A Câmara dos Deputados aprovou no dia 14 de setembro dois projetos que propõem várias mudanças nas regras eleitorais brasileiras. Os projetos agora seguem para o Senado, e se forem aprovados lá, seguem para a sanção do presidente Lula. Para valer para as próximas eleições municipais, que acontecem em 2024, precisa virar lei até 06 de outubro próximo.
Mas afinal o que está sendo alterado? Quais as novidades ? O que não muda?
O presente texto é uma breve contribuição que abordará os principais pontos da chamada minirreforma eleitoral, que apesar de está pendente de aprovação no senado, já mexe com o tabuleiro eleitoral e no imaginário político. Não será possível falar de todas as propostas de mudanças, mas fica o compromisso futuro de apresentar os tópicos mais exóticos da legislação eleitoral.
A minirreforma eleitoral, apesar de sua tramitação apressada, abrange vários assuntos do direito eleitoral, alguns que já há muito tempo precisavam ser adequados ao contexto jurídico, político e tecnológico da sociedade brasileira. As leis eleitorais atuais estão fora de compasso com outras leis, a forma de organização política da sociedade mudou nos últimos 20 anos, as leis falam de santinhos e cheques, enquanto o que se usa é postagem de redes sociais e o PIX.
A bem verdade alguns pontos trazidos pelas reforma já estavam regulados em decisões e resoluções do TSE. Então, passam agora a valer como lei e passam a estar mais estáveis para serem seguidos pelos partidos e candidatos, visto que dependem de menos interpretação da justiça eleitoral. Seguindo alguns pontos da reforma!
Financinamento de campanhas para mulheres e negros
Dois públicos historicamente excluídos dos cargos eletivos brasileiros, ganharão uma reserva de recursos destinados à campanha eleitoral. Para negros e mulheres fica garantida a cota de 30% do fundo de campanha que um determinado partido receber. Importante dizer que já havia posições na Justiça Eleitoral e no estatuto de alguns partidos de tal cota financeira, mas agora será lei e valerá para todos os partidos.
Transporte público gratuito
A proposta de minirreforma, que está para ser aprovada, prevê que nos dias de eleições, estados e municípios deverão oferecer serviço público de transporte coletivo de passageiros gratuito, facilitando a vida do eleitor dos grandes centros urbanos, que às vezes vota longe de casa, ou mudou de região dentro da própria cidade.
Não é fácil para uma família que precisa pegar um ônibus para votar, o valor da tarifa pode ser um obstáculo para que o eleitor e eleitora faça valer seu voto no dia da eleição. Esse é outro ponto que o TSE, através de decisões judiciais, já recomendava às grandes cidades ter tal política de transporte público gratuito, a cidade de Contagem inclusive teve nas eleições de 2022, através de decreto da prefeita Marília Campos.
Doações via pix
O projeto reforma eleitoral, a possibilidade de doações via Pix para as campanhas, simplificando a vida dos candidatos e candidatas, na herculana tarefa de arrecadar fundos para as suas atividades políticas, junto ao eleitorado. A tecnologia do PIX vai trazer segurança e rapidez para que doa e quem recebe a doação, permitindo também que as informações sejam encaminhadas pelas instituições financeiras diretamente à Justiça Eleitoral.
Candidaturas coletivas
Essa forma de organização coletiva para eleições era admitida pelo TSE, inicialmente até constou no texto base elaborado pelo relator da minirreforma, Rubens Pereira Jr. (PT-MA), mas no final o plenário da Câmara dos Deputados decidiu por proibir expressamente a disputa coletiva de candidaturas.
Fraude à cota de gênero
A proposta de reforma mantém a destinação de 30 % das vagas para um determinado gênero, que pelo cenário político brasileiro, geralmente é destinado a mulheres, visto a exclusão histórica das mesmas dos espaços de poder. Vale dizer que em caso de federações, que disputam a eleição como se fosse um só partido, a cota deve ser atendida pela federação também.
O texto detalha as possibilidades de punição contra as chapas e a candidaturas que não respeitarem as cotas de gênero e também praticarem fraude eleitoral com candidaturas “ faz de conta” – “só pra cumprir cota” ou “pra fechar a chapa” – a legislação será dura contra aqueles que não derem as condições disputa e simularem candidaturas apenas para atender as formalidades.
O TSE já vinha anulando chapas que fraudava a presença de gêneros seja com número menor ou candidaturas pro forma, agora serão consideradas abuso de poder político, passível de punição, não realização de atos de campanha e número de votos que revela “não ter havido esforço de campanha, com resultado insignificante”.
Licença para servidores e desincompatibilização de cargos
Um ponto que reforma que está no senado para aprovação traz como mudança de maior intensidade é a unificação em seis meses antes da data da eleição o prazo para que agentes e servidores públicos que desejem se candidatar se desincompatibilizar dos cargos que ocupam.
Na atual legislação existem prazos diferentes para servidores efetivos e temporários, para secretários municipais, agentes políticos, comissionados e assessores. a unificação desses prazos será um desafio para os chamados “organizadores e montadores” de chapa, pois aumenta a pressão para que essas pessoas ao final sejam, de fato, candidatos ou candidatas.
O texto prevê que os servidores públicos que não licenciarem para concorrer a cargo eletivo mas que não tiverem a candidatura apresentada por partido político ou tiverem a candidatura indeferida devem voltar imediatamente às suas funções – ou serão responsabilizados administrativamente.
Calendário eleitoral
Outra mudança importante que a reforma apresenta é a reestruturação do calendário eleitoral. Vale lembrar que o atual calendário, em boa parte, segue prazos de quando as campanhas eram 3 meses e o procedimento de registro de candidaturas um monte de papel entregue na justiça eleitoral.
As mudanças propostas neste tópico visa harmonizar as novas tecnologias, campanha de 45 dias e as rotinas da justiça eleitoral, é algo que parece bem intencionado, a prática dirá se é melhor.
Pontos principais do calendário:
- registro de candidatura: partidos deverão apresentar os pedidos de candidatura até as 19h de 31 de julho do ano eleitoral – atualmente vai até as 19h de 15 de agosto;
- prazo de julgamento dos registros de candidatura: até cinco dias antes da eleição – atualmente, a Justiça Eleitoral tem que julgar os registros em até 20 dias antes do pleito;
- convenções eleitorais: a etapa de escolha de candidatos deverá ocorrer entre 10 e 25 de julho do ano eleitoral – atualmente vai de 20 de julho a 5 de agosto do ano eleitoral;
- registro de federações partidárias: em até seis meses antes das eleições – atualmente pode ser registrada até o fim das convenções partidárias.
Cálculo Eleitoral e as “sobras”
Todas cidades tem aquelas histórias de chapas montada para eleger apenas um vereador com pouco voto e com poucos candidatos concorrendo. Famosas chapas que “faz um na sobra”, que elege um nos “45 do segundo tempo”, na “bacia das almas o partido tal fez um”. A mudança eleitoral tende a tornar essa histórias mais raras e dificultar tais chapas.
A minirreforma eleitoral também propõe mudar as regras para as chamadas “sobras eleitorais”. Atualmente, as cadeiras das Câmaras de Vereadores, Assembleias Legislativas estaduais e da Câmara dos Deputados são preenchidas pelos partidos ou federações que alcançam o chamado quociente eleitoral, que é o cálculo que define quantos votos são necessários para ocupar uma vaga.
Se, por exemplo, forem 100 mil votos válidos para 10 vagas existentes, o quociente eleitoral será 10 mil votos. Esse é o mínimo que um partido precisa ter na eleição para eleger um deputado ou vereador.
Depois de ocupadas essas vagas pela regra do quociente eleitoral, ainda sobram cadeiras que não foram ocupadas pelos partidos. Afinal, se um partido teve 55 mil votos, ele ganha cinco cadeiras pelo exemplo usado acima, sobrando ainda 5 mil votos. Essas “sobras”, pela regra aprovada em 2021, eram preenchidas pelos partidos que conseguiram, pelo menos, 80% do quociente eleitoral e pelos candidatos com um número mínimo de votos de 20% desse quociente.
Com a mudança aprovada pelos deputados, que ainda precisam ser validadas no Senado, apenas os partidos que atingiram 100% do quociente eleitoral poderão participar do cálculo das sobras. Com isso, a regra beneficia os mais votados e que já elegeram deputados ou vereadores na primeira rodada.
O relator, deputado Rubens Pereira Júnior, ressaltou que a regra de 80% está sendo questionada no Supremo Tribunal Federal. O objetivo da mudança, segundo ele, é reduzir o número de partidos políticos e fortalecer as federações. “Se o partido não tem aquele coeficiente mínimo, que é o quociente partidário, ele não tem a legitimidade para participar da sobra, independentemente, neste caso, com todo o respeito a quem pensa diferente, à votação individual de um candidato. Ou prestigiamos a personalidade, ou prestigiamos o partido”, disse (Agência Câmara de Notícias).
Para a Federação PT PV e PCdoB essa é uma notícia ótima, só perdendo para as recentes pesquisas que falam do alto índice de aprovação do governo Marília. Com estas regras de cálculo de cadeiras, a tendência é que a federação atinja com mais facilidade seu plano de fazer 5 cadeiras na Câmara Municipal, ocupando vagas de partidos que não atingiram o quociente eleitoral na última eleição mas levaram a cadeira na “sobra”.
Diga-se de passagem que texto anterior de já foi aventado que a Federação PT PV e PCdoB, tem tudo pra ser a grande vitoriosa das eleições proporcionais. Acesse aqui e veja: João Alves: PT, PV e PCdoB devem ampliar a bancada na Câmara.
Considerações finais
A proposta de reforma eleitoral está no senado para votação, ainda não está valendo, precisa ser aprovada e sancionada. Mas no mundo político ela já está em debates, alguns empolgados com as mudanças, outros em dúvida, e alguns já se colocam contrários às possíveis mudanças.
Há outros pontos que ainda não foram explorados pelas análises e nem por este texto. o debate não se esgota com aprovação da reforma, teremos certamente judicialização de alguns pontos.
Em futuro texto vamos explorar outros pontos da reforma e direito eleitoral, por hoje, já temos muito que pensar sobre eleição 2024.
João Alves de Souza Junior é formado em Direito, Mestre e Doutorando pela PUC Minas, advogado eleitoral e professor universitário de cursos de graduação e pós graduação.