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Paulo Diniz: Sábia Marília

Jornal O TEMPO, 30/04/2024

Pesquisas de intenção de votos divulgadas por O TEMPO apontam que Marília Campos, prefeita de Contagem, caminha para ser reeleita com facilidade em outubro. Segundo o DATATEMPO, Marília contaria com 59,4% dos votos válidos caso a eleição fosse realizada no momento atual. Não se podem reputar tais números à simplória rivalidade entre esquerda e direita: segundo os dados da pesquisa, Marília herda 37,4% dos votos que Jair Bolsonaro conquistou em Contagem no pleito de 2022.

Mas o aspecto político de Marília Campos a ser destacado na presente análise não se relaciona com seus números pré-eleitorais. Em recente entrevista, e sem querer criar polêmica, Marília Campos se queixou de que o PT, seu partido há décadas, não vem prestando a atenção necessária às prefeituras. Desenvolvendo o argumento, Marília afirmou que o PT tem mais interesse em pautas nacionais – temas genéricos que, mesmo guardando importância intrínseca, pouco contribuem para ajudar quem faz a gestão das cidades. Esse breve diagnóstico foi prontamente rechaçado por lideranças partidárias, como era de esperar.

Nesta coluna, já foram várias as ocasiões nas quais foram apresentadas leituras sobre o PT que são compatíveis com o comentário de Marília. Por exemplo, vem sendo persistente a resistência do PT em abraçar a eficiência do Estado como uma de suas bandeiras, o que mantém o foco do partido apenas na mobilização popular para coleta de demandas. Os poucos integrantes do partido que assumem perfil “técnico” seguem sendo “estranhos no ninho” das gestões petistas.

A questão municipalista apenas ocupou corações e mentes petistas enquanto o partido comandava prefeituras, mas ainda não tinha conquistado a Presidência da República. Na década de 1990, falava-se no “jeito petista de governar” como sinônimo de inovação na gestão das cidades – discurso e prática que foram rapidamente abandonados após a chegada de Lula ao poder, em 2003.

Essa mudança de foco deveria pautar as discussões partidárias, principalmente porque pode ter contribuído para a drástica queda no número de cidades governadas pelo PT em Minas.

Mas o centralismo do pensamento petista provavelmente tem raízes mais profundas. É possível que tenha relação com o antigo DNA comunista do partido, segundo o qual dividir poder era visto como perda de poder – um pensamento que levou os regimes do Leste Europeu a adotar fórmulas de governo sempre centralizadoras.

Talvez esse vício explique a persistência de temas nacionais em todos os debates em que há candidatos petistas. Não perdem a chance de falar sobre aborto e descriminalização das drogas, por exemplo, quando a temática de interesse popular está mais ligada aos buracos no calçamento das ruas.

A sábia Marília Campos, em sua breve pontuação, pode ter tentado apontar a questão da sobrevivência do PT após a aposentadoria de Lula, quando o partido vai depender dos prefeitos para produzir novas lideranças. Mas, como ocorre com a maioria dos sábios, pouca gente quis compreender sua mensagem.

Paulo Ricardo Diniz Filho é doutor em Ciências Sociais e bacharel em relações internacionais e administração pública

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