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Lucas Fidelis: Juca recita Marília

Conheci Juca Kfouri num domingo qualquer de 1996. Através da tela de uma TV Philco 12 polegadas. Assistia ao programa hebdomadário da TV Cultura- “Cartão Verde”-, além das presenças de José Trajano e Flávio Prado, no exato momento em que o corintiano incorrigível, repentinamente, cravava, na primeira ou segunda rodada, de uma maneira um tanto quanto destemida, que o Clube Atlético Mineiro seria campeão brasileiro daquele ano.

Em tempos de vacas magras e expectativas ilusórias de um menor púbere em que tinha unicamente o futebol e o Galo como preocupação e válvula de escape, aquela declaração do jornalista, quedou-se, como um grande alento, e com uma intensa injeção de dopamina, beiradejando o êxtase, por assim dizer.
Se Juca tivesse parado por ali, o atleticano já estaria flanando com a crista alta. Ocorre que foi além. E muito. Ao ponto de flertar com a irresponsabilidade. Que nem a mais espessa névoa que encobre o discernimento pelo fanatismo ao alvinegro das alterosas seria capaz de arrojar.

Verberou para quem quisesse escutar que cortaria o braço caso o Galo Forte e Vingador não alcançasse as glórias do caneco. E se tratando do amadorismo de gestão e provincianismo clubístico daquele momento- o que me forjou, aliás, como um torcedor calejado e nostálgico-, por óbvio não atingiu o objetivo maior, embora tenha tido um desempenho irretocável com o tetracampeão Taffarel na meta, a articulação do voluntarioso Fábio Augusto, e Renaldo e Euller marcando seus tentos na fase final do campeonato; somente interrompida pelos ímpetos da surpreendente Lusa do Canindé.

O fato é que, a partir dali, nunca mais parei de acompanhar aquele excêntrico jornalista.

Das histórias de sua vida, uma aventura nas Ciências Sociais em que se revelou uma aliança tardia com seu professor, Gabriel Cohn, de que qualquer sociólogo que se preze deveria valer-se dos fundilhos das calças puídos pelas arquibancadas. Mesmo que isso acarretasse em torcer pela Seleção Brasileira na Copa de 70, o que, para seus pares, significaria avalizar e recrudescer a ditadura.

Aproveitando o ensejo dos tempos de chumbo, uma cumplicidade indelével com Joaquim Câmara Ferreira, o “Velho”; que mais tarde o liberaria de um compromisso para seguir suas sendas com os dizeres de que há de se resolver pendências pessoais antes de qualquer empreitada-coletiva- revolucionária-quimérica.

Das dores, a perda de seu pai, Carlos Alberto Gouvêa Kfouri, baleado ao defender sua esposa de ser tomada por um assalto pelo cordão em seu pescoço. E que, por ser membro do Ministério Público, e saber profundamente da dinâmica do Poder Judiciário, sempre alertou seu rebento para que se mantivesse o mais longe possível dos foros de justiça. O que não foi, exatamente, seguido por Juca, já que por seu tom, combativo e investigativo, carregou por toda a vida demandas judiciais pelos fardos ambulantes em que denunciara.

No que diz respeito ao viés investigatório, a denúncia da Máfia da Loteria Esportiva, em 1982.

Ademais, uma descoberta arrebatadora da identidade de Carlos Zéfiro, pseudônimo de Alcides Caminha, cuja revelação se fez por meio da parceria de composição com Nelson Cavaquinho de “A Flor e o Espinho”, cuja catártica passagem da canção flutuaria por “Tire o seu sorriso do caminho que eu quero passar com minha dor…”. Uma verve poética que só.

De amizades profundas, a forte conexão com o saudoso ex-jogador e último romântico Doutor Sócrates Brasileiro; embora reconhecesse que objetos de trabalho deveriam manter-se distantes de quaisquer afinidades.

José Carlos Amaral Kfouri tem em suas veias as raízes atávicas das montanhas de Minas Gerais. Por parte materna. Desfrutou pelos ares da tenra idade a vacações em Belo Horizonte deleitando-se do colo de sua avó e dos regalos e arroubos juvenis do outrora badalado postinho na Praça Hugo Werneck. Da geração de meus pais, diga-se.

E por falar das origens mineiras e progressistas, e pelas satisfações que a vida nos dá, deparei-me, nos últimos dias, com o anúncio, no programa de entrevistas de Kfouri, de um encontro de milhões, para realçar e percorrer pelas expressões contemporâneas. Uma conversa marcada com a Prefeita de Contagem, Marília Campos. A qual Juca proclama como uma gestora que conduz uma política com os “olhos humanistas”.

De fato. Marília carrega consigo grandes realizações sem precedentes no maior momento político da história da Cidade das Abóboras. E sob a responsabilidade de conduzir uma cidade com uma alta carga histórica. Transcrevo de um artigo de minha autoria o zeitgeist histórico contagense: a industrial Contagem de 68, intrínseca ao espírito do espaço-tempo, não se quedou inerte. Muito antes pelo contrário. Tomou as rédeas e, em um ato de inconformismo e coragem, promoveu a primeira greve pós-golpe militar, culminando num precursor e fundamental movimento operário do país, do qual foi tomado como inspiração e alastrado para diversos cantos do nosso continente. Uma grande conquista. Jarbas Passarinho baixou o tom de seu arrulho. O general Costa e Silva cedeu. Uma ruptura sem precedentes.

Do mesmo artigo, translitero a sua jornada política: De trabalhos extremamente consolidados de anos anteriores- seja na militância do Sindicato Bancário, na Prefeitura de Contagem, no Parlamento- a ouro-branquense, lapidada em Uberlândia, reluzia credibilidade e confiança.

Sobre a ressonante vitória da última eleição, ainda dissertei: Com um sólido respaldo, a única mulher eleita, no cargo maior do Executivo do Município, vencia pela terceira vez. Vitória arrebatadora. Mesmo com as famigeradas e deletérias Fake News e da intensa propagação do que tinha restado da malfadada “Lava-Jato”. Um modus operandi de exceção, com uma total inversão da “ordem social”. O Devido Processo Legal quedou-se ludibriado pelo canto das sereias. Às favas o Estado Democrático de Direito. O lawfare restara instalado.

E acerca de sua popularidade, tentei apresentar alguma resposta: Sem embargo, a transcendência, da ex-líder do Sindicato Bancário de Belo Horizonte, era tamanha, que, rompeu com ideologias e espectros políticos. Marília realmente é acima de tudo, uma cidadã, que vive a cidade intensamente, e, diante disso, alcançou uma fenomenal convergência histórica.
Marília Campos e Juca Kfouri. Juca e Marília. Duas figuras insubstituíveis para a nossa história. Do jornalismo à política. Insubstituíveis por suas idiossincrasias e personalidades. Únicos em suas individualidades. Em comum, a indignação e desconforto dos quixotescos humanistas inveterados. E, para além, a crença imperecível, citando Louis Brandeis, de que a luz do sol é o melhor desinfetante. Sempre.

Insubstituíveis, porém sucessíveis, há de se dizer. Muito embora haja uma escassez patente de figuras dessa estirpe nos tempos atuais.

Encontram-se, aliás, aos montes, pastiches ou tentativas de reprodução demagoga. De autenticidade duvidosa.

No entanto, com um bom olhar clínico, e um pouco de sorte, há algumas delas espalhadas por aí. Com suas particularidades ímpares e sob os mesmos desejos e ímpetos pela dignidade humana e justiça social.

Nada mais urgente e necessário, a bem da verdade, para o cenário hodierno.

Mas como diria, Juca, apropriando-se de Ivan Lins e Vitor Martins:

Desesperar, jamais.

Lucas Corrêa Fidelis é advogado e servidor público.

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