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Chico Samarino: Redescobrindo e ressignificando a cidade a partir de políticas públicas

É comum sairmos de casa para passear; fazermos compras; nos divertirmos e encontrarmos, constantemente, as mesmas pessoas. Quando se trata de alguém agradável damos o nome a  isso de grata coincidência. Por sua vez, se tratando de alguém impertinente, inconveniente, chato, classificamos o encontro como azar. E se o  choque se repete, tendemos a amaldiçoar ainda mais a entidade “destino”: terrível azar, infortúnio! Nos questionamos: “O que eu fiz  para merecer essa “mala” na minha vida”. A verdade é que nem “grata coincidência” e nem “azar” explicam os encontros constantes que acontecem nas cidades. Os espaços urbanos, normalmente, não nos ofertam a extensão dos seus ambientes físicos, mas sim os limites das nossas identidades.
Quem é rockeiro frequenta locais onde toca Rock in Roll. Quem gosta de teatro, frequenta espaços onde espetáculos teatrais são ofertados. Quem gosta de orquídeas, por sua vez, tende a ir à feiras onde as belas plantas  são expostas. Pessoas que têm os mesmos gostos  frequentam os mesmos lugares. A aproximação é inevitável; a amizade e o encontro. “Os opostos se atraem”. Eis uma máxima popular nada condizente com a realidade porque na prática nos atraímos por iguais, convivemos com iguais. Para muitos os espaços de convivência é uma opção, mas para a maior parte da população não.
Muitas pessoas vivem sem muitas escolhas dentro das cidades, graças a falta de recursos financeiros, sem acesso ao lazer, aos eventos e aos  serviços básicos que o poder público tem o dever de proporcionar. Por isso o Governo Marília levou até regiões carentes de Contagem grandes eventos culturais como o show da cantora gospel Aline Barros, na região do Nacional e do cantor Hungria, por exemplo, em Nova Contagem. Essa é uma forma de integrar  nos contexto urbano àqueles que estão excluídos dos potenciais das metrópoles. Não se trata apenas de divertimento, é uma forma de mostrar para os  habitantes das localidades periféricas que eles são sujeitos de direito, e que  podem ter memórias afetivas assim como quem tem recursos financeiros para assistir ao show de qualquer artista em casas especializadas ou em espaços privados. Afinal, a cidade e seus potenciais não podem ser restritos a quem possui recursos.
Trata-se de expandir  os espaços urbanos para quem vive privado em seus pequenos universos, com suas possibilidades de mobilidade reduzida e, consequentemente, mostrando que a cidade pertence às pessoas e que elas têm direito à diversão, ao encontro  e à alegria. É crucial rompermos com a mentalidade escravista de que o trabalhador de baixa renda só tem  direito de ir  da casa para o trabalho e do trabalho para casa. Parafraseando Zeca Pagodinho: “Diversão na periferia não pode  ser velório”. A população de baixa  renda  paga impostos, e muito, portanto tem direito ao que de melhor  a cidade tem a oferecer. E Marília Campos não nega qualidade.
É bom destacar que os espaços nas cidades são locais de constante disputa por grupos sociais. Isso fica evidente quando nos lembramos da pista de skate construída na Av. Teleférico, no bairro Água Branca. Houve a mobilização e a reivindicação dos praticantes do esporte no bairro. A Prefeitura acolheu a demanda. No decorrer do processo, houve insatisfação por parte dos skatistas. A Prefeita pessoalmente dialogou com os mesmos, chegando a um denominador comum. Ou seja, mobilização social alinhada com uma Prefeita totalmente  aberta ao diálogo. O resultado é uma cidade na qual os espaços são bem aproveitados.
Onde os espaços não são apropriados em diálogo do poder público com a população, o que pode ocorrer é  a ocupação por grupos que despertam o medo e trazem mais problemas do que soluções para o ambiente urbano. Se a localidade é ocupada por skatistas, a maior chance é  de se criar  socializações em torno do esporte, da cultura esportiva manifestando valores ligados ao cuidado físico, à competitividade e consequentemente atraindo famílias para o espaço público. Se ocupada  por  grupos como usuários de entorpecentes, por exemplo, teremos um espaço de medo, evitado por muitas pessoas. Haverá socialização com valores invertidos, necessidade  de gastos  com segurança e saúde pública.  Pois bem, o que é melhor? De acordo com o sociólogo polonês Zygmunt Bauman:
(…)Mas, como seres humanos, estão confinados de manhã à noite no espaço físico em que atuam, num ambiente já predisposto e continuamente regenerado no decorrer da luta em busca de sentido e identidade. É nos lugares que se forma a experiência humana, que ela se acumula, é compartilhada, e que seu sentido é elaborado, assimilado e negociado. (…).[1]
É importante deixar claro que em uma cidade não existem espaços vazios.  Todo lugar é apropriado por um grupo, por mais que ele pareça abandonado. Quando uma mulher está sozinha à noite na rua e ela teme pela sua integridade física e psicológica, isso não é atoa. Ela sabe que o espaço onde ela está, aparentemente deserto, é um espaço propício à ocupação de assaltantes. Por sua vez, ela não tem medo em um lugar onde existe gente, ocupação, iluminação. Contagem comemora redução de  51% da redução dos crimes violentos graças a uma política de valorização da Guarda Civil (merecida), parceria com as forças de segurança estaduais (civil e militar), oportunidades de emprego mas, também, pelas políticas de ocupação de espaços na cidade com cultura, esporte e lazer.
A cidade tem que ser bela, atraente e confortável porque as pessoas não devem ser prisioneiras em suas casas. Elas devem ser livres nos  espaços que lhes pertence, convivendo com a diversidade, compreendendo a pluralidade; respirando o ar, participando dos debates na vizinhança. O isolamento é, sim, uma consequência do perigo gerado pela  criminalidade, mas  também é causa e espera-se que o cidadão, muitas vezes  sem perspectivas  de sair do seu lugar (me refiro ao lugar físico mesmo), seja extremamente sensível a questões práticas que envolvem a sua vizinhança e afetam diretamente seu cotidiano. Não é atoa que os grandes movimentos sociais nos últimos anos que sacudiram a América Latina aconteceram nos grandes centros urbanos em países como Brasil, Bolívia, Chile, Perú… desencadeados por aumentos no transporte e em itens cotidianos ligados ao custo de vida.
Como disse muito bem Hans Gadamer – em Verdade e método –, a compreensão recíproca é obtida com uma “fusão de horizontes”; horizontes cognitivos que são traçados e ampliados acumulando-se experiências de vida. A fusão que uma compreensão recíproca exige só poderá resultar de uma experiência compartilhada, e certamente não se pode pensar em compartilhar uma experiência sem partilhar um espaço.[2]
Experiências  são individuais e a soma delas se torna experiência histórica. Os gregos já  sabiam que a política acontecia  através do debate e não existe debate fora do espaço público, fora  da Ágora. Tanto que a pior punição para um cidadão grego era o ostracismo, ou seja, ser expulso da  cidade: deixar de fazer parte do coletivo que pensava o espaço urbano, o futuro da pólis. Revitalizações de espaços, eventos culturais devolvem a cidade para as pessoas, promove o encontro, o debate, a livre manifestação e circulação. Em uma cidade democrática a pessoa pode até  ficar restrita a certos espaços, mas que seja por escolha e não por imposição. Se tiver que lidar com um chato que frequenta os mesmos lugares que você, espero  que tenha para onde fugir. Que a  falta de políticas públicas  não te obrigue a lamentar aquela pessoa bêbada que conta as mesmas piadas repetidas vezes, fazendo declarações de  amor com respingos de baba alcoólica.
Chico Samarino é formado em história pela Universidade Federal de Ouro Preto, Mestre em História e Culturas Políticas pela Universidade Federal de Minas Gerais. Hoje está como Assessor na Secretaria de Cultura de Contagem.
Notas
[1]BAUMAN, Zygmunt. Confiança e Medo na Cidade. Tradução Eliana Aguiar. Zahar. Rio de Janeiro. 2012.p.18.
[2]Idem. p. 25

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