Tratamos neste artigo de três pontos: a) o governo Lula só vai recuperar a popularidade com grandes melhorias nas economias, em particular com a redução da inflação de alimentos, mas também com o aprofundamento do diálogo social; b) tratamos da construção política de Marília em Contagem, que tem aprovação popular de 81%, porque faz política com dois pês: propósito e pertencimento; c) e, como está no título deste artigo, alertamos, com base em algumas informações, que o cansaço com a polarização poderá trazer de volta a antipolítica e os outsideres.
Governos em todo o mundo, e não somente no Brasil, tem situação fiscal muito ruim e sem condições de tirar países da crise, por isso não conseguem renovar mandatos. José Luís Fiori nos deu a melhor explicação para o que está acontecendo no mundo: “No final dos grandes ‘ciclos de globalização’, aumenta e generaliza-se a insatisfação das grandes massas, e multiplicam-se as revoltas sociais e reações nacionalistas, ao redor do mundo”. O que acontece no Brasil não é um fato isolado, é o mesmo que ocorre no mundo. E os governantes de todas as tendências ideológicas tem enormes dificuldades de lidar com as crises, estão quase todos mal avaliados, dificilmente se reelegem porque na economia temos inflação pressionada, de alimentos por exemplo, juros em alta, dívidas públicas pressionadas, e pouquíssimo espaço fiscal para alavancar o crescimento econômico e para tirar os países das crises econômicas e sociais. Resultado disso: temos hegemonias de curtíssima duração de apenas um mandato, governos são interrompidos nos meios de mandato, quando primeiro ministros perdem o “voto de confiança”; governos eleitos até com muitos votos perdem apoio em prazos muito curtos.(…) A situação não é diferente no Brasil: inflação em alta, em particular o mais preocupante é a inflação de alimentos; dívida bruta do setor público em elevação com os juros muito altos; contas externas do Brasil estão também com problemas, com redução das exportações e crescimento das importações demandadas pelo crescimento econômico interno; juros em 14,25%, o quarto juro real mais alto do mundo; e pouco espaço fiscal para os investimentos, que são muito pequenos considerando o enorme peso das emendas impositivas. E veja só: a continuidade e avanço das políticas sociais depende, nesta situação do crescimento da economia para gerar mais receitas públicas, mas a taxa de investimento no Brasil, pública e privada, é muito pequena, de apenas 17% do PIB. Com taxa de investimento tão baixa, o crescimento da economia não é sustentável, um pequeno ciclo de crescimento ocupa toda a capacidade produtiva e vem a inflação. Esta situação é que explica, em grande medida, o forte recuo da popularidade do presidente Lula, para pouco mais de 40% de aprovação.
Lula não vai recuperar a popularidade apenas pela economia; ele precisa realizar um grande diálogo social. Nos últimos dias tem-se alguns dados econômicos que estão aliviando as tensões: o dólar recuou de forma expressiva; algumas políticas tributárias e a boa safra, espera-se, poderá reduzir a inflação sobretudo de alimentos; a consolidação do programa “Pé-de-meia”. De forma inteligente o governo Lula, sem muito espaço fiscal, investe em política redistributivas e de grande impacto social que não dependem e nem oneram as finanças públicas: a isenção do imposto de renda até R$ 5.000,00 e a isenção parcial até R$ 7.000,00 com a redistribuição da carga tributária com uma maior taxação dos milionários e bilionários do Brasil; a implantação do crédito para o trabalhador da CLT, um crédito consignado que poderá reduzir a taxa de juros mensal de 5% para menos de 2,5%; e o debate e avanço no Congresso Nacional do fim da escala 6X1, que tem amplo apoio popular e pode resultar, no mínimo, senão na escala 4X3, pelo menos na escala 5X2, com redução da jornada semanal de 44 horas para 40 horas. São bandeiras que furam a bolha e conta com a aprovação ampla dos eleitores de Lula e também de Bolsonaro. Importante também que esta agenda política reconduz fortemente Lula ao cenário político e também o ministro Fernando Haddad, que de “Taxad” poderá ser visto como o “Robin Hood”, que consegue articular uma reforma tributária sem precedentes na história brasileira trazendo os milionários e bilionários para dentro do imposto de renda e desonerando as classes médias(…) Um grande desafio é a desaceleração da economia; o Banco Central prevê crescimento de 1,9% para este ano. Crescimento menor tem desaceleração da geração de empregos, menor crescimento da renda, e dificulta o ajuste fiscal com menor crescimento real das receitas. O economista Christopher Garman considera que é melhor para Lula um crescimento menor nos próximos dois anos com inflação mais controlada do que o inverso: “Em termos eleitorais, é melhor deixar a economia esfriar e trazer a inflação para baixo que tentar aumentar o PIB e gerar mais aumento no custo de vida- o grande algoz de todos os governantes em 2024”. Mesmo que esta suposição esteja correta, ainda depende para sua realização de uma redução expressiva da inflação, sobretudo da inflação de alimentos.
Lula não vai resgatar fortemente a sua popularidade apenas pela economia, pelo bolso. Nestes tempos históricos de radicalização, mais que nunca, é preciso de lideranças com enorme capacidade de diálogo social. Um exemplo extremo da polarização economicista é do deputado petista Rui Falcão, que afirmou: “Não adianta ir com bandeirinha branca, porque o fascismo e seus aliados a gente não combate com flores. Acho que esse não é o caminho nem para governar, nem para recuperar a popularidade do presidente Lula. São as políticas concretas, com impacto direto na vida das pessoas, como a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil e a criação de uma alíquota para os super-ricos, são essenciais para reverter a percepção negativa do governo Lula entre a população”. Estas “politicas concretas” são destinadas, em grande medida, para a classe média que vota em Bolsonaro. Tentar convencer os eleitores de Bolsonaro pelo bolso, é o que chamo de “polarização economicista” e dificilmente dará resultado. Lula precisa fazer um grande diálogo social com a classe média, que será beneficiada com as medidas redistributivas, não deve apelar apenas para o bolso, deve falar para as consciências com a defesa de um Brasil democrático, diverso, mais justo e com soberania nacional. E considero mesmo que não é uma tarefa trivial Lula trazer de volta os segmentos da população até 2 salários mínimos, sobretudo do Nordeste. Marcos Coimbra diz que a volta deste eleitorado será quase certa: “Lula segue favorito para a reeleição, desde que não se distancie de sua base. As mesmas pessoas que votaram nele vão continuar votando. O que ele não pode é ficar se afastando desse eleitorado”. Lula, de fato, na minha opinião, priorizou em demasiado a agenda internacional nos dois primeiros anos de governo e se afastou deste eleitorado popular. Mas considero que a tarefa é mais complexa, exige estar mais próximo do povo, e sobretudo que tenha um diálogo social muito amplo para reconquistar a base social histórica que o petista tem entre os mais pobres.
É preciso prestar a atenção nas palavras sábias do analista político Alon Feuerwerker: “Sem subestimar a economia, tampouco é demais olhar para aspectos mais subjetivos dos mecanismos de produção de opiniões políticas. O capital político dos governos sempre se beneficia de dois pês: propósito e pertencimento. Quando está claro a que veio o governo, e quando ele passa a sensação de querer o bem de todo mundo, e não só de sua turma. Acirrar as contradições e estimular a guerra de todos contra todos pode ser útil para reforçar o poder momentâneo, mas um efeito colateral é produzir sensação de exclusão em áreas que o andamento da economia pode até, eventualmente, estar beneficiando. Por isso se diz que a política tem de andar de mãos dadas com a economia, para que a safra eleitoral não decepcione”. (Poder 360, 17/3/2024).
O Brasil precisa olhar para Contagem; o PT precisa compreender como Marília, em uma grande cidade do Sudeste, tem 81% de aprovação popular; nosso segredo é os dois pês: propósito e pertencimento. É isto que sentimos em Contagem. Marília Campos tem uma aprovação de 81% da população porque se beneficia dos dois pês: está claro a que veio o governo, com um gigantesco plano de investimento e avanços muito grandes nas políticas públicas, especialmente na saúde. Marília se beneficia também do pertencimento; ela não polariza, ela governa para todos e todas e seu governo gera esta enorme sensação de pertencimento. Nas mídias sociais da Marília quem a defende não são os funcionários do governo, mas pessoas do povo; nas ruas ela é saudada pela população e nunca sofreu escracho político.(…) Numa das pesquisas que circulou em nossa cidade, podemos ver os números impressionantes de 81% segundo os diversos critérios da amostra. Veja só: a) Marília tem 81% de aprovação, sendo 81% entre mulheres e homens; b) por idade varia de 79% a 83%; c) por escolaridade varia de 78% a 84%; d) por renda varia de 79% a 86%; e) por religião tem 78% de aprovação entre os evangélicos e 83% entre os católicos; por ideologia tem 79% de aprovação de pessoas que se definem como de “direita”, 82% nas pessoas de “centro”, e 89% nas pessoas de esquerda. Alguns sectários afirmam que Marília é muito popular porque tem o apoio de muitos eleitores de “direita”. Ora, Lula, em 2010, terminou o governo com 80% de aprovação e todos nós o saudamos, com razão, de o “cara”, o presidente mais popular do mundo.
João Batista dos Mares Guia, fez uma síntese notável do projeto político nosso de Contagem, “que rompe bolhas ideológicas e conquista corações e mentes pelo que entrega, não pelo que combate”. Disse ele: “O discurso de José Prata Araújo, no lançamento do meu primeiro fascículo, da coleção Brasil e Democracia, realizado em Contagem dias atrás, oferece uma leitura aguda do cenário político atual e converge com o espírito do livro: a necessidade de construir alternativas à lógica da polarização e do escracho, que têm marcado o ambiente nacional. José Prata aponta que a política afirmativa, construída com coragem e clareza de princípios, mas sem antagonismos gratuitos, tem se mostrado eficaz em Contagem. A experiência local é, assim, um exemplo concreto de como se pode governar com firmeza de posições, sem cair nas armadilhas da agressividade ou da negação do outro — postura que, no plano nacional, também inspirou os primeiros mandatos de Lula.(…) Em Contagem, as alianças com setores do centro democrático, a defesa da diversidade em moldes universalistas e a recusa ao uso da política como vingança ajudaram a construir uma base ampla, que rompe bolhas ideológicas e conquista corações e mentes pelo que entrega, não pelo que combate. José Prata toca num ponto crucial: o enfrentamento à extrema direita não se dá por mimetismo, mas pela afirmação de outro projeto de sociedade. A experiência de Marília Campos e da Frente Ampla que lidera tem demonstrado que é possível ampliar apoios, governar com estabilidade e disputar a hegemonia política sem recorrer ao ódio. Isso não significa neutralidade, mas sim uma estratégia consciente de transformação pela via do diálogo, da política pública e da esperança”.
É um enorme risco que o desgaste da polarização entre Lula e Bolsonaro não resulte no fortalecimento da centro esquerda, mas reabra o espaço para a antipolítica e para os chamados “outsiders”. A provável condenação e prisão de Bolsonaro é tratada como sendo o “fim da linha” para a extrema direita no Brasil. Só falta “combinar” com os 58 milhões de eleitores de Bolsonaro e com os milhões de eleitores de Lula que se afastaram de nosso governo neste início de ano. Impressionante o voluntarismo que prevalece na esquerda: são musiquinhas e dançinhas comemorando o fim da era Bolsonaro, reabilitaram até mesmo, no som de marcha fúnebre, com grande apelo publicitário, a música “Tá na hora do Jair já ir embora”. O cenário político brasileiro é desafiador. Uma possiblidade é que o desgaste da polarização política de Lula e Bolsonaro, numa situação de perda de popularidade do presidente Lula, não resulte no fortalecimento da centro esquerda até porque sem Bolsonaro nós petistas, com a nossa despolitização, não teremos muito o que falar. Pode ser que seja aberto um tempo histórico muito propício para o retorno da antipolítica e dos outsiders; como Cleitinho em Minas Gerais, um arruaceiro que está nas estradas de Minas abrindo caminho com trator para evitar pedágios, que incorpora algumas bandeiras da esquerda, como a isenção do IR até R$ 5.000,00 e o fim da escala 6X1 da jornada de trabalho, que lidera a disputa para o governo de Minas; Romeu Zema, sem nenhuma marca clara de governo, se mantem popular acima dos 60%, comendo banana com casca; em São Paulo, Pablo Marçal quase foi para o segundo turno, e se tivesse ido poderia ter ganho a Prefeitura de São Paulo; em São Paulo ainda, o prefeito de Sorocaba, Rodrigo Manga, um fenômeno nas redes sociais; em Curitiba, Cristina Graeml (PMB) teve no segundo turno 42% dos votos e continua muito ativa na política, e diz que “nunca concorreu antes, sem dinheiro público, sem conchavos”. Pelo Brasil todo estão cheios destes personagens, que podem já estar na política ou podem “brotar do nada”.
João Cezar de Castro Rocha, escritor e historiador, faz uma advertência que devemos prestar a atenção: “Celebrar’ a decadência óbvia do bolsonarismo pode ser uma ilusão. Disse ele: “O desaparecimento ou o esmaecimento da figura do Bolsonaro da cena política permitirá à direita e à extrema direita um movimento novo, que pode ser muito positivo para elas a médio e longo prazo: libertar-se da tutela do Bolsonaro. (…) Bolsonaro é absolutamente um político devorador de todos os outros. Não tem consideração por ninguém que esteja próximo a ele e que não seja ele ou a própria família. O campo político que foi mais prejudicado no Brasil pela exuberância do bolsonarismo entre 2018 e 2021 foi o da direita, o do conservadorismo. (…) Eles foram canibalizados pela extrema direita bolsonarista e praticamente desapareceram. Com o enfraquecimento da figura do Bolsonaro, a tendência é que a direita e o conservadorismo se fortaleçam, porque estarão livres do ímã Jair Messias Bolsonaro.(…) Tarcísio se comportou da maneira como precisa fazer. Ele continuará afirmando até os 45 minutos do segundo tempo que o presidente será Bolsonaro. Ele o faz porque é a maneira mais segura de herdar os espólios do Bolsonaro. Mas ainda tenha dúvidas se Tarcísio arriscará nas eleições de 2026 abrindo mão da reeleição em São Paulo, que parece muito certa para ele. Ele só o fará se houver indícios muito claros de uma decadência real do governo Lula. (…) Nesse sentido, o verdadeiro projeto da extrema direita para o país em 2026 é dominar o Senado e começar um processo a médio prazo para sujeitar o Judiciário. É assim que o Viktor Orbán fez na Hungria e Donald Trump fez na Suprema Corte americana e agora está tentando reforçar com juízes federais nos EUA”. (UOL, 17/03/2025). É bem possível que o conservadorismo, libertado de Bolsonaro, se articule em três grandes campos: a) o bolsonarismo dos partidos de centro, mais vinculados ao Sudeste e Sul, que reúne lideranças como Tarcísio Freitas, Ratinho Jr., Ronaldo Caiado, e Romeu Zema; b) um segundo bloco do Bolsonarismo raiz, vinculado à família Bolsonaro, que pode um dos familiares como candidato a presidência da República com provavelmente Ciro Nogueira na vice ou pode compor na vice com Tarcísio Freitas neste caso, acho, com Michele Bolsonaro na vice; c) e um terceiro campo, das lideranças outsiders, anarcocapitalistas como Milei e de outras orientações. Esta direita se unirá no segundo turno nas disputas majoritárias para presidente, governadores, e, sobretudo, para o Senado com possibilidades de acordos com uma “chapa do Senado”.(…) Neste terceiro campo da antipolítica dois fatos preocupantes: o primeiro é o desempenho de Marçal nas pesquisas, que, mesmo inelegível, tem votação, na pesquisa Atlas Intel, de apenas 5,4% no primeiro turno e na simulação de segundo turno contra Lula dispara para 51%; o prefeito de Sorocaba, Rodrigo Manga, diz ter acertado com o PRTB uma eventual candidatura presidencial, tudo indica para ocupar o espaço de Marçal como outsideres da antipolitica. Felipe Neto, vinculado ao campo progressista, lançou a candidatura a presidência da República. Era deboche, ele esclareceu. Um deboche que gerou 8,5 milhões de visualizações nas redes sociais. Mas podemos esperar que vamos ter, nestas eleições, um grande número de outsideres candidatos a presidente, governadores, senadores, deputados.
No Chile, a extrema direita se dividiu, mas poderá se unir ao longo da campanha. É isto o que acontecendo no Chile atualmente. Sylvia Colombo, da Folha, relata: “Agora, o mais provável é que os chilenos se encontrem diante das urnas, em outubro deste ano, com uma esquerda desarticulada. Mais grave, com uma extrema direita em ascensão. Do lado conservador e ultraconservador estão, por exemplo, Evelyn Matthei, economista de 71 anos, da coalizão Chile Vamos. Ela vem tentando se apresentar com a direita democrática e de bons modos —a Economist já a vende assim, como a direita boazinha. Mas nunca é demais lembrar que seu pai cerrou filas com Pinochet e apoiou o golpe de Estado de 1973, e que ela o apoiou.(…) Por outro lado, corre José Antonio Kast, líder do Partido Republicano que encabeçou com sucesso a campanha contra uma nova Constituição. Kast, como já vem lembrando os perfis sobre ele de eleições passadas, é um admirador aberto do pinochetismo e um inimigo de um Chile mais inclusivo. Partiu dele a forte campanha para que o 12% da população indigena não seja reconhecida como tal, assim como seus idiomas. Mais, é favorável a uma política linha-dura contra aqueles que são mais radicalizados e promovem ataques aos proprietários de terra do Sul do Chile. Os grupos mapuche mais radicais, longe de serem maioria, pregam tomar essas terras com violência.(…) E eis que surge alguém à direita de Kast. Trata-se de Johannes Kaiser, do partido Nacional Libertario (sempre tem a palavra libertário no meio), e que vem deslocando Kast nas pesquisas. Kaiser, 59, sem diploma universitário, seria o “outsider” do pleito. Em 2022 ganhou um posto de deputado no Congresso. Desde então, começou sua guinada à ultradireita. Assim como Javier Milei, fala de “casta política”, não perde a chance de aparecer em shows de TV sem dizer que é “preciso limpar” tudo o que está aí e reagir à “retórica woke”. Entre seus apoiadores, estão os que se acostumaram a chamar a direita dialoguista de “derechista cobarde” (direitista covarde)”. (Folha São Paulo, 22/03/2025).
José Prata Araújo é economista.