O título deste artigo pode significar muitas coisas e deixo a critério de cada um de vocês a liberdade de definir o que isso efetivamente quer dizer. Pode parecer estranho o que acabo de propor, mas estranho mesmo é como a mobilidade urbana vem sendo tratada no nosso Brasil, e isso aflora com mais evidência nos grandes feriados, como foi esse “feriadão de Carnaval”, onde praticamente o país parou para curtir quatro dias ininterruptos da folia momesca. Quatro dias de folia no calendário tradicional, que na prática significou quase um mês inteiro, começando em meados de janeiro e só terminando no final de semana depois da quarta-feira de cinzas.
As estimativas dos organizadores do Carnaval de BH, hoje um dos maiores do Brasil, é de que cerca de 5 a 6 milhões de pessoas estiveram nas ruas nesse período, considerando os eventos de pré-carnaval. Aqui na Região Metropolitana de Belo Horizonte – RMBH, além da Capital, houve festa, blocos e desfiles em várias cidades, como Sabará, Nova Lima e Contagem, apenas para citar algumas, onde outras tantas milhares de pessoas saíram às ruas.
Festa nas ruas, mas muitas dificuldades para a mobilidade: transporte público coletivo insuficiente; tarifas dos aplicativos nas alturas, pois a demanda foi grande e a “tarifa dinâmica” impôs aos cidadãos que precisaram dos serviços um preço de 4 a 5 vezes maior que a tarifa normal para o mesmo deslocamento; trânsito caótico nos principais corredores; moradores com dificuldade para entrar e sair das suas residências pois as ruas estavam interditadas; informação insuficiente para os foliões e principalmente para os que não puderam ou não quiseram cair na folia, mas que precisavam se deslocar; acidentes de trânsito, desde pequenos abalroamentos até acidentes com vítimas fatais; e tantas outras questões que merecem e devem ser pontos de atenção para os próximos carnavais.
Estes problemas aqui citados ocorrem somente no Carnaval? Claro que não. Esses são problemas com os quais todos nós convivemos de há muito em nossas cidades, mas que tomam dimensões enormes neste grande evento.
Carnavalizando a mobilidade urbana? Carnavalizar, no sentido figurado, significa “tornar(-se) agitado, alegre, informal”. Contudo, mobilidade urbana é coisa séria, muito séria. Não dá para desconsiderar que, para além dos foliões, muitas pessoas continuam necessitando de se deslocar para outros motivos.
Há pessoas que precisam acessar os postos de saúde e os hospitais com rapidez, e isso ficou muito prejudicado. Houve casos em que ambulâncias ficaram retidas nos congestionamentos pois não havia como passar para se chegar aos hospitais. Isso pode ter agravado ou custado a vida de alguma pessoa? Difícil responder, mas certamente não é uma situação aceitável essa de se ter ambulâncias presas por não haver o mínimo de mobilidade.
Milhares de pessoas continuaram levando sua vida normal e não puderam participar dos festejos carnavalescos, mas tiveram que se deslocar para o seu trabalho e outras atividades; e sofreram com as dificuldades e os custos elevados dos deslocamentos.
Trago essas reflexões, mas não tenho nada contra o Carnaval, pelo contrário; até porque essa é uma festa das mais democráticas e participativas que se tem no país, onde o povo vai às ruas para cantar, dançar e comemorar a alegria e a liberdade de se expressar nos blocos, nas escolas de samba e nos mais diversos ambientes.
Devemos comemorar o sucesso do Carnaval e a alegria que emana das ruas, mas não podemos deixar de levantar essas questões da mobilidade, pois é fundamental que se garanta condições seguras e acessíveis para todos e todas, foliões ou não.
Está aí um dos grandes desafios das Prefeituras e mais especificamente dos órgãos públicos que são responsáveis pela gestão da mobilidade urbana, como é o caso da BHTrans e da SUMOB, em Belo Horizonte, da TransCon, em Contagem, do DER/MG e SEINFRA, do Governo do Estado de Minas Gerais, e tantos outros órgãos correlatos que atuam na questão da mobilidade, bem como das Guardas Municipais, da Polícia Civil e da Polícia Militar. Planejar, organizar e operacionalizar um evento deste porte exige muito esforço e ação conjunta, o que acontece em certa medida, mas também exige que se tenha um olhar não somente para o folião, mas para toda a população.
Não tenho a intenção de aprofundar no tema Carnaval, pois não é o nosso objetivo, mas de reforçar a necessidade de que a mobilidade urbana seja tratada com mais seriedade e compromisso com o cidadão e cidadã.
Muitos dos problemas que citamos ao longo deste artigo são velhos conhecidos de todos nós, sobretudo nas cidades de médio e grande porte; parecem ser obstáculos intransponíveis, mas não deveria ser assim. Portanto, é oportuno que reforcemos a necessidade de enfrentar de vez os grandes desafios da mobilidade urbana, e, para tanto, creio que se deva atacar com mais ênfase dois deles: o transporte público coletivo de passageiros e a mobilidade ativa.
Caso tivéssemos de fato na RMBH um transporte público coletivo de qualidade, acessível e seguro, muito provavelmente a opção de deslocamento dos foliões seria essa e, por conseguinte, os congestionamentos de trânsito seriam menores, tanto durante o Carnaval como nos demais dias do ano.
Caso as condições das calçadas fossem melhores e houvesse uma rede cicloviária implantada de forma mais racional e conectada a outros modais, poderíamos ter efetivamente mais deslocamentos a pé e/ou por bicicleta, beneficiando a mobilidade e o meio ambiente.
Passado o Carnaval, mas também se valendo dos “recados” que o evento nos manda em termos de mobilidade, é hora de retomarmos as discussões e aproveitarmos as oportunidades de avançar nas pautas deste tema, em cada uma das nossas cidades.
Neste contexto, a RMBH tem uma grande oportunidade de avançar e melhorar a mobilidade urbana nos próximos anos, uma vez que há projetos importantes acontecendo em Belo Horizonte, Contagem e Betim, apenas para citarmos as três maiores cidades da região. São projetos dos mais diversos e que trazem perspectivas de melhoria para o trânsito e o transporte coletivo da região, como é o caso, por exemplo do Sistema Integrado de Mobilidade – SIM, em Contagem, o BRT Amazonas, em Belo Horizonte, e as obras viárias em Betim, conectando importantes regiões com a Via Expressa Leste Oeste.
Há também uma retomada importante da questão do transporte de passageiros sobre trilhos, com a expansão da linha 1 do metrô, que será modernizada e ampliada em toda sua extensão e também em Contagem, com a criação de pelo menos mais uma estação (estação Novo Eldorado), mas podendo ser viabilizada até a região do Beatriz (na confluência da Via Expressa com a Av.João César de Oliveira); e a implantação da linha 2, ligando a região do Barreiro ao Calafate. Existe também a possibilidade de se implantar um trem de passageiros ligando Belo Horizonte, Contagem e Betim, cujos estudos conceituais já foram feitos, sendo que os três municípios se uniram e iniciaram tratativas junto ao Ministério dos Transportes para que se avance nos estudos e projetos.
Há diversas outras intervenções e projetos sendo executados e alguns com recursos já assegurados, como é o caso das intervenções no Anel Rodoviário de Belo Horizonte, que prevê obras nas principais interseções do trecho, que certamente trarão melhorias para toda a RMBH.
Para que estes projetos e obras se tornem realmente viáveis e possam trazer as melhorias desejadas, há que se buscar um modelo de gestão metropolitana da mobilidade urbana, pauta que vem sendo formulada pela Prefeitura de Contagem, com o apoio das Prefeituras de Belo Horizonte e Betim. Para tanto, é preciso que o Governo Estadual, através da SEINFRA e do DER/MG abracem as causas e contribuam para a solução, alocando recursos e envidando esforços para ajudar a construir uma mobilidade urbana melhor em toda a RMBH.
Há muitos que não acreditam nessa união do Estado e Municípios para melhorar a mobilidade urbana, alegando que as diferenças e os interesses políticos impedem a concretização desta parceria. Prefiro acreditar que isso é possível e ouso dizer que é o único caminho para efetivamente melhorar a mobilidade da população que reside e trabalha nos diversos municípios da RMBH. Cabe à sociedade organizada se engajar na luta por uma mobilidade urbana mais inclusiva, segura e acessível, cobrando do Poder Público, em todas as esferas (municipais, estadual e federal) atitudes e recursos para que isso se concretize.
Carnavalizando a mobilidade urbana? Agora, ao final desta reflexão, eu me aproprio da expressão para dizer que podemos sim “carnavalizar a mobilidade”, vendo com alegria a real possibilidade de termos de fato uma melhoria na mobilidade, tornando a vida de todos menos sofrida e dispendiosa nos seus deslocamentos diários.
Que a alegria do Carnaval renove nossas energias e nos dê forças para a luta por uma mobilidade urbana mais participativa, segura, inclusiva e acessível. Sigamos em frente!
Marco Antônio Silveira é Engenheiro Civil e especialista em engenharia de tráfego e transportes.