual. “O Brasil é uma república federativa”, pois não? Fumaça antifederativa, dirá algum velho constitucionalista. Eu não saberia defini-la. Mas fumaça. Caindo sobre moradores e eleitores da nova Contagem industrial em que se transformou a antiga Contagem das Abóboras. O governador deu-se por satisfeito com o decreto. O prefeito idem. Ao vencedor, as abóboras (ESTADO DE MINAS, Belo Horizonte, 2ª seção, 23 de agosto de 1975).

Ah! Se pudera Drummond visualizar como nossa cidade não apenas está vencendo a tal fumaça, mas esverdeando-se em plena pujança cidadã e produzindo uma nova identidade, cada vez mais relacionada às suas lindas praças e parques, que se tornaram grandes espaços de convivência e fruição da cultura popular.

Tal fenômeno não aconteceu naturalmente. Ao investir nas praças, parques e áreas verdes de Contagem, Marília Campos não apenas resgata espaços antes abandonados, mas também favorece a democracia ao proporcionar locais de encontro e convivência. Esses espaços se tornaram palcos de manifestações culturais e expressões populares, criando uma identidade local vibrante e participativa. A democracia não se limita apenas ao âmbito político, mas também se manifesta nas ruas, nos encontros culturais e na vida cotidiana dos cidadãos contagenses.

Em paralelo, a presença da rua no ambiente literário é inclusive inaugurada em Triste Fim de Policarpo Quaresma, trazendo a língua informal e a cultura popular como protagonistas de uma narrativa onde o povo é simbolizado de maneira mais representativa. Assim, a obra de Lima Barreto apresenta a população com potência criativa e imenso repertório cultural popular, sintetizadores de uma antes ignorada identidade brasileira, diferentemente de outras obras como O Cortiço (1890) de Azevedo, que apresenta as pessoas comuns de forma animalizada e estereotipada.

É instigante como há tanta conexão entre o legado de Marília e o que é considerado de mais avançado na história, na política, na literatura, na arte e no meio ambiente. Na minha visão, Marília é sobretudo uma intelectual, pois o conhecimento é uma virtude essencial para efetivas benfeitorias sociais. Ela vai a substância dos problemas e das potencialidades, Contagem não é pautada pela sobrevivência, mas pela profundidade.

Vivemos um período que podemos chamar de Primavera Contagense. À vista de um tempo de florescimento intelectual, identitário, cultural, artístico e ambiental que está sendo construído na cidade nas gestões de Marília Campos, evidenciando que, assim como Policarpo Quaresma sonhara, é possível trilhar um caminho de esperança, igualdade e progresso, desafiando as sombras do passado e realizando um projeto político de relevância histórica no nosso país.

Keith Richard Brauer Sales é ambientalista, formado em Física pela Universidade de São Paulo USP e mestrando em Economia na UFMG.

 

 

REFERÊNCIAS

BARRETO, Lima. O triste fim de Policarpo Quaresma. São Paulo: Escala educacional, 2008, 64 p.

OPINIÃO, 22 de agosto de 1975, p. 11. ESTADO DE MINAS, Belo Horizonte, 2ª seção, 23 de agosto de 1975.

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