topo_M_Jose_prata_Ivanir_Alves_Corgozinho_n

SEÇÕES

Ivanir Corgosinho: Anotações para o programa

I

O texto a seguir corresponde à minha exposição na plenária do PT de 03 de maio, que iniciou os debates internos ao partido sobre o Programa de Governo para o próximo mandato da prefeita Marília campos — que com toda certeza virá. Ao roteiro original, foram acrescidas algumas observações dos participantes e, de modo especial, do pronunciamento da prefeita, além dos palpites de companheiros e companheiras em conversas diversas.

Cabe lembrar que a apresentação de um programa de governo é obrigatória e consta da lista de documentos que os candidatos devem encaminhar ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Caso não o faça, a candidatura não será habilitada. Essa obrigatoriedade foi incluída em 2009 na Lei 9.504/97, que regula as eleições.

A lei, todavia, não especifica seja o formato, seja o conteúdo do programa, permitindo desde a apresentação de peças extremamente simples até volumes mais alentados, com levantamentos de dados, análises em profundidade e diagnósticos com pretensões acadêmicas. Por exemplo, o plano de governo de Jilmar Tatto (PT) à prefeitura de São Paulo em 2020 tinha 152 páginas [1]. Já o de Vera Lúcia (PSTU) apenas 06 [2]. Aqui, em Contagem, o programa que apresentamos naquela eleição constava de enxutas 17 páginas de propostas tópicas e sintéticas.

Por outro lado, a legislação também não estabelece critérios para a formulação das propostas, nem impõe qualquer obrigatoriedade de cumprimento dos compromissos anunciados. Desta forma, é relativamente comum que candidatos apresentem promessas de difícil viabilização e, muitas vezes, de claro teor populista, tais como “tarifa zero no transporte coletivo”, “isenção de IPTU para todos” e coisas do tipo.

Para as forças políticas de esquerda, a proposição do programa de governo não pode ser uma formalidade burocrática que dispense o compromisso com a honestidade do conteúdo. Tão pouco pode ser um mero arrolar de intenções para, supostamente, “resolver os problemas dos moradores”. A chamada “questão local” não é determinada apenas pelas condições locais. Ela se relaciona a processos muito mais amplos e condicionantes que envolvem as esferas regionais, estaduais, nacionais e, inclusive, internacionais, além da ação de segmentos populacionais distintos e com interesses próprios, como é o caso dos empresários.

As condicionalidades a serem atendidas e a presença de múltiplos atores ativos nas arenas políticas são fatores críticos que podem comprometer os projetos à medida que têm o potencial de interferir na viabilização dos planos de ação – seja devido ao alcance e extensão geográfica dos problemas a serem enfrentados, seja em função das exigências dos marcos regulatórios, seja devido à indisponibilidade de recursos disponíveis, seja, enfim, devido à oposição de agentes envolvidos, especialmente aqueles que têm forte poder de veto, dentre outras variáveis.

Desde essa perspectiva, um programa de governo deve ser, principalmente, um chamado à luta e à mobilização. É necessário lutar contra aqueles que se opõem às propostas apresentadas, é preciso fazer alianças para alcançar os recursos necessários à sua execução e é necessário convencer a maioria silenciosa quanto à necessidade da solução e seus benefícios. Por tais razões, qualquer programa de governo necessita, antes de mais nada, de um horizonte ideológico, explícito ou tácito que o oriente e fundamente.

No caso do nosso campo de forças, a superação das desigualdades e das distâncias sociais produzidas pela economia de livre mercado, especialmente sob as condições do capitalismo predatório ao qual chegamos na atualidade, é o grande objetivo estratégico que deve informar nossos planos de ação, em suas múltiplas proposições de iniciativas. Trata-se de utilizar os recursos políticos, econômicos e jurídicos colocados à nossa disposição, via a vitória eleitoral, para promover a construção de uma sociabilidade pautada por critérios humanistas e universalistas.

Isso significa que, seja na área da Saúde, seja na Educação, no Planejamento Urbano, na Segurança, na gestão administrativa e financeira e em quaisquer outras áreas de ação do Poder Público, a grande meta é promover mudanças tanto conjunturais quanto estruturais que combatam a produção e a reprodução da pobreza, da miséria e a concentração de rendas; que mitiguem os efeitos nefastos dos privilégios públicos e privados e das condições herdadas no relacionamento entre pessoas, grupos de pessoas e organizações; que garantam o protagonismo dos cidadãos e cidadãs, evitando que o poder de decisão sobre os destinos da coletividade seja capturado e colonizado pelos mais poderosos e que, finalmente, nossas diferenças naturais são sejam utilizadas como argumento para cercear o acesso às oportunidades de acesso a uma vida longa e feliz.

Ou seja, ainda que destinado a uma minúscula prefeitura (o que não é nosso caso), um programa de governo de esquerda, precisa estar em sintonia e fortalecer o movimento mais geral de emancipação humana e de luta em favor de uma sociedade mais justa e igualitária. Nesta perspectiva, trata-se de uma peça fundamental para a identificação do posicionamento político-ideológico das candidaturas e, também, de uma ferramenta de combate político já que pode alimentar o debate público que deve, ou deveria, mobilizar a opinião pública no curso da disputa eleitoral e, também, posteriormente, no pós-eleições, seja no caso de vitória, seja no caso de termos que atuar como oposição. Enfim, é importante que se compreenda o programa de governo como a materialização de uma proposta de aliança estratégica entre os partidos políticos/candidatos e os eleitores tendo em vista a construção de um futuro comum.

Ocorre que, em seu relacionamento com as administrações públicas, os eleitores consideram mais as entregas imediatas que os objetivos de longo prazo. Eles esperam que a administração tenha metas, seja ágil e eficiente; que os processos de licenciamento não sejam demasiadamente burocráticos; que não tenham que pagar taxas e impostos abusivos e desproporcionais à renda que auferem; que os recursos arrecadados sejam tratados com lisura e parcimônia; que os governos atuem para resolver os problemas que assolam o dia a dia na cidade e nos bairros e que, caso queiram, possam influir sobre as decisões governamentais.

Portanto, se o plano de governo não pode ser uma mera declaração sem consequências, nem um arrolar de promessas ao gosto do freguês, tão pouco pode ser uma lista boas intenções a se realizarem num futuro incerto. Além de um horizonte ideológico, o programa deve contemplar uma dimensão político/prática e organizativa capaz de levar a comunidade afetada a acreditar na vantajosidade, viabilidade e comprometimento do Poder Público com sua realização. Desta forma, qualquer proposta de programa de governo deve oferecer as condições para que seja traduzida pelo futuro governante em programas, subprogramas, planos e ações, com a devida previsão dos recursos necessários, definição de responsabilidades por sua execução nos diferentes níveis de gestão e cronograma de entregas desde o edital até a ordem de início dos trabalhos e sua conclusão.

O ideal, portanto, é que as metas e objetivos sejam de curto e médio prazo, com realização possível em quatro anos a fim de evitar alguma solução de continuidade pelos governos seguintes, ou sofrer percalços dadas a dificuldades preditivas em planejamentos de longuíssimo prazo.

Todavia, para concluir essa introdução, na dependência da relevância que uma determinada política possa ter para o governo e para a comunidade, é recomendável que ela seja institucionalizada na forma de lei, conformando-se como uma política de Estado e, nesse sentido, também dificultando sua eventual descontinuidade. Um exemplo dessa possibilidade foi, aqui em Contagem, a criação do Sistema Municipal de Participação Popular e Cidadã via a Lei municipal 5443/2023 – um compromisso da então candidata Marília Campos na eleição de 2020.

II

No caso de Contagem, a questão do programa ganha contornos relativamente mais simples à medida que se trata de um governo amplamente aprovado pela população (como mostram todas as pesquisas) e, portanto, com um forte viés de continuidade. O que precisamos levar em consideração ao imaginar como poderá ser um novo governo da prefeita Marília são as novas relações de poder criadas pelo sucesso da atual administração.

Se, em 2020, a prefeita teve ao seu lado a coligação “Contagem Feliz de Novo“, com apenas 4 partidos (PT, MDB, PSB e PCdoB) e algumas poucas dezenas de candidatos e candidatas à Câmara Municipal, atualmente a situação se inverteu. A maioria dos agentes políticos da cidade prefere compor com o bloco governista, deixando a posição isolada num pequeno gueto. Ao que tudo indica, a reeleição de Marília será apoiada por uma grande frente que, até o momento, envolve 16 partidos políticos e, potencialmente, cerca de 260 candidatos e candidatas aos cargos de vereança.

O grande desafio dessa nova realidade não diz respeito ao presente ou à disputa eleitoral. O problema posto é como manter a unidade e a coerência das ações de governo em uma administração mais que plural e composta por indivíduos formados em escolas de gestão públicas muito distintas entre si e, possivelmente, até antagônicas umas às outras.

Concordo, neste caso, com José Dirceu em artigo recente sobre a atual crise do governo Lula(4). Segundo Dirceu, o melhor meio para preservar a unidade da grande frente política que levou o presidente ao seu terceiro mandato é a adoção de um grande projeto desenvolvimentista capaz de empolgar e mobilizar todos os segmentos sociais, desde os mais pobres até importantes segmentos do empresariado. É óbvio. Qualquer política de alianças precisa encontrar o denominador comum em que todos os aliançados ganhem. Isso não é possível em regimes de escassez. A escassez alimenta a competição predatória, desestimula a solidariedade e, por consequência, leva os parceiros a crises de relacionamento, dificultando a fixação de metas comuns.

Ora, esta estratégia vem sendo adotada pela prefeita Marília Campos deste seu primeiro mandato como prefeita da cidade, em 2005. A plataforma de governo em execução atualmente é capaz de mobilizar amplos segmentos sociais porque preza pela transparência dos atos de governo e, portanto, pela credibilidade da administração; estimula a participação das pessoas e organizações nos assuntos da municipalidade; atrai investimentos do capital privado e estimula a geração de emprego e renda para os moradores, observa a garantia dos direitos fundamentais, preocupa-se com a preservação do meio ambiente e com a salubridade urbana e, enfim, investe na melhoria geral da qualidade de vida, no bom humor e na alegria das pessoas. A ampla aprovação do governo mostra que estamos num caminho acertado e vitorioso. O próximo programa de governo deve manter e aprofundar essas diretivas, assim como deve, em minha opinião, radicalizar as condicionalidades estabelecidas pela prefeita para a adoção de políticas e projetos. Tais condicionalidades são de três ordens:

Responsabilidade fiscal – se quisermos prestar serviços de boa qualidade, contemplando o maior número possível de moradores, é necessário tratar os recursos públicos com austeridade e transparência, zelando pelo equilíbrio das contas e pela boa qualidade dos gastos. Isto implica planejamento, previsão das fontes de recursos, adoção de indicadores de desempenho e fortalecimento do controle social, ou seja, no fortalecimento e ampliação dos canais para que a sociedade possa fiscalizar as ações do governo;

Inovação – trata-se buscar soluções mais eficientes para os velhos problemas da gestão pública e, ao mesmo tempo, incorporar as novas questões e exigências sociais, ambientais e energéticas da atualidade no contexto daquilo que vem sendo chamado de “cidade inteligente”;

Transversalidade – precisamos ampliar nossa capacidade de entregar um serviço cada vez mais integral e eficaz aos cidadãos e cidadãs, a um menor custo. Para isso é necessário aprofundar as sinergias entre as equipes das várias áreas de competência do Poder Público, fortalecer a noção de planejamento e incentivar a aderência institucional por parte das “caixinhas”, inibindo a formação de “patotas”, de pequenos grupos internos de interesse e das fontes paralelas de poder e distribuição de recursos.

Ivanir Corgosinho é sociólogo.

NOTAS

[1] Veja o Programa de Governo completo de Jilmar Tatto aqui: https://consultaunificadapje.tse.jus.br/consulta-publica-unificada/documento?extensaoArquivo=application/pdf&path=PJE-ZONA/2020/9/22/22/24/20/9cfecdab56fab96d0505f834c11f98189c9777de3fcd50cb75207a0ed8d1e629

[2] Veja o Programa de Governo completo de Vera Lúcia aqui: http://divulgacandcontas.tse.jus.br/candidaturas/oficial/2020/SP/71072/426/candidatos/379901/Propostas.pdf

[3] Veja o Programa de Governo completo de Marília aqui: https://divulgacandcontas.tse.jus.br/candidaturas/oficial/2020/MG/43710/426/candidatos/610408/proposta.pdf

[4] – José Dirceu. Impasses e saídas para o momento político. Blog A terra é redonda, 12/06/2024. Disponível em https://aterraeredonda.com.br/impasses-e-saidas-para-o-momento-politico

Outras notícias