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José Prata: Marília constrói a Frente Ampla e resgata o protagonismo dos partidos de centro no Brasil

Marília deverá ser candidata a um quarto mandato em Contagem liderando uma Frente Ampla de 16 partidos de esquerda e de centro. Não se trata de uma Frente Ampla apenas para derrotar o extremismo e preservar a democracia em nosso País; por si só uma tarefa muito relevante. Marília, é preciso lembrar, apoiou a candidatura de Antônio Anastasia, do PSDB, no segundo turno de 2018 contra a candidatura de Romeu Zema, o que gerou muitas críticas de militantes de esquerda. Marília tem uma longa história de reconhecimento do protagonismo dos partidos de centro no Brasil, em Minas Gerais e em Contagem. Lula, na crise de 2005 e 2006, cunhou a expressão “Nunca antes na história deste país”, o que transformado num bordão petista acabou por passar uma certa arrogância, como se a história e as conquistas civilizatórias no Brasil tivessem iniciado com o PT. Na verdade, Lula em 2006 cunhou esta expressão para sair da defensiva dos enormes ataques que sofreu naqueles anos, crise que superou de forma vitoriosa; mas temos que reconhecer o protagonismo de partidos de centro na construção do Brasil. Tudo que temos no Brasil, em Minas Gerais e em Contagem é fruto da luta e da organização popular e das políticas dos seus governantes historicamente. Veja o caso do Brasil onde temos pelo menos quatro grandes pactos progressistas e com grande apoio popular. O Brasil teve ao longo de sua história quatro grandes pactos progressistas.

O primeiro grande pacto foi o de Getúlio Vargas, que criou a legislação trabalhista e as leis de previdência, industrializou o Brasil e transformou nosso país em uma nação mais soberana, com a criação da Petrobras, Vale do Rio Doce, Companhia Siderúrgica Nacional —CSN e do BNDES. Mas, o pacto getulista teve grandes problemas, como o autoritarismo político, que marcou a gestão na primeira fase de seu governo; os direitos sociais — direitos trabalhistas (CLT), previdência (antigo INPS) e saúde (antigo INAMPS) — eram para trabalhadores de carteira assinada; mesmo entre os trabalhadores muitos eram excluídos, como os trabalhadores rurais e domésticos; a CLT incorporou importantes direitos, mas sempre foi muito limitadora das liberdades sindicais; a educação pública era, até a década de 1970, muito limitada até o quarto ano primário, o que impôs limites de escolarização para muitas pessoas, como para o presidente Lula; eram poucos os estudantes que seguiam com os estudos por não serem aprovados nos “exames de admissão”.

O segundo grande pacto progressista foi liderado pelo MDB de Ulisses Guimaraes que, ao final das lutas pelo fim da ditadura militar, resultou na Constituição Cidadã de 1988, que avançou as bases do Estado Social brasileiro, com a criação do Sistema Único de Saúde —SUS; transformou a educação em um direito universal do povo brasileiro; ampliou os direitos previdenciários; transformou a assistência em política pública; ampliou e constitucionalizou muitos direitos trabalhistas; criou leis de proteção ao trabalho, como o seguro-desemprego e avançou muitas outras conquistas sociais e democráticas. Mesmo tendo pequenas bancadas, os partidos de esquerda, como o PT, contribuíram muito na consolidação do Estado Social no Brasil. Mas a Constituição de 1988, se avançou muitos nos direitos sociais, não avançou quase nada no financiamento do Estado Social com uma tributação mais progressiva; a expansão dos direitos implicou num aumento expressivo da carga tributária mas através de “contribuições sociais”, impostos indiretos que tributam muito os mais pobres.

O terceiro grande pacto foi o Plano Real lançado no governo Itamar Franco, mas com enorme protagonismo do PSDB através do ministro Fernando Henrique Cardoso que se tornou presidente do Real por duas vezes. Veja só importância do Plano Real: em 1993, ano anterior ao Plano, a hiperinflação no Brasil foi de 2.700%. Passados 30 anos do Plano Real, com oito anos de governos do PSDB, 15 anos de governos do PT, a inflação acumulada é de 1.080%. Ser leniente com a inflação é fatal para qualquer governo; nenhum governo se reelege com inflação com dois dígitos. Impressionante não é mesmo; isto explica porque FHC foi tão popular e venceu duas eleições no primeiro turno. Mas o PSDB perdeu as eleições porque o Plano Real, por um lado, conteve a inflação, por outro lado a permanência da paridade cambial por longo período gerou problemas graves: valorizou demais o Real, derrubou exportações e desequilibrou as contas externas do Brasil; sem reservas cambiais o Brasil foi atropelado pelos especuladores e quebrou duas vezes – em 1999 e 2002 – os juros foram colocados nas alturas e a dívida pública teve forte elevação. O PSDB foi muito tímido na área social, depois do fim da inflação o povo queria novos avanços, ainda que os tucanos tenham algumas políticas sociais importantes como os remédios genéricos; o programa de saúde da família; o Fundef.

O quarto pacto progressista do Brasil foi liderado pelo PT, nos dois mandatos de Lula com grande aprovação popular e no primeiro governo Dilma, marcado por enorme inclusão social, com a criação de 20 milhões de empregos de carteira assinada; reajuste real do salário mínimo, acima da inflação, de 76%; criação de grandes programas sociais como o Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida; avanços enormes na educação, da “creche à pós-graduação”, como são os exemplos do ProUni, cotas, escolas infantis; descoberta e regulamentação do pré-sal; constituição de reservas internacionais de US$ 370 bilhões. Wanderley Guilherme dos Santos, nosso inesquecível cientista político, disse certa vez que Lula, e não Getúlio, foi o verdadeiro “pai dos pobres”, porque implementou direitos para além do mercado de trabalho formal, para milhões de cidadãos pobres e extremamente pobres, como no caso do programa Bolsa Família. Lula foi, portanto, quem popularizou o Estado Social no Brasil, foi quem colocou a igualdade social no centro da conjuntura nacional e nisto, portanto, podemos dizer que Lula fez coisas “nunca antes na história deste país”.

Somos contra a polarização nos termos atuais, que dificulta o protagonismo dos partidos de centro no plano nacional (nos municípios são grandes protagonistas), mas é preciso dizer que a polarização não é disputa entre dois extremos, temos atualmente apenas a extrema direita e a extrema esquerda é completamente irrelevante; o PT é um partido de esquerda que forma governos mais amplos de centro-esquerda. Veja só: tínhamos no passado a disputa entre dois polos representados pelo PT e PSDB, mas eram dois polos com inegável compromisso democrático. Portanto, o problema atual mais grave não é polarização genericamente, mas a existência de uma extrema direita sem compromissos democráticos e cuja estratégia é a implantação no Brasil de um governo autocrático. Será bom para a democracia brasileira, que os partidos de centro retomem o protagonismo nacionalmente, mas aí o empecilho não é a esquerda mas a extrema direita que polarizou grande parte dos eleitores de centro. Os partidos de centro só irão recuperar o protagonismo, se além da defesa da democracia, distanciarem da extrema direita na economia, assumindo bandeiras como a defesa de uma nova política industrial; a defesa do fortalecimento do Estado, mudanças que já são visíveis em partidos de centro dos países desenvolvidos.

José Prata de Araújo é economista e especialista em direitos sociais.

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