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Lucas Fidelis: A culpa não é das estrelas

Nos idos pueris, em que iniciei a percepção sensorial de mundo, os fenômenos, climáticos e naturais, sempre me proporcionaram uma sensação de insignificância cósmica e, de certa forma, incompreensão diante de eventos tão imponentes, místicos e sobrenaturais.

Desde a mirada ao céu por raios solares, pela lua. As anunciações do Cometa Halley e dos enigmáticos eclipses; as aparições de deslumbrantes arrebóis na transição de junho para julho; a busca do cosmos alinhado, infinito e em expansão. Até à intimidadora e sublime tempestade mais densa com raios luminosos e trovões ensurdecedores. Para os estoicos, o universo harmônico, e suas conjunturas, delineava, por si só, uma força divina maior. Podemos dizer, então, que o espetáculo da natureza, com seus magnetismos, se faz, definitivamente, fascinante por sua soberania e beleza.

Esvaindo-se, da introdução, e deixando, sutilmente, os esoterismos poéticos naturais, é decerto enunciar que as mudanças climáticas- transformações em longo prazo nos padrões de temperatura e clima- têm deixado grande parte da sociedade bastante preocupada e com o sinal de alerta ligado. A referida problemática já não se resume mais à pejorativa “retórica” de ciência em seus papers publicados, como atestariam os terraplanistas mais entusiasmados. Os efeitos já se fazem decisivamente sintomáticos. As querelas das altas temperaturas diárias já estão mais do que consolidadas em quaisquer foros de discussão. E, mais do que isso, as graves consequências tais como a redução de ecossistemas e biodiversidade, ameaças à segurança alimentar, o aumento da migração e deslocamento forçado, o derretimento das calotas polares.

Numa linha histórica, a sinalização da ciência promoveu movimentações, de estudiosos, autoridades e governantes, para a promoção de conferências, reuniões e deliberações, com a finalidade de amenizar as consequências climáticas causadas, sobretudo, pelas emissões de gases que provocam o agravamento do efeito estufa.

O evento de Estocolmo, em 1972, foi considerado um marco histórico por se tratar do primeiro grande encontro internacional para a discussão dos problemas ambientais.

Na Rio-92, implementou-se, primordialmente, diretrizes para o desenvolvimento sustentável; e de maneira, incidental, iniciou-se, discussões, sobre, as questões climáticas, resultando na Convenção sobre a Mudança do Clima, que teve como objetivos estabilizar e sinalizar sobre a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera terrestre agravando sistematicamente o aquecimento global.

Em 1994, criou-se a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas em que se definiu um acordo internacional (UNFCCC) com a ratificação de 197 países, sendo estes, alcunhados, de Partes da Convenção.

Na COP-3, em 1997, quedou-se aprovado o Protocolo de Kyoto. Na oportunidade, pela primeira vez, estabeleceram-se metas obrigatórias a serem cumpridas pelos países desenvolvidos para a redução de gases que repercutem nocivamente na atmosfera, como o gás carbônico. Lembro-me à época de um grande endosso e reverberação pela sociedade civil dos acontecimentos. Era bastante comum encontrar pessoas vestindo camisas ou disseminando a palavra em prol do acordo. No entanto, o documento não foi ratificado por todos os países industrializados, incluindo os Estados Unidos. O Brasil, por sua vez, aderiu ao acordo, embora não estivesse vinculado ao cumprimento dos termos postos.

Mais adiante, discorrendo sobre as peças principais do xadrez, no ano de 2015, as Partes da Convenção reuniram-se na França e assinaram o Acordo de Paris, comprometendo-se a manter o aumento da temperatura da média global abaixo de 2ºC em relação aos níveis pré-industriais, e envidando esforços para limitar-se a 1,5ºC- nível estimado por cientistas a fim de evitar a variação climática em dimensões catastróficas.

Para alcançar essas metas, os governos de cada país implantaram seus próprios compromissos, instituindo as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs).

Há poucos dias, na COP-28, em Dubai, por exemplo, o presidente Lula defendeu a limitação do aquecimento global ao teto de 1,5ºC e reiterou a centralidade do princípio das “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”. Enfatizou, ainda, os compromissos do Brasil, quais sejam: reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 48% até 2025 e 53% até 2030, com referência ao ano-base de 2005; atingir a neutralidade climática até 2050 e zerar o desmatamento na Amazônia até 2030.

Percorrendo por fatos cronológicos em nosso solo, no ano de 2009, o Brasil instituiu a Política Nacional sobre Mudança do Clima sob a égide da Lei 12.187; em 2016, a Portaria n. 150 do Ministério do Meio Ambiente instaurou o Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima. O Acordo de Paris fora aprovado, no mesmo ano, pelo Congresso Nacional do país, por meio de decreto legislativo. A vigência deu-se em 2017. E com isso, dentre as competências legislativas e administrativas que rege o Pacto Federativo, as três esferas governamentais devem seguir seus parâmetros, notadamente as diretrizes do artigo 225 da Lei Maior- também conhecida, internacionalmente, como Constituição Verde, tendo em vista a previsão do direito a um meio ambiente equilibrado, dentre outros.

Sobre os entes da federação, os municípios, em suas competências, podem legislar sobre meio ambiente sob o viés de interesse local, devendo ser de maneira harmônica e suplementar com as normas dos estados e da União.

O Município de Contagem, por exemplo, sob a gestão de Marília Campos, tem diligenciado incansavelmente para enfrentar as questões ambientais e seguir a tendência dos direcionamentos globais.

Podemos citar a Lei 5319/2022 em que adota a Política de Sustentabilidade e de Enfrentamento das Mudanças Climáticas do Município.

Além disso, o Município sob o tema “Contagem no Clima de Sustentabilidade” tornou-se cidade signatária do Pacto Global pelo Clima, que está sob a coordenação da equipe nacional do ICLEI (Governos Locais pela Sustentabilidade) América do Sul; uma importante iniciativa global de comprometimento das cidades pela agenda climática.

Ressalta-se, ainda, o 21º Encontro do Fórum Permanente de Desenvolvimento Sustentável, em dezembro de 2023, com a apresentação da proposta de trabalho e com a iniciação do desenvolvimento da Conformidade Climática em Contagem.

É, também, de fundamental importância informar sobre a criação de um comitê executivo com representantes de vários setores da administração municipal para realizar estudos, proposições e deliberações para o devido suporte de informações e dados para a elaboração de um Inventário de Emissão de Gases de Efeito Estufa e Análise de Riscos e Vulnerabilidades do Município.

Ainda, conforme fonte retirada do acervo jornalístico da Municipalidade, a superintendente de Políticas Socioambientais e coordenadora do programa de Conformidade Climática, Sirlene Almeida, informou que “Contagem já assumiu compromissos com a agenda climática, para o desenvolvimento da Conformidade Climática. Exemplos disso são a adesão ao Pacto Global de Prefeitos pelo Clima e Energia (GCoM) e a elaboração do primeiro Inventário de Emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE), publicado em 2020.” Outrossim, a superintendente explica: “Já sentimos as mudanças na temperatura e problemas com as chuvas mais fortes. A elaboração do Plano de Adaptação Climática irá identificar os principais problemas e estabelecer as ações necessárias para mitigar os impactos negativos das mudanças climáticas”. E finalizou: “Estamos vivendo um momento crítico em todo o planeta e o apoio de todos é fundamental para pensarmos em medidas para diminuir os danos causados pelas ações humanas. É preciso salvar o planeta e, para isso, é necessário que, juntos, comecemos a mudar a realidade do território em que vivemos”.

De fato. As chuvas neste período estão preocupantes. A Prefeita Marília esteve pessoalmente nos locais em que os estragos foram intensos na transição de ano. A cidade já vem se preparando e buscando mecanismos de contenção de inundações e enchentes para evitar situações calamitosas, além de projetos e ações de sustentabilidade, como, por exemplo, as ciclovias. É importante dizer que 2023 foi o ano mais quente desde o início das análises meteorológicas, que datam de 1850. E há previsão para que o próximo ano desbanque tal condição. Sublinha-se, ainda, a noção de justiça climática, sendo que, invariavelmente, quem sofre os efeitos mais acentuados são os grupos vulneráveis.

É imperioso afirmar que o atual contexto, mais do que nunca, exige um esforço e empreendimento coletivo. Uma mudança incisiva de paradigma. As escolas filosóficas que concentram em resultados, como o utilitarismo, fazem grandes demandas ao indivíduo para um bem maior. No entanto, sabemos ser uma tarefa um tanto quanto complexa, já que as estruturas sociais e econômicas moldam uma cultura arraigada e dificultam que a coletividade compreenda e exerça seu papel. O filósofo Vladimir Safatle chamaria este engessamento estrutural de “limitação do campo de experiência”.

Em que pese as grandes dificuldades, é momento primordial de um grande reforço das diretrizes universais, juntamente com os entes federativos- União, Estado e Municípios – delineando de forma bastante elucidativa e palpável as regulamentações e fornecendo as instruções e condições necessárias para o dever e compromisso de cada indivíduo com o meio-ambiente. É tempo de uma conscientização em larga escala para amenizar os impactos atmosféricos causados e no intuito de enrobustecer a sustentabilidade para as presentes e futuras gerações.

Os negacionistas climáticos, dentre outras falácias, dizem que o Sol seria o responsável exclusivo ou principal pelo aquecimento do sistema climático. Puro engodo. O desequilíbrio energético causado pelas variações solares é ínfimo diante das intervenções malsãs antrópicas. Enquanto isto a terra geme, a natureza clama. O termo Ecocídio está mais em voga do que nunca. Desflorestam sem pudores e cortam as asas dos rios voadores. Atiçam a autoestima, e subestimam a força, de El Niño e La Niña, sendo estes cada vez mais furiosos e inclementes com a marca indelével e deletéria da destruição atmosférica.

E indeclinavelmente há de se ressoar para a eternidade. Shakespeare estava certíssimo, meu caro Brutus. A culpa nunca esteve nas estrelas. Mas em nós mesmos.

Lucas Corrêa Fidelis é advogado e servidor público.

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