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Nicolle Ferreira e Sarah Campos: ICM Educação em Minas Gerais, distorções e desigualdades

A educação é um direito humano fundamental e essencial para a formação do cidadão e transformação da sociedade. Ela é a responsável pela formação do caráter e disseminação dos conhecimentos e valores para a vida em sociedade.

Em 1988 foi promulgada a nossa atual Constituição Federal, construída com a finalidade de instituir a redemocratização do Brasil e, primordialmente, garantir a concretização dos direitos fundamentais do cidadão, dentre eles os direitos sociais como a educação, que coaduna-se com os princípios da dignidade humana e da igualdade.

O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços-ICMS é um imposto de competência estadual que incide sobre a circulação de mercadorias, prestações de serviços de transporte interestadual, ou intermunicipal, de comunicações, de energia elétrica, e sobre a entrada de mercadorias importadas e serviços provenientes do exterior.

Com a vigência da Emenda Constitucional nº 108 de 2020, que modificou o texto constitucional do art. 158, foi alterado a forma de divisão dos recursos do ICMS, acrescentando indicadores de melhoria nos resultados de aprendizagem e de aumento da equidade, considerado o nível socioeconômico dos educandos.

Considerando que os Estados possuem competência para criar suas próprias legislações referentes aos impostos, Minas Gerais editou a Lei Estadual nº 24.431/2023, onde estabeleceu os seguintes critérios a serem cumpridos pelo ente beneficiário para repasse do ICMS Educação: Índice de Desempenho Escolar; Índice de Rendimento Escolar; Índice de Atendimento Educacional e Índice de Gestão Escolar. A citada Lei 24.431/23 foi regulamentada por uma resolução conjunta da Secretaria Estadual de Educação e Fundação João Pinheiro (SEE/FJP Nº 12, de 30 de outubro de 2023).

A grande questão da Lei do ICMS Educação em Minas Geras é a ausência de critérios que considerem o quantitativo de alunos atendidos nos municípios, o que gerou graves distorções, sendo que os alunos de ensino infantil e fundamental, público-alvo da política de educação dos municípios, tem um perfil muito semelhante em termos de vulnerabilidade, seja nas avaliações feitas por questionários, seja por inclusões no Cadastro Único para Programas Sociais ou CadÚnico.

É cediço que Minas Gerais é o Estado que possui o maior número de municípios no país, qual seja, 853. Desse total, temos que 70% dos estudantes estão concentrados nos 100 mais populosos municípios, conforme dados do Censo Escolar.[1] Em que pese essa realidade no Estado, o que se verifica em Minas Gerais, é uma distribuição dos recursos do ICMS focada nos municípios, e não nos alunos.

A Lei Estadual nº 24.431/2023, ao apresentar os critérios para repartição da cota-parte do ICMS-Educação, desconsiderou do cálculo um dos critérios mais relevantes para a repartição desta cota-parte que é o número de estudantes matriculados no sistema educacional do município, prejudicando dessa maneira, municípios mais populosos, que consequentemente atendem maior número de alunos, como: Belo Horizonte, Contagem, Betim, Juiz de Fora e Uberlândia, fazendo com que estes perdessem dezenas de milhões de reais em orçamento destinado a políticas públicas e, por consequência, violando o direito social da educação, bem como, ferindo o princípio da isonomia e equidade, o que significa um verdadeiro retrocesso social.

É plausível que o repasse aos municípios do ICMS educação, valorize os melhores resultados das políticas de educação, mas o legislador não pode ignorar e desconsiderar o número de matrículas como atributo de ponderação do indicador, eis que um município com mesma nota final de desempenho e mesma vulnerabilidade apurada, não podem receber o mesmo recurso total, se em um deles há 100.000 alunos e no outro 100 alunos, como está ocorrendo em Minas Gerais.

Trata-se de um elemento de equidade a ser observado na forma de cálculo de repasse do ICMS, eis que o modelo adotado em Minas Gerais, gera desigualdade e distorção na repartição dos recursos, concentrando valores em municípios menores e retirando recursos que são indispensáveis, de municípios mais populosos e que concentra mais quantidade de estudantes, com oferta de ampla rede de ensino frente aos demais municípios mineiros.

Pela tabela a seguir[2] é possível ter uma dimensão dessa distorção que vem acontecendo1 nos municípios do Estado de Minas Gerais:

Fonte: elaboração própria dos autores com base nos dados da LEI ROBIN HOOD, dez. 2023. Disponível em: http://robin-hood.fjp.mg.gov.br/index.php/extrato. E no IPI – Repasse Decendial aos Municípios. Secretaria de Estado de Fazenda, jan. 2024. Disponível em: https://www.fazenda.mg.gov.br/governo/assuntos_municipais/previsao_repasses/previsao_repasse_IPI/repasse_decendial/. Ambos com acesso em 20/03/2024

Não obstante a Constituição Federal nortear os indicadores em seu art. 158, não definiu qual seria a sistemática metodológica, havendo a ampla possibilidade de inserção do critério número de alunos como fator de ponderação para a distribuição do ICMS Educação nos Estados.

Conforme os dados publicados em janeiro de 2024 pela Fundação João Pinheiro, é possível concluir que os critérios estabelecidos pela legislação vigente não só resultam num aumento prejudicial da desigualdade entre as municipalidades, como confere tratamento distinto a estudantes inseridos em contextos análogos.

Nicolle Ferreira Breme é mestre em Administração pela UFV, advogada, bacharel em direito pela UFMG, auditora de Controle Interna efetiva do muncípio de Contagem e atualmente ocupa o cargo de Controladora GEral do município.

Sarah Campos é mestre em Direito Administrativo pela Universidade Federal de Minas Gerais, doutoranda em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa, Portugal, e Procuradora-Geral do Município de Contagem-MG.

NOTAS

[1] https://censobasico.inep.gov.br/censobasico/#/
[2] Lei Robin Hood. Fundação João Pinheiro. 2024 Disponível em: http://robin-hood.fjp.mg.gov.br/index.php/banco-de-noticias/393-publicadas-as-transferencias-global-por-municipio-e-por-criterio-de-janeiro-de-2024. Acesso em 20/03/2024.

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