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Lucas Fidelis: O som ao redor reverbera Contagem pela Sétima Arte

A 27ª Mostra de Cinema de Tiradentes ocorreu nos dias 19 a 27 de janeiro, aproveitando o ensejo para a comemoração dos 306 anos da cidade histórica, e servindo, uma vez mais, de plataforma para a apresentação do cenário do cinema brasileiro contemporâneo, além de divulgar e estimular toda a diversidade da produção do país.

Após alguns dias de reuniões, encontros, debates e reflexões, o evento emitiu a segunda Carta de Tiradentes constituindo diagnósticos, perspectivas, ocorrências, do audiovisual brasileiro, estabelecendo diretrizes de políticas públicas e disponibilizando-as para autoridades competentes e sociedade em busca de melhorias e maior amadurecimento do setor.

A produtora contagense, “Filmes de Plástico”, formada em 2009, esteve presente representada por seu co-fundador e cineasta, André Novais Oliveira, cuja homenagem da noite rendeu-lhe o Troféu Barroco; do coletivo, menciona-se, ainda, os diretores Gabriel Martins, Maurílio Martins, além do produtor Thiago Macedo Correia, responsáveis pela formação e desenvolvimento da parceria. O grupo já produziu diversos curtas-metragens, bem como longas de expressão, quais sejam: Temporada (2018), No Coração do Mundo (2019) e Marte Um (2022), com participações em festivais de Cannes, Locarno e Roterdão, dentre outras grandes praças mundiais. Uma menção honrosa vai para a Prefeita Marília Campos que esteve presente no evento para prestigiar e reforçar o apoio incondicional do Município de Contagem às produções cinematográficas e para espalhar a palavra da arte, demonstrando a fundamental importância das políticas públicas em prol da cultura.

Quem, também, recebeu homenagens, na noite, de Tiradentes, foi Bárbara Colen, que deixou a estabilidade de um cargo público há alguns anos para se dedicar exclusivamente às artes cênicas. Lembra-se que a atriz atuou no brilhante curta-metragem “Contagem” (2010) produzido pela “Filmes de Plástico”; alguns anos depois emplacou nos aclamados Aquarius (2016) e Bacurau (2019), contribuindo e endossando a maré da nova onda do cinema do Nordeste.

Sobre o fenômeno da nouvelle vague pernambucana, destaca-se, o renomado e premiado, talvez o maior expoente do cinema nacional atual, cineasta, Kleber Mendonça Filho, que, além dos referidos filmes, dirigiu o excelente: O Som ao Redor (2012) e o mais recente e ovacionado: Retratos Fantasmas (2023). Mendonça tem preferências pela utilização de artifícios um tanto quanto críticos em suas películas, como, por exemplo, explicitar as tensões e angústias vividas pela dita classe média, sendo que, muitas das vezes, são quiprocós de ordem frívola e de uma mesquinhez perturbadora; e, ademais, de demonstrar a incapacidade desta classe de observância e sensibilidade do significado da profundidade coletiva em que permeia a atmosfera da vida, e da precária percepção de qual estrato social se insere. Ainda, realça-se a figura do sertão em Bacurau (2019), um nicho, extremamente, marginalizado e resiliente com as agruras das opressões, sejam elas políticas, econômicas ou culturais. Enfatiza-se, a atuação assídua de Sônia Braga nas produções do diretor recifense, transformando-se, por assim dizer, na Bibi Andersson de Ingmar Bergman ou, quem sabe, na Uma Thurman de Quentin Tarantino. E, além disso, há de se falar nas magistrais atuações de Irandhir Santos, outra figura muito presente nas obras.

Ressalta-se que Mendonça Filho, a caminho da Mostra de Tiradentes, registrou, em sua polaroide, a placa sinalizadora que apontava todos os caminhos que levam ao Arraial de São Gonçalo. E se Luiz Inácio Lula da Silva, quando esteve em Contagem, disse, ao receber uma belíssima obra de arte, assinada, por Fernando Perdigão, das mãos da Prefeita Marília Campos, que não mais se lembraria da cidade, tão somente, pela Greve de 1968- realçando, dessa maneira, as virtudes históricas e artísticas da urbe-, Kleber Mendonça Filho, num mesmo tom, reforçou as proezas cênicas profundas e cravejou que a Sétima Arte está, definitivamente, arraigada nas entranhas da Cidade das Abóboras.

Diante disso, decisivamente, Contagem, na mise-en-scène, se alinha com Recife e transforma-se, novamente, numa trincheira que mergulha nas suas mais fincadas raízes; que vai ao encontro de sua história; que faz as pazes com seu lastro espiritual. E ecoa sua essência mais visceral, revelando os vieses mais intrínsecos da condição humana. Kleber Mendonça, em Retratos Fantasmas (2023), recorda, entre nostalgias e melancolias, da “Veneza Brasileira”, de suas memórias afetivas, daquilo que não existe mais e esvaiu-se num espaço-tempo perdido; sobretudo pelas lembranças da arquitetura e ares do centro urbano que dispunha das inebriantes salas de cinema, dos criativos carnavais, com a catártica melodia que reverbera saudade do ressonar dos metais, e dos momentos vigorosos e inegociáveis em família. O Arraial de São Gonçalo, ao revés, busca reaver suas origens e trazer suas reminiscências mais expressivas e íntimas. De resgatar as sensações do passado ao presente. De transformar as nostalgias de um tempo longínquo em êxtase contemporâneo. Decerto, é um ano, obstinadamente, de redenção para a cultura e arte na cidade. E nada mais simbólico do que a reabertura do Cine Teatro Municipal de Contagem.Tony Vieira Vive.

Lucas Corrêa Fidelis é advogado e servidor público.

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