Todos se perguntam: a Argentina entrará de novo em uma aventura como a de eleger a Milei presidente do país. Ou se há alternativas ao abismo.
PORTAL BRASIL 247, 23/09/2023
A Argentina é um país que se acostumou a viver perigosamente. Sem ir muito longe, viveu a festa de uma década de paridade entre a moeda nacional e o dólar, o que elevou, ilusoriamente, o poder aquisitivo dos argentinos ao da moeda norte-americana.
Ninguém se atrevia a contar-lhes a verdade ou a tomar medidas realistas que terminassem com aquela festa e o rombo da crise das finanças públicas – raiz da hiperinflação sempre embutida nas finanças do país. Quando, de repente, eles tiverem que se dar conta que a relação com o dólar não é de 1 a 1, mas 4 a 1, saíram a quebrar os bancos e a perder, definitivamente, a confiança nos bancos. O mecanismo de poupança passou a ser definitivamente o dólar.
Quando um político aventureiro – o Mieli e’ o aventureiro da vez – promete a dolarização, atrai. simpatia de tanta gente, endividada ou não, pela atração da estabilidade e do controle da inflação de um país que chega a 10% de inflação ao mês e a 120% de inflação ao ano.
Campeão do Mundo de Futebol de novo, contando com o Messi e com o Papa, ao mesmo tempo que um país economicamente paria no mercado internacional. Que está, de novo, à beira de uma nova experiência tresloucada, expressa na própria fisionomia do candidato que promete a salvação de tudo e, ao mesmo tempo, a aventura ao vazio para os argentinos.
Todos se perguntam: a Argentina entrará de novo em uma aventura como a de eleger a Milei presidente do país. Ou se há alternativas ao abismo.
As pesquisas indicam uma divisão praticamente tripartite entre ele, Patricia Bullrich, da direita tradicional e Massa, do centro e da esquerda. E com uma outra porção de gente que não votou. Elas têm indicado a liderança de Milei, com diferença de 2 a 3 pontos para algum dos outros, que disputam a passagem ao segundo turno.
Milei é a versão mais recente dos líderes de ultra direita, que tem ainda em Trump sua referência fundamental, além de Bolsonaro. Propõe a liberalização de tudo o que for possível, chegando, além da eliminação da moeda nacional, a do Banco Central. E’ o candidato da bronca, em um país em que esse elemento se coaduna com a personalidade tradicional argentina. Bronca da casta, dos políticos tradicionais, como Milei os chama. Bronca da inflação e dos preços. Bronca das más condições de vida. Bronca dos governos, que se sucedem ao longo das décadas, sem resolver os problemas das pessoas.
Milei ataca a tudo o que julga ser os responsáveis por tudo isso. Aparece como o Messias, o que promete salvar os argentinos de todos os seus problemas. Ataca, de forma obsessiva, até mesmo o Papa, por suas posições políticas, de apoio a governos comunistas, segundo ele.
Um país isolado internacionalmente, se comprometeria a dolarizar sua economia, sem ter um mínimo de reservas monetárias. Que pretende suspender as relações econômicas com a China e com o Brasil, já estando hoje isolado economicamente no mundo.
A Argentina pode surpreender-nos de novo, contornando o abismo, para um país que, no fim explosivo da dolarização, chegou a ter três presidentes em uma única semana?
Uma alternativa, a mais provável, pelas pesquisas, hoje, seria a vitória de Milei. Ao contrário do que ele promete, o país embarcaria em muito mais incertezas do que todas as que já tem hoje. Até quanto dispararia a inflação e o dólar? Um governo que propõe mudanças da constituição – como o fim do Banco Central – , com uma minoria no Congresso, como governaria? Quem se relacionaria com um governo com essas características? Como reagiriam os argentinos diante de um governo que traz mais incertezas que segurança? Até quando demoraria para voltar sua bronca contra o novo governo e suas medidas disparatadas?
Háy a possibilidade de, por uma estranha combinação de votos, se conseguir chegar ao segundo turno, Patricia Bullrich vencesse as eleições, recebendo um grande caudal de todos do centro e da esquerda, de Massa, que voltassem majoritária para ela, assustados com a possibilidade de Milei se tornar presidente do país.
Ou, pela rejeição crescente que Milei foi gerando, Massa canalize esses votos, tornando-se presidente da Argentina, ao final de um disputadíssimo segundo turno.
Qualquer deles terá que governar com uma herança econômica e política gravíssima. Nenhum tem um plano de governo que represente a superação, em um prazo razoável de tempo, da crise atual. Massa representa a solução mais realista, sobretudo contando com apoios internacionais, antes de tudo do FMI, mas também do Brasil.
De qualquer maneira, os meses que restam deste ano são de enormes indefinições para a Argentina. Não fica claro que alternativas o país tem para o abismo. Os dois debates entre os três candidatos, nos dias 1 e 8 de outubro, podem ser momentos decisivos que mexam com os ponteiros das pesquisas, numa ou noutra direção.
Emir Sader é Sociólogo e Cientísta Político.