A bem-sucedida gestão Marília Campos pode ser uma referência no esforço de fortalecimento dos municípios brasileiros
Os municípios brasileiros estão, mais uma vez, em crise. Estudo recente da Confederação Nacional de Municípios (CNM) indica que 51% das prefeituras brasileiras estão no vermelho.(1) A situação é ainda mais grave nos pequenos municípios onde, a cada de cada R$ 100 arrecadados, pelo menos R$ 91 são utilizados para o pagamento de pessoal e custeio da máquina pública. Não sobra nem para novos investimentos, nem para ampliação dos serviços. Como consequência, o quadro é de piora da atenção em áreas essenciais como Saúde, Educação e Assistência Social.
A causa mais imediata desta situação é, conforme a CNM, a queda nos repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) dos últimos quatro meses – queda que, de fato, aconteceu, como reconhece o próprio governo federal.
Acontece que principal critério para o repasse das verbas do FPM é o número de habitantes do município. Em junho último, o IBGE começou a divulgação dos dados do último Censo e, entre as surpresas produzias pelos últimos dez anos, estava a redução da população em diversos municípios.
Outro motivo relevante para a queda nos repasses do FPM está nas perdas de arrecadação provocadas pela redução do ICMS sobre combustíveis, gás natural, energia elétrica, comunicações e transporte coletivo aprovada em 2022 como parte do esforço de melhorar a popularidade do ex-presidente Jair Bolsonaro, em campanha à reeleição.(2)
O governo do presidente Lula tem buscado soluções para este problema e, ainda em junho deste ano, sancionou a Lei Complementar 198/23, que evita a queda brusca nos repasses do FPM para as cidades que tiveram redução populacional. Além disso, em novembro passado, o ministro da Secretaria de Relações Institucionais (SRI) da Presidência da República, Alexandre Padilha, anunciou que o governo federal pretende antecipar recursos na ordem de R$ 10 bilhões para Estados e municípios em função da diminuição das receitas de ICMS. Estas compensações estão previstas no Projeto de Lei Complementar (PLP) 136 que, no total, prevê a destinação de R$ 27 bilhões para os Estados e o Distrito em função da queda de receitas de transferência.(3)
Essas iniciativas já surtiram efeito. Conforme a própria CNM no último mês de novembro, as transferências federais relativas ao FPM tiveram um crescimento de 2,67% em comparação ao mesmo período do ano passado. Mais importante e revelador: o saldo anual dos repasses é positivo. O total repassado aos municípios até o momento, registra um crescimento de 3,59% em relação ao mesmo período de 2022, apesar da queda registrada nos primeiros meses do segundo semestre. (4)
Os problemas causados pela queda temporária nos repasses do FPM (que, felizmente, parece superado) é apenas a ponta do iceberg.
Como reconheceu o presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, em coletiva no início de outubro, a situação negativa dos municípios tem causas estruturais. “Vivemos um problema estrutural e não conjuntural que se acumula há muito tempo. A gente tem que dar mais transparência à sociedade para mostrar a situação. Os números que temos são muito graves e a luta aqui não é do prefeito em si”, disse Ziulkoski.(5)
De fato, o alvoroço de prefeitos e prefeitas em todo o país revela fragilidade da maioria dos municípios brasileiros que dependem visceralmente dos repasses de recursos externos, como o FPM e. ademais, são ultrassensíveis a decisões federais e estaduais que têm o condão de repercutir sobre a qualidade da gestão municipal, para o bem ou para o mal, mas sobre as quais não têm governança.
O caso de Contagem frente a essa realidade é animador. A atual gestão, comandada pela prefeita Marília Campos, do PT, passou praticamente incólume pela crise, apesar de também ser afetada pela redução dos repasses. Acontece que a cidade vem reduzindo de maneira significativa sua dependência das transferências constitucionais. As receitas próprias da prefeitura chegaram, ano passado, a 41,7% da arrecadação total, condição que permite ao município maior autonomia na tomada de decisões quanto a investimentos e aos rumos de seu desenvolvimento. Nos últimos aos, o governo municipal investiu cerca R$ 432,296 milhões em todas as áreas de gestão e, em particular em infraestrutura para o bom funcionamento da cidade, melhoria da qualidade de vida dos moradores e facilitação dos investimentos privados. Trata-se, portanto, de legado num dos maiores pacotes de obras já visto na história da cidade.(6) De acordo com a conceituada revista Multicidades, da Frente Nacional dos Prefeitos, Contagem ocupa a 37ª posição no ranking nacional das receitas municipais e é a 26ª entre os municípios que mais investem. No plano estadual, temos a terceira economia de Minas Gerais e a segunda colocação quanto ao volume de investimentos, atrás apenas de Belo Horizonte.
“Contagem, com Marília Campos, consegue um feito histórico. Quase sempre os ajustes fiscais são feitos com forte corte nos gastos de pessoal e nos investimentos; com Marília conquistamos nos estudos do IFGF, da Firjan, a mais alta honraria na administração pública: ‘Gestão Fiscal de Excelência’, mas isso com enormes melhorias da remuneração dos servidores e com um destacado plano de investimentos. Mas apenas a boa situação financeira não explica os avanços dos investimentos em Contagem. Marília é uma grande gestora; ela monta boas equipes de governo; acompanha a confecção dos projetos; articula recursos para as obras; acompanha também as licitações e a execução das obras; e atua diretamente até mesmo na cobrança de que as construtoras entreguem as obras nos prazos previstos nos contratos”, escreve o amigo José Prata.
O modelo bem-sucedido da gestão Marília Campos, que tem aprovação popular superior a 70% conforme diversas pesquisas de opinião, tem todas as condições para se tornar uma referência para os municípios brasileiros.
Naturalmente, não se se propõe que outras localidades adotem, sem os devidos filtros, o que se faz em Contagem. Soluções que deram certo aqui podem não funcionar, ou não serem possíveis, em outras realidades.
A realidade municipal no Brasil é extremamente diversificada. Os 5.568 municípios brasileiros não seguem o mesmo perfil, têm distintas vocações e capacidades de arrecadação. Uma coisa é pensar as grandes cidades metropolitanas do centro-sul do país. Outra, bem distinta, é imaginar soluções para as localidades do semiárido, como lembrou em artigo recente o professor da Fundação Getúlio Vargas, Fernando Luiz Abrucio(7).
De toda foma, é possível extrair da gestão Marília Campos um conjunto de diretrizes que podem orientar o esforço de outras municipalidades na buscar de um caminho próprio de desenvolvimento. Apresento aqui um esforço nesse sentido que, no mínimo, poderá servir como um ponto de partida ´para as elaborações futuras.
1) PARCERIAS E CORRESPONSABILIDADE — Como afirmou Paulo Ziulkoski, presidente da CNM em citação mais acima, a fragilidade municipal no Brasil tem uma dimensão estrutural e ações isoladas de prefeitos e prefeitas dificilmente levarão à solução dos grandes problemas e desafios a serem enfrentados — quase sempre, de dimensão intermunicipal. Nesse sentido, a conjunção de esforços é fundamental para a viabilização de projetos de interesse comum dos prefeitos e não deve estar condicionada às identidades ideológicas ou partidárias. A prefeitura Marília, reiteradamente, tem demonstrado publicamente sua a amplitude de sua capacidade de articulação e a prioridade que dá aos interesses coletivos em detrimento das afinidades políticas. Mostrou isso mais uma vez recentemente no a debate sobre o Plano de Recuperação Fiscal de Minas, quando demarcou com a própria bancada do partido. A gestão municipal em Contagem, nesse sentido, não hesita no esforço de celebrar alianças com outras prefeituras e com os governos estadual e federal, mantém amplo relacionamento com deputados estaduais, federais e com a própria Câmara dos Vereadores e chama as empresas a darem sua contribuição para o desenvolvimento municipal na forma de investimentos e contrapartidas. A adesão a consórcios, associações e frentes (como a Frente Nacional dos Prefeitos) faz parte dessa estratégia. No longo prazo, a grande questão aqui é a revisão do pacto federativo de modo a reduzir as desigualdades e assimetrias do desenvolvimento regional.
2) PROFISSIONALIZAÇÃO E MODERNIZAÇÃO DA GESTÃO — A “melhoria das capacidades estatais locais”, para usarmos uma expressão de Fernando Abrucio é essencial para a assegurar a prestação de serviços públicos na extensão necessária e com a qualidade que os cidadãos merecem. Em Contagem, será em andamento um amplo processo de modernização que envolve a Saude, o licenciamento ambiental, a educação, a atração de empresas e investimentos, a política municipal de segurança, etc. Este processo está alicerçado na incorporação de tecnologia, via o plano Diretor de Tecnologia da Informação, que possui uma estrutura sólida em 3 pilares: modernização, inclusão digital e desburocratização. Uma solução em informática aplica à gestão dos estoques de remédios da Secretaria Municipal de Saúde (aplicativo “Aqui Tem Remédio”) deu a Contagem o Prêmio Governo Aberto oferecido pela organização internacional Open Government Partnership (OGP). Parte desta política é a valorização dos servidores. A prefeitura tem assegurado a manutenção do poder de compra dos salários, todos os aumentos na receita municipal dos últimos dois anos foram repassados para os servidores municipais e para os aposentados e pensionistas via reajustes salariais e outros ganhos, tem avançado na criação dos planos de carreira e retomou os concursos públicos, além dos investimentos em formação.
3) PARTICIPAÇÃO E TRANSPARÊNCIA — São dois os principais ganhos da ampliação e do fortalecimento dos espaços de participação. O primeiro, é permitir que setores social, econômica e politicamente excluídos possam vocalizar suas preferências, subsidiando a adoção de políticas redistributivas. O segundo, diretamente relacionado ao primeiro, é a superação do clientelismo como lógica de ação do Estado e a adoção de praticas mais universais se repartição dos recursos públicos. Nos dois casos, temos um reforço do chamado “capital social” e um chamado à requalificação do “poder local”, normalmente tomado pela cultura da clientela e da troca de favores. Em Contagem, as ofertas de oportunidades de participação são amplas e acessíveis tanto para aqueles que votaram na candidata vitoriosa quanto para os que preferiam outras candidaturas: não há discriminações. O governo busca, permanentemente, a mobilização e o engajamento da população, das lideranças religiosas e empresariais via os conselhos municipais de políticas púbicas, conselhos por territórios, comissões para acompanhamento de obras, audiências públicas, plenárias de prestação de contas e várias outras formas de promoção da participação popular e da transparência. Nesse sentido, foi criado o Sistema Municipal de Participação Popular — SMPPC no sentido de tornar a promoção da participação uma política de estado e não apenas de governo.
4) INVESTIMENTO EM URBANIDADE — O governo tem investido na criação de um ambiente favorável à convivência pacifica, afetiva e solidária entre as pessoas em público. Isto explica os fortes investimentos na oferta de oportunidades para encontros com diversas finalidades. Além das reuniões, temos também projetos como a ginástica na praça, shows, festas, as corridas e outros eventos culturais que levam a um estado de permanente ocupação dos espaços públicos e permitem que indivíduos e grupos de indivíduos interajam e aprendam a lidar com suas diferenças de gostos, hábitos etc. A premissa é que um ambiente urbano dinâmico, efervescente e convidativo à distensão, ao relaxamento, à diversão e ao prazer é também mais favorável às mudanças e inovações à medida que produz confiança e reciprocidade. Neste sentido, é a urbanidade seria um potente fator de fomento à cidadania e de “otimização” do capital social.
Esta síntese de quatro eixos constitui, naturalmente, um programa mínimo. Na sua execução, precisa ser desdobrada em planos e políticas que, como já disse, dependerão da realidade de cada local. Estou convencido, entretanto, que como diretrizes gerais esses eixos têm a potência necessária para romper com a lógica voluntarista e imediatista que tende a prevalecer nas administrações públicas que vivem um eterno pagar de incêndios. Lamentavelmente, o futuro que se avizinha não nos dá razões para euforia. O cenário é de crise do Estado, fortalecimento em escalada inédita das empresas transnacionais, aumento das desigualdades sociais e dos pendedores autoritários de direita e de esquerda. Entre os desafios que o século XXI tem nos apresentado, estão questões complexas, radicais que não têm como ser resolvidas por um mero exercício devontade. São exemplos, a formação de novas urbanidades mais acessíveis e inclusivas, a questão climática, as questões da primeira infância e da velhice, o problema energético, a sustentabilidade ambiental, etc.
Neste cenário, fortalecer as municipalidades e o Poder Local pode ser a grande saída. O que pretendi mostrar neste artigo é que a gestão Marília Campos em Contagem tem uma proposta positiva e vitoriosa para enfrentarmos esse desafio.
Ivanir Corgosinho é sociólogo.
NOTAS
(1) Avaliação do cenário de crise nos Municípios. Confederação Nacional dos Municípios, Brasília, gosto, 2023. https://cnm.org.br/storage/noticias/2023/Links/15082023_Estudo_Crise_Municipios_Agosto2023%20(1).pdf
(2) Lei Complementar 194/22
(3) – Governo vai propor compensação por queda nos repasses do Fundo de Participação dos Municípios – https://valor.globo.com/politica/noticia/2023/09/12/governo-vai-propor-compensacao-por-queda-nos-repasses-do-fundo-de-participacao-dos-municipios.ghtml
(4) Após meses de queda, FPM de novembro fecha com crescimento de 2,67% em relação ao mesmo mês do ano passado – https://www.cnm.org.br/comunicacao/noticias/apos-meses-de-queda-fpm-de-novembro-fecha-com-crescimento-de-2-67-em-relacao-ao-mesmo-mes-do-ano-passado
(5) Presidente da CNM destaca motivos que agravaram a crise nos Municípios em coletiva de imprensa – https://www.cnm.org.br/comunicacao/noticias/presidente-da-cnm-destaca-motivos-que-agravaram-a-crise-nos-municipios-em-coletiva-de-imprensa
(6)Prefeitos fazem greve contra queda nos repasses do Fundo de Participação dos Municípios – https://www.cartacapital.com.br/economia/prefeitos-fazem-greve-contra-queda-repasses-do-funde-de-participacao-dos-municipios/
(6) José Prata e Dalmy Carvalho: Marília Campos faz um governo histórico em Contagem – https://www.zeprataeivanir.com.br/jose-prata-e-dalmy-carvalho-marilia-campos-faz-um-governo-historico-em-contagem/
(7) José Prata de Araujo. Contagem está feliz com Marília. Contagem, 2023. https://www.zeprataeivanir.com.br/wp-content/uploads/2023/07/CONTAGEM-ESTA-FELIZ-COM-MARILIA.pdf
(8) Fernando Abrucio: Municípios precisam entrar no século XXI, Valor Econômico, 10/11/2023 https://valor.globo.com/eu-e/coluna/fernando-abrucio-municipios-precisam-entrar-no-seculo-xxi.ghtml