Vida do futuro ministro da Fazenda deve piorar nos próximos anos, mas a do Brasil talvez melhore
FOLHA DE SÃO PAULO, 11/12/2022
Não entendo a resistência de setores do mercado à indicação de Fernando Haddad para o Ministério da Fazenda. Escrevi um livro sobre a história do PT e não faço ideia do que, na biografia do ex-prefeito, indique que o novo ministro seja gastador, populista, o que seja.
Não foi assim quando trabalhou na gestão de Marta Suplicy na Prefeitura de São Paulo, não foi assim quando foi prefeito. Se fosse populista, Haddad provavelmente teria entregado tudo que os diversos e conflitantes movimentos de 2013 queriam e teria sido reeleito prefeito de uma cidade quebrada em 2016.
Além do mais, a indicação do outro grande nome petista no ministério de Lula, o ex-governador Rui Costa na Casa Civil, claramente sugere a predominância da ala moderada do Partido dos Trabalhadores do governo.
Costa fez uma gestão bastante responsável na Bahia, ao mesmo tempo em que o PT no Congresso Nacional se opunha a reformas de caráter “fiscalista”.
A presença da dupla de petistas moderados no Planalto sugere que os projetos de investimento devem ser feitos com parcerias com o setor privado, algo com que Haddad tampouco jamais sinalizou ter qualquer problema.
Em suas primeiras manifestações como ministro, Haddad sinalizou um início de gestão focado em três principais áreas: a reforma tributária, a construção da nova regra fiscal e a retomada das negociações comerciais internacionais.
A nova regra fiscal é fundamental para reequilibrar as expectativas econômicas após a proposição da PEC que autoriza maiores gastos públicos. O governo Bolsonaro foi do tipo que ninguém quer suceder: gastou demais e deixou um legado social terrível.
Se ao menos tivesse resolvido um dos problemas, o novo governo poderia se concentrar no outro. Não resolveu, o que exige que Lula coloque a casa em ordem com a regra fiscal ao mesmo tempo em que tenta aliviar o drama social com a PEC.
Se falta dinheiro, é preciso encontrar maneiras de aumentar o crescimento que não dependam inteiramente de gasto público.
A reforma tributária e as negociações comerciais são boas saídas para isso. São temas dentro dos quais a esquerda pode dialogar com os economistas “ortodoxos” sobre crescimento, e não apenas sobre ajuste.
A reforma tributária proposta pelo economista Bernard Appy –provável membro da equipe de Haddad– já foi apresentada no Congresso pelo deputado Baleia Rossi, presidente do MDB.
Jair Bolsonaro não tentou aprová-la porque ninguém conseguiu lhe explicar como tornar nossos impostos mais eficientes ajudaria a dar golpe de Estado. A expectativa é que a aprovação da reforma tributária aumente o potencial de crescimento brasileiro de forma permanente.
Isso também é verdade sobre as negociações comerciais. Ninguém acha que essas negociações serão fáceis ou que não haverá perdedores –certamente os houve na China e no Vietnã–, mas não há ninguém no mundo crescendo sem se integrar nas cadeias globais de produção.
Enfim, a situação do Brasil após o pior governo do mundo é ruim, tudo ainda pode dar errado, mas os sinais emitidos pelo novo ministro da Fazenda são bons. Podem se tornar melhores com a indicação de alguns dos nomes mais cotados para seu secretariado.
A vida de Fernando Haddad deve piorar muito nos próximos anos, mas a do Brasil talvez melhore.
Celso Rocha de Barros é servidor federa e doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).