topo_M_Jose_prata_Ivanir_Alves_Corgozinho_n

SEÇÕES

Ivanir Corgosinho: Lula e o paradoxo das pesquisas

As pesquisas de opinião que, nos últimos meses, registraram uma dramática queda na aprovação do governo Lula oferecem um retrato intrigante do cenário político brasileiro a pouco mais de um ano das eleições de 2026. Ocorre que esses levantamentos combinam a avaliação da gestão de Luiz Inácio Lula da Silva com projeções de intenção de voto, revelando um paradoxo: apesar da crise de popularidade, Lula é favorito na corrida presidencial de 2026. É o que acontece, por exemplo, nas apurações realizadas pelas agências Genial/Quaest, AtlasIntel, CNT/MDA e Paraná Pesquisas.

Neste artigo, usarei como exemplo a pesquisa Genial/Quaest, divulgada em 2 e 3 de abril de 2025. Os dados revelam uma desaprovação recorde de 56%, ante 41% de aprovação — um salto significativo desde julho de 2024, quando a desaprovação estava em 43%. Entre os jovens, na faixa entre 16 e 34 anos, a reprovação subiu 12 pontos entre janeiro e março, chegando a 64%! Esse resultado reflete uma insatisfação crescente, atribuída por analistas a fatores como a alta dos preços dos alimentos e a percepção de estagnação na agenda governamental. 

Todavia, a pesquisa também mostra que, apesar do cenário adverso, Lula lidera contra todos os adversários testados. Ele venceria Jair Bolsonaro (44% a 40%), Tarcísio de Freitas (43% a 36%), Romeu Zema (43% a 31%) e Ronaldo Caiado (44% a 30%). 

Esses números sugerem que a desaprovação do governo não se converte automaticamente em rejeição ao líder petista. O que explica esse paradoxo?

Acredito que, em primeiro lugar, está a resiliência de Lula como figura política. A memória de seus governos anteriores, melhor avaliados que o atual, sustenta sua base, especialmente no Nordeste.

Em segundo lugar, com Bolsonaro inelegível até 2030, a oposição ainda não conseguiu unificar uma alternativa suficientemente atraente. Tanto é que, dentre os que reprovam Lula, 14% a 18%, votariam nele. Nomes como Tarcísio e Zema carecem da capilaridade necessária para desafiar o petista em um segundo turno. 

Outra evidência está nos 62% dos entrevistados que acham que Lula não deveria se candidatar em 2026. Somado à desaprovação de 56%, esse número aponta para um claro desejo de mudança. De fato, 81% afirmam que o governo deveria “fazer tudo diferente” nos dois anos que lhe restam.

Nesse quadro, o favoritismo de Lula sugere que, ou a maioria não conhece alternativas, ou considera as opções piores. Não podemos esquecer que muitos dos que votaram em Lula em 2022 o fizeram para barrar Bolsonaro, num voto pragmático.

Estamos, portanto, num jogo delicado. O cenário segue binário, com Lula e o PT de um lado e a direita (Bolsonaro ou seus herdeiros) do outro, mas com ligeira vantagem para o campo governista — ao que tudo indica, devido ao prestígio de Lula.

Um dado preocupante, porém, sinaliza riscos a esse prestígio. Pela primeira vez, a rejeição ao presidente parece enraizada na desconfiança: segundo a Genial/Quaest, 47% dos entrevistados afirmam que ele não é bem-intencionado, e 71% dizem que ele não cumpre o que promete. Trata-se de um ataque ao núcleo da imagem de Lula como líder popular e genuíno.

Escrevi em “O Brasil olha para Contagem”: “(…) a gestão eficaz de serviços públicos não é a única coisa que importa para as pessoas. Parte significativa da avaliação de um governo é ditada pelo juízo que a população faz da liderança. Importa o grau em que as pessoas veem a si mesmas e seus valores representados naqueles que governam, se existem evidências de corrupção ou não, se os processos de tomada de decisão são democráticos, etc. Trata-se, enfim, do problema da confiança na liderança e seus métodos e no processo de governo.

Assim, embora esse ataque, por ora, não o derrube eleitoralmente, é uma evidência de que a crise não é apenas de desempenho, atingindo a percepção pessoal. Seu prestígio — base de sua resiliência — está sob ameaça.

O governo precisa agir rápido para restaurar a fé em suas intenções e entregas, ou corre o risco de ver esse capital político evaporar se a oposição encontrar um nome forte. Nesse caso, a questão central é convencer aqueles 62% que Lula ainda é necessário.

Ivanir Corgosinho é sociológo

Outras notícias