topo_M_Jose_prata_Ivanir_Alves_Corgozinho_n

SEÇÕES

Hamilton Reis: O estranho caso das larvas na comida do hospital

Era uma vez, em um reino não tão distante, um ogro. Não era feio nem bonito, mas era deverás um ser esquisito. Sua obsessão era se tornar conhecido. Tinha gravado uns vídeos, porque disseram que para a sua intenção ser bem-sucedida, ele precisava ser visto e revisto. Disseram mais. Se ele usasse como arma a mentira, suas chances aumentariam. Quem sabe viesse até a ser o burgomestre do lugar. Vaidoso, era, entretanto, uma figura bisonha, dessas sem carisma, e bem arrogante.

Um belo dia, como sempre acontece nos contos de fadas, Ogro acordou e teve o que julgou ser uma ideia brilhante. Uma verdadeira epifania. Entrou em transe, um estado de euforia. Quanto mais pensava, mais sábio de achava, como ocorre com os tolos frequentemente. Tal era a sua perturbação, que ele salivava. A baba escorria discreta pelos lábios e ele sorria. Esfregava as mãos e não se continha.

Imbuído da crença de que sua ideia era infalível, chamou a sua turma, que veio em algazarra. Reunidos, pareciam de longe um respeitado escritório de advocacia. Mas que nada, era apenas gente esperta, acostumada a malandragem, capaz das piores estripulias. E se o Ogro queria, eles aplaudiam. De tal forma que o delírio do chefe ganhou ares de profunda sabedoria.

E em que consistia tal plano perfeito? Era fundado em antiga teoria. Bastava que a mentira fosse contada mil vezes que em verdade se transformaria. Era preciso apenas criar o fato, chamar a mídia e espalhar a denúncia nas redes sociais. Mistura ideal, mesmo que a narrativa soasse irreal e despertasse suspeições quanto a sua veracidade.

Assim foi feito. Ogro escolheu a dedo, pessoa de sua confiança. Sorrateiramente ela se infiltrou na ala infantil do hospital da cidade. E, sem que ninguém visse, colocou em uma das duas mil refeições servidas naquele dia, uma dúzia de larvas. Depois, fez o alarde, fez imagem e propagou, com falso ar de indignação, com endereço certo, conforme combinado.

O Ogro, como todo personagem que se preza, tinha lá seus caprichos. Exigiu que fosse o primeiro a divulgar tal material. Queria, orgulhoso, colocar ali a sua digital. Mesmo contra a opinião dos que o alertaram que seria contra ele uma prova cabal. Mas nenhum argumento demoveu o Ogro, que acreditava que era bom em fazer o mal.

A notícia se propagou com rapidez e até as TVs compraram a versão de que tinha sim, comida estragada. E a cada versão contada, a mentira ganhava novas formas. Já não era mais uma refeição, mas várias. Não mais apenas uma criança, mas muitas. Sem eficiência na apuração, embalados no sensacionalismo, os repórteres começaram até a dar sua opinião. É um absurdo, onde já se viu, clamavam os mais afoitos, com certo gosto, mas sem nenhuma razão. Afinal, não ensina o bom jornalismo que é preciso ouvir as partes e deixar que o leitor, ouvinte ou telespectador, chegue às suas próprias conclusões?

Rasgados os manuais de tempos melhores no mundo da informação, restava agora uma guerra de versões. O Ogro e seus amigos se viram condicionados a criar mentira nova para sustentar a velha mentira. E cada qual, querendo tirar proveito da situação, tentou emplacar seu nome, de carona naquela confusão.

Foi quando surgiu na história, a prefeita do lugar. Para dar basta a tanta espetacularização. Afinal, a saúde é coisa séria e não poderia virar circo por estratégia da oposição. Sabia ela que o Ogro era xucro e que era preciso desvendar aquela armação. Chamou a empresa que fornecia as marmitas, chamou os seus secretários, chamou os meios de comunicação e chamou para si a responsabilidade de averiguar e dar respostas para a população. E, claro, chamou a polícia para conduzir de forma isenta as investigações. E o caso ainda prossegue, sob sigilo, a ser esmiuçado, apurado em detalhes. Para que se conclua se foi mesmo o Ogro o responsável pela falcatrua.

O que se afirma no reino nem tão distante, é que o Ogro anda chateado. Cabisbaixo. Pode ter dado um tiro no pé. E pé de Ogro demora para sarar. É um processo custoso. Pode sangrar muito. Lentamente. Pode até manchar uma biografia, ainda que pífia. Não que o Ogro se importe. Afinal, ele é fruto de uma mentira. Um farsante sem rumo. Apenas um pobre Ogro rico que será esquecido pela história.

Hamilton Reis é jornalista e advogado.

Outras notícias