topo_M_Jose_prata_Ivanir_Alves_Corgozinho_n

SEÇÕES

Fernando Lopes: Representação Digital, a disputa política nas redes sociais

Vivemos um tempo em que a representação vive uma crise, a gênese das principais disputas políticas encontra-se nas redes sociais, as diversas “denúncias” de alguns agentes políticos somente fazem sentido se forem mediadas tecnologicamente por meio de plataformas como o Instagram, o Facebook, o X e em alguns casos o WhatsAPP.

A representação digital é a porta de entrada para as redes sociais. O sujeito, munido de sua bagagem cultural, ao interagir com o espaço digital e seus interesses políticos, cria a cibercultura. Esta irá seguir o seu caminho em uma relação de tensão entre sujeito, ciberespaço, mídias, sociedade, política, enfim, com todas as instituições individuais e coletivas. A cibercultura cria uma pegada digital no ciberespaço que serve essencialmente aos interesses daqueles que possuem o potencial de investir em impulsionamento, ou seja, disponibilizar recurso financeiro para que suas publicações tenham maior engajamento e alcance.

O resultado dessa interação é a construção de um banco de dados no qual todos os hábitos de consumo, comportamentos ideológicos, pensamentos sociais e posições políticas vão se acumulando, criando um dossiê coletivo que instantaneamente pode ser individualizado por meio da identidade do indivíduo na rede. Essa sim é a verdadeira disputa política digital que constrói as redes sociais, em que o interesse está nos hábitos e nos comportamentos, e não na realidade. Basta refletir sobre quem são os investidores financeiros das redes sociais. O ciberespaço, portanto, possui sua matriz geradora nas telecomunicações, o que ocorre em seu interior, enquanto espaço digital de acesso, interatividade, produção, reprodução e distribuição de bens materiais e simbólicos é construção de um arquivo digital de vigilância e gestão social.

Não é possível ser ingênuo a ponto de conceber as redes sociais como um lócus da democracia e da liberdade. Tal fato pode ser observado ao se comentar verbalmente, próximo a um computador logado à rede, em um domingo em família, quais são os planos para a próxima viagem. Na próxima vez que for acessar um e-mail, ou for visitar o Facebook, ofertas de hotéis e passagens para o destino comentado no bucólico domingo saltarão em sua tela, como se atendessem às orações. Todavia, o deus da tecnologia consegue ouvir todos e a eles responder.

Esta dinâmica quando aplicada à disputa política reverbera em vídeos de invasão à patrimônio público sob o pretexto da fiscalização do cidadão de bem, ou do falso valor moral em se cobrar a responsabilidade da aplicação de uma lei específica. Portanto, nas eleições que se aproximam é necessário estar atento a “pós-verdade” das redes sociais, que na maioria das vezes é uma difamação ou simplesmente uma mentira. A união entre tecnologia digital e telecomunicações fez das redes sociais um aparelho ideológico, logo a informação em rede é um dispositivo tecnocrático. As indústrias culturais em oligopólio e a maioria das representações políticas estão a utilizar as redes como forma de raptar e adaptar os interesses e valores, segundo os seus projetos eleitoreiros.

A internet, portanto, é um espaço virtual no qual os primeiros valores que o sustentam são os mercadológicos, em seguida trata-se de um campo fértil para a exploração das indústrias culturais, que transferiram todos os seus ativos para esta rede das redes. Por meio da internet, o capital político torna-se onipresente, sendo o maior vendedor de falsas liberdades e adúlteras distinções, pois, quando um despercebido usuário se regozija com o prazer da liberdade de visualizar um vídeo impulsionado, ele está consagradamente cedendo a opções pré-fabricadas e involuntariamente cedendo suas preferências e valores ao grande algoritmo que suga gratuitamente a felicidade e se propõe a vendê-la novamente por um elevado valor financeiro e por um impagável valor simbólico.

De uma música intitulada “Arrombou a Mídia”, da compositora Rita Lee, concluo o tema com quatro versos: “Editatoriais são pura megalomania; Manipulando minha vida todo santo dia; Os Big McCoisa fazem mal e dão sequela; Dietas, malhações, botox saem pela goela”.

Fernando Augusto Silva Lopes é Secretário Municipal de Tecnologia da Informação em Contagem, gestor público e doutor em Estudos Culturais – Tecnologia da Informação pela Universidade do Minho

Outras notícias