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Bloco não organiza ação do governo na Câmara, diz Fernando Limongi

Para o pesquisador, necessidade de formação de maioria não é urgente, mas persiste

VALOR ECONÔMICO, 14/04/2023

Para o cientista político Fernando Limongi, a formação de grandes blocos partidários na Câmara dos Deputados não parece ser um princípio de organização de uma maioria para o governo na Casa.

Em resposta ao bloco MDB-PSD Republicanos- Podemos, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PPAL), anunciou a formação de um agrupamento com a participação de 173 deputados de várias siglas, do PP aos esquerdistas PSB e PDT.

Limongi vê isso como uma mera aliança conjuntural para composição das comissões da Casa.

A dificuldade para formação de uma maioria para o governo persiste, diz, e passa pela dificuldade de lideranças de medir o que restou da força do ex-presidente Jair Bolsonaro e da extrema direita.

Outro fator, avalia, é conflito entre Lira e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), sobre a composição das comissões para análise de medidas provisórias.

A seguir os principais pontos da entrevista ao Valor:

Colchão de um ano

“Havia a necessidade de aprovar a PEC da Transição porque tinha uma bomba: uma série de despesas que o governo anterior deixou para o eleito. Então o novo governo teria que furar o teto de gastos, um problema. A PEC da Transição, na verdade, foi uma consequência da PEC que o Bolsonaro aprovou antes para fazer campanha. E aí o que se fez na transição, nesse acordo, foi comprar um ano. Isso, de alguma forma, acaba explicando essa dificuldade de arranjo imediato que o governo tem agora.”

Sem urgência

“Com a PEC há recursos para montar o programa de governo do PT, Minha Casa Minha Vida, esse novo PAC. Tem um dinheiro reservado para isso. Então o governo não está precisando de imediato do Congresso. Está podendo lidar com essa falta de maioria. Neste momento não é preocupante. Consegue manejar. Mas em algum momento vai ter que resolver. Como? Não dá para saber hoje.”

Formação de blocos “

Agora está ocorrendo esse processo de formação de blocos. Mas aparentemente é só para resolver composições internas [da Câmara], comissões, ter poder de barganha na hora dessas composições. Depois desfaz. Ainda tem muita questão em aberto para sedimentar e a coisa começar a andar.”

Sistema travado

“Vai ter de montar maioria e o governo tem um tempo para isso. Mas está estranho. Muito travado. E uma parte da razão da trava é que quase todos os partidos de centrodireita pragmáticos, como PP, PL e União Brasil, então rachados em dois grupos. Tem uma ala muito comprometida com Bolsonaro e com a direita radical, gente eleita dentro da campanha do Bolsonaro. Esses partidos normalmente adeririam ao governo. Mas estão impedidos de fazer isso por esse contingente de radicais bolsonaristas. E que estão perdidos também. Porque o líder sumiu. Ficou nos EUA, voltou, mas é incapaz de assumir qualquer liderança.”

Medo eleitoral

“Outra parte da dificuldade é medo eleitoral. Isso se manifestou, por exemplo, na audiência do ministro Flávio Dino [Justiça] nesta semana na Câmara. É uma molecada da quinta série, como dizem. O que conseguem fazer é aquela algazarra. Não têm uma proposta. Mas paira dúvida sobre a força eleitoral dessa direita que emergiu.”

Dificuldade de avaliação

“Eu acho que Valdemar Costa Neto [presidente do PL], Ciro Nogueira [senador e presidente do PP] e outros estão ainda sem capacidade de avaliar de que lado vão ficar. Meu temor é que fiquem assim até a eleição para prefeito. Eles não conseguem saber se ainda têm capital para jogar com Bolsonaro ou alguma liderança de direita, e assim montar uma coisa deles, ou se o melhor para eles é aderir ao governo, como sempre faziam.”

Poder de Lira e Pacheco

“Tem duas variáveis que interagiram e tiraram a coisa do prumo. Uma foi o Bolsonaro negar a necessidade de fazer coalizão, governar por decreto, não fazer política pública e deixar o Congresso se virar. A outra foi a pandemia. Com isso, os presidentes da Câmara e do Senado acumularam um poder inacreditável. Eles ainda estão com um poder muito grande. E Lira está se mostrando um Eduardo Cunha 2.0. Um Cunha melhorado. Melhorado do ponto de vista da lógica de acumular poder. Sabe jogar. E joga na porrada, conflito. E sem o espalhafato e a ganância do Cunha.”

Atrito no Congresso

“Outra questão do travamento é essa disputa Lira-Pacheco em torno da composição das comissões mistas para análise de medidas provisórias [Lira quer o modelo excepcional criado na pandemia, que amplia o peso da Câmara, Pacheco quer o retorno do modelo tradicional em que cada Casa indica 50% dos membros]. Interessante notar que o Senado não esteja provocando o Supremo para resolver. O Pacheco está batendo o pé com razão, está de acordo com a Constituição. Nunca houve essa questão de proporcionalidade, é absurdo. O Lira está dizendo que o sistema não é bicameral, da forma como está na Constituição.”

Crise constitucional

“Ainda não dá para entender de onde vem essa pretensão [de Lira]. Qual é a verdadeira briga? Ele e o Pacheco jogavam juntos. Inventaram o orçamento secreto, nadavam de braçada com Bolsonaro. Fizeram acordo com Lula na PEC da Transição. De repente, esse atrito. Que está sendo pouco explorado pela imprensa, pelos políticos. Mas tem uma crise. E é uma crise constitucional. Difícil entender inteiramente o que está rolando.”

Papel do governo

“Entendo o porquê de o governo não querer entrar na dividida. É o último que quer trazer o Supremo, arbitrar um conflito entre Pacheco e Lira e, de repente, arrumar um inimigo. Você não quer o presidente da Câmara ou o presidente do Senado como seu inimigo. E muito menos os dois.”

Coisa estranha

“Em algum momento essas questões das medidas provisórias, da relação Senado e Câmara e da formação de uma maioria para o governo têm que ser resolvidas. Quando? Quanto que o governo vai se estrangular? A gente não sabe. Mas está estranho, muito estranho. Muito fora do esperado.”

Arcabouço fiscal

“Ninguém vai ser doido assim [de não aprovar]. Seria muita loucura, né? Os radicais bolsonaristas que apostariam no “quanto pior, melhor” não têm número nem poder institucional para isso.”

Fernando Limongi é cientista político, professor titular aposentado da USP, professor da FGV e pesquisador sênior do Cebrap

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