A dengue está aí para quem quiser ver. Os números são alarmantes e, embora a Prefeitura faça a parte dela com campanhas e mais campanhas, infelizmente nem toda a população entendeu o quão é importante manter quintais organizados para evitar a proliferação do terrível mosquito. Nesse cenário, muitas vezes os justos acabam pagando pelos pecadores. Quem se preocupa e faz tudo certinho pode ser picado pelo aedes aegypti igual a quem não está nem aí para o problema. Foi o que ocorreu com minha esposa há 15 dias. Numa sexta-feira, ela se sentiu muito mal e fez o teste na farmácia. O resultado deu positivo. Ela estava com dengue.
Diante do quadro, começamos a usar os remédios de praxe (Dipirona e Paracetamol) para evitar a febre e fizemos um intenso processo de hidratação com muita água, água de coco, sucos e chás. Ainda assim, o mal estar dela era enorme. No sábado à noite, ficou mais difícil lidar com os sintomas da dengue. Temos convênio médico e seria hipocrisia dizer que, primeiramente, não tentamos utilizar o Pronto-Atendimento da Unimed. Lá fomos nós para a Unidade da avenida Pedro I, em Belo Horizonte. Chegamos ao PA às 21h. No guichê, a atendente já avisou que o tempo estimado para atendimento era de quatro horas e lembrou que aquela unidade estava atendendo não apenas a casos de dengue, mas todo tipo de urgência e emergência que chegava.
Quando já passava de quatro horas que ela esperava atendimento, com um tremendo mal estar, resolveu perguntar quantas pessoas ainda havia em sua frente. Eram muitas e o atendimento inicial demoraria pelo menos mais uma hora e meia, se não houvesse novas prioridades para passar à frente. Ela então me pediu para irmos embora para casa, já que “era melhor passar mal em casa e ter ao menos uma cama e um sofá para ficar”. Ou seja, o convênio, pelo qual pagamos R$ 900 por mês para atender nossa família, não dava conta de absorver a demanda. Eram três médicos para mais de uma centena de pacientes só naquela noite. Ficamos com a impressão de que a Unimed deu de ombros para a gravidade da dengue e sequer aumentou sua equipe no quadro caótico pelo qual passa Minas neste ano.
No domingo, acordamos cedinho e fomos a um laboratório particular para fazer um hemograma por nossa conta. Assim, saberíamos como estavam as plaquetas dela. Assim, a gente iria decidir se tentaria a sorte novamente num PA do convênio ou se trataríamos o quadro em casa. O resultado saiu no mesmo dia e as plaquetas estavam em 101 mil/mm³, quando o normal é a partir de 150 mil/mm³. Como a baixa não era muito grande, resolvemos continuar os tratamentos caseiros com remédios e muita hidratação.
Na segunda-feira, o dia parecia um pouco melhor e dava a entender que a doença estava dando uma trégua. Na terça, a partir da tarde, os sintomas pioraram novamente e minha esposa não conseguia mais se hidratar. Ela tinha um quadro de diarreia e vômitos. Na quarta, logo após acordar e deixar nosso filho na escola, saímos. Tínhamos a opção de tentar novamente o Pronto-Atendimento do convênio, mas resolvemos ir para o SUS. Semanas antes, eu tinha estado na Central de Hidratação construída pela Prefeitura no Eldorado e sabia que o atendimento estava muito bom, com muito menos espera do que no sistema privado.
E foi a melhor decisão que tomamos. Minha esposa estava se sentindo muito fraca e estava visivelmente desidratada. Em meio aos muitos casos que chegavam a todo o tempo à Central de Hidratação, a triagem demorou um pouco mais do que o normal, mas nada que fosse digno realmente de uma crítica. Assim que passou pela triagem, ela foi encaminhada para o setor de consultas e, pelo número das senhas, não esperaríamos mais que uma hora e meia, contando a triagem, para ter a consulta e ela ser encaminhada ao setor de hidratação para ganhar o soro na veia. Algo totalmente diferente do que tínhamos vivenciado no convênio quando, depois de quatro horas, não havia sequer perspectiva real de tempo de atendimento.
Só que infelizmente a situação dela estava piorando mais. Os enjoos estavam mais fortes e, na cadeira de espera, ela se abaixou para fazer vômito e apagou. Caiu desmaiada de testa no chão ao terminar o teste do laço, que acabara de ser feito por uma enfermeira. Conseguimos acordá-la segundos depois e ela mal conseguia se sustentar nas próprias pernas. Um médico e algumas enfermeiras chegaram rapidamente e ela foi passada à frente dos outros pacientes para tomar soro. Tomou ainda alguns remédios na veia para tirar o enjoo e analgésicos. Ela havia batido a cabeça ao cair, mas não havia sinal de maiores complicações. Em quatro horas dentro da central de hidratação, ela já se sentia melhor e fomos liberados para voltar para casa. Notem: as mesmas quatro horas que não foram suficientes para garantir sequer um mínimo atendimento no convênio, é preciso lembrar.
Na quinta-feira pela manhã, fizemos um novo hemograma e as plaquetas dela haviam baixado mais – e de maneira assustadora. de 101 mil/mm³, foram para 41 mil/mm³. Procuramos atendimento novamente e, além do soro, os médicos resolveram fazer uma tomografia de crânio no Hospital Municipal para se certificarem de que não havia ficado nenhum trauma do dia anterior, quando houve o desmaio e a queda. Felizmente, a tomografia não apontou nada, apesar da dor de cabeça que ela começava a sentir. Diante da baixa nas plaquetas, resolveram interná-la na Central de Hidratação naquela noite. Foram seis bolsas de soro ao longo da noite e da interminável madrugada.
No dia seguinte, já sexta-feira, colheram o sangue logo cedo e, duas horas depois, o exame estava pronto. As plaquetas subiram e os hematócritos estavam chegando ao índice correto. Ela dava sinais de recuperação. O médico a examinou novamente e deu alta em seguida, já no começo da tarde. Minha mulher foi liberada para voltar para casa com um recado claro: se piorasse de novo, deveria voltar imediatamente para a Central de Hidratação. Felizmente, não foi preciso. A dengue neste ano veio com tudo. Os sintomas estão muito mais fortes do que de costume.
Na comparação pura e simples entre o público e o privado, ficam algumas lições. Em Contagem, o SUS efetivamente se preparou. Aumentou o atendimento em unidades básicas de saúde, ampliou o número de médicos em UPAs e criou a Central de Hidratação. A propalada Unimed parece ter mantido a mesma rotina de atendimento em meio ao caos de uma epidemia que se agrava dia após dia. Também é preciso destacar o acolhimento dos profissionais de saúde no SUS. Vimos médicos, enfermeiros e auxiliares mais carinhosos e cuidadosos, com um olhar humano sobre as pessoas. Nada parecido com a frieza e a impessoalidade do atendimento no PA da Pedro I.
Destaco aqui com gratidão a coordenadora geral da Central de Hidratação, Priscilla Fazzio, que não fica sentada em uma sala olhando o computador. Vimos ela o tempo todo entre os pacientes, ajudando a acudir as pessoas, destravando a triagem quando ela se tornava um pouco mais lenta e perguntando às pessoas se o atendimento estava bom. Tive a oportunidade de conversar bastante com ela e fiquei impressionado. Quando está em casa, acompanha todo o movimento da central por meio das câmeras instaladas. Ela havia visto, por exemplo, que às cinco da manhã eu havia ajudado minha esposa a chegar até o banheiro com a bolsa de soro. Vejam bem: depois de um expediente de mais de 12 horas, ela estava no fim da madrugada vendo o movimento de pacientes dentro da unidade! No setor privado, não vimos esse empenho, esse carinho, esse cuidado.
No fim das contas, felizmente minha esposa se recupera bem. A batida na cabeça deixou um hematoma que surgiu dias depois e está passando aos poucos. Agora a dengue parece ter acabado, embora ela ainda sinta um pouco de cansaço para fazer algumas atividades cotidianas. Depois de tudo o que passamos nesses dias, eu precisava escrever este artigo como forma de homenagear os guerreiros profissionais do SUS, que estão vencendo o cansaço para servir e superando os próprios limites. Mas, para que isso aconteça, é preciso ter gestão e vontade política como a que a prefeita Marília Campos e a equipe da Saúde tiveram ao priorizar o combate à dengue e destinar recursos para isso. Ficamos, minha esposa e eu, com a constatação que serve de título neste texto: na dengue, quem salva é o SUS!
Rodrigo Freitas é Jornalista