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Chico Samarino: Contagem são muitas, mas o governo tem que ser um só

Como bom amante de cinema e das artes em geral, tento me manter atualizado do que há de novo e sobre as grandes obras do passado também. Infelizmente, por mais que eu tente, uma vida é pouca para tudo de especial produzido em Contagem e mundo afora. Confesso que muitas vezes escolho o que assistir, ler ou escutar, de acordo com critérios malucos de sorteio para não carregar a culpa de abrir mão de nenhuma arte e poder jogar a culpa na fortuna, no devir… no destino. Puro melindre de quem não gosta muito de perder. Quem sabe, se eu me aposentar em dois anos, por algum milagre, eu possa incorporar mais da produção humana ao meu espírito. Mas, sem dúvida, isso não passa de um sonho aluado.

Com base em um critério de escolha que nem eu me lembro bem qual foi, assisti ao filme “O Destino de uma Nação” que conta a história do período no qual Winston Churchill assumiu o poder na Grã-Bretanha. O ano era 1940 e Adolf Hitler expandia seus domínios pela Europa, com seu poderoso exército. Churchill já havia prevenido a todos dos perigos que representava Hitler, sendo ridicularizado e acusado de exagerar sobre a figura do lider alemão. Não estava, e por isso foi convocado pelo Parlamento Britânico para ser o Primeiro Ministro, mesmo diante das incertezas que pairavam sobre a sua pessoa.

Enfim, uma cena específica do filme me chamou a atenção. (Alerta de Spoiler!) Sendo pressionado pelo Parlamento para fazer um acordo de paz com Hitler, Churchill resolveu sair às ruas e conversar com o povo. Em muitos momentos o político fala em dissonância com a real vontade da população por diversos motivos, dentre eles, se encontrar preso em meros discursos ideológicos ou em joguinhos politiqueiros. Ao contrário dos lideres políticos britânicos, os cidadãos, em sua maioria, estavam contra um tratado de paz com Hitler porque sabia que a Grã-Bretanha perderia sua soberania e, óbvio, tinham a consciência de que um nazista jamais cumpriria os termos de um acordo de paz.

Por que estou citando esta cena? A prefeita Marília Campos é uma pessoa muito dinâmica e certa vez tive a oportunidade de perguntar para ela como conseguia andar tanto, conversar com tantas pessoas ouvindo, inclusive, palavras ofensivas de alguns interlocutores. A resposta foi direta: “Não se governa dentro de gabinetes e com ideias preconcebidas. A maioria dos problemas das pessoas a gente só percebe escutando e andando pela cidade.” Lembrei dela na exata hora que assisti a cena descrita acima. Além disso, a atual prefeita de Contagem me contou uma história que nunca esqueci. Era sobre uma senhora, moradora da região de Nova Contagem que vivia em uma rua sem calçamento. Ela tinha dificuldades para sair de casa em tempos de chuva, era obrigada a carregar os calçados nas mãos até pegar o ônibus. Sofria humilhação, chamada de “pé vermelho” ou “pé de pombo” quando andava em outros bairros da cidade”. Isso dificultava essa pessoa até a arrumar emprego. Vivia constrangida por não conseguir garantir a higienização da casa e convivia com problemas respiratórios. Um simples calçamento, no primeiro mandato da Marília, havia mudado toda a vida da senhora. Óbvio que isso não encerrou as necessidades desta contagense, mas a pavimentação da rua, acompanhada da rede de esgoto, representou um salto grande para a cidadania de fato. Marília ouviu e fez.

O economista José Prata, em um post, chama a atenção, exatamente, para o fato de que Marília não governa sozinha; respeita as instituições: Legislativo e Judiciário. “Ela governa com o povo ofertando uma verdadeira ‘avalanche’ de oportunidades para a participação popular. Temos os conselhos territoriais, as comissões de acompanhamento de obras e das praças, as audiências para prestação de contas, as reuniões para apresentação dos projetos e escuta de sugestões, além da efervescência que toma conta da cidade nos eventos culturais, esportivos e lazer

Sonhamos com uma cidade moderna, conectada e abraçamos esse discurso. Correto! Mas temos que ter em mente que a cidade é múltipla e vive em meio a diversas temporalidades. A mesma cidade que hoje está ligada ao mundo com empresas que contam com alta tecnologia, é a cidade na qual parte do povo ainda precisa de limpar os pés ao sair e chegar em casa. Não porque a prefeita ignore esta demanda, mas porque a cidade não para. Ela cresce e as demandas, os problemas, crescem junto com ela. Desaparecem e reaparecem, significam e ressignificam. É necessária uma liderança que conheça os diversos tempos da cidade para saber lidar com a exigências da dona de casa que sofre para limpar a poeira da rua sem calcamento e para viabilizar as necessidades de um empreendimento do século XXI. A discussão é mais complexa do que as fáceis soluções prometidas por profetas do tempos passado.

Marília assumiu a cidade em um cenário pandêmico, quando a principal preocupação do poder público era salvar vidas garantindo, também, que famílias mantivessem seus empregos, empresários não falissem. No caso da cultura, por exemplo, havia a preocupação com os artistas da cidade que precisavam do poder público para sobreviver. Hoje, após a pandemia, já é possível ir além, pensar em projetos de sustentabilidade construidos em diálogo com grupos artísticos. Projetos que existem e que podem ser viabilizados. Em resumo: os cenários mudam, o que não pode mudar é a conexão com as necessidades da população. Por isso Marília não sai das ruas, porque ela não pode perder o fluxo dos tempos da cidade e nem ser traída por discurso pré-moldados. Se Churchill escutasse apenas os burocratas a Inglaterra seria território nazista… mas ele escutou o povo.

Há apenas um dever, apenas um caminho seguro, que é tentar estar certo e não temer fazer ou dizer o que você acredita ser certo, dizia Churchill… Não existe outra forma de governar senão ouvindo o povo. Aprendi com Marília que em um governo todos devem ser escutados. Excluir qualquer camada da população por motivos ideológicos, religiosos ou o que for, é abrir mão de executar políticas públicas que podem salvar vidas e construir uma cidade melhor. Contagem são muitas, mas o governo tem que ser um só e em conexão com a população, com as ruas e que escuta o povo.

Chico Samarino é graduado em História pela UFOP, mestre em História e Culturas Políticas pela UFMG. Atualmente trabalha como Assessor na Prefeitura de Contagem.

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