Diante de uma tela, imagens em movimento. Em um café de Paris, há quase cento e vinte oito anos, 35 pessoas presenciaram a primeira exibição pública de cinema. Os autores da proeza foram os irmãos Lumière, que marcaram aquele dia 28 de dezembro de 1895 como o início de um sonho. Mais de um século depois, a magia continua, seduzindo com seus mitos e seu glamour, sobrevivendo aos avanços tecnológicos e conquistando o mundo.
Dos documentários produzidos em seu início, aos personagens virtuais de hoje, a sétima arte fez história e escola. Estilos variados se sucederam: classicismo, experimentalismo soviético, expressionismo, avantgarde, neo-realismo, novelle vague, cinema novo, entre outros.
No Brasil, a primeira exibição pública aconteceu apenas seis meses após a primeira sessão na França, em julho de 1896. A produção brasileira se iniciaria dois anos depois, quando ao retornar da Europa, Afonso Segreto filmou a bordo de um navio, a entrada da baia da Guanabara. Era o início de uma longa caminhada.
Para a safra de cineastas que se seguiram os mineiros deram contribuições importantes. A principal delas foi Humberto Mauro, mestre maior das Gerais e um dos maiores do cinema brasileiro. Seu filme “Ganga Bruta”, produzido em 1933 está entre os dez melhores nacionais de todos os tempos, escolhido por 25 críticos em 1995. Figura ao lado de “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, do genial Glauber Rocha, “O Pagador de Promessas”, de Anselmo Duarte, “Pixote, a Lei do Mais Fraco” de Hector Babenco, “O Bandido da Luz Vermelha”, de Rogério Sganzerla, “O Cangaceiro”, de Lima Barreto, “Memórias do Cárcere”, de Nelson Pereira dos Santos, e muitos outros.
Em 1990, após a extinção de dois órgãos estatais, a Embrafilme e o Concine, no governo Collor, o cinema brasileiro, com raras exceções, viveu uma espécie de hibernação. As pazes entre o público e a produção nacional só aconteceria em 1995, quando Carla Camurati leva às telas “Carlota Joaquina” e atingiu a marca de quase 1 milhão de espectadores.
Hoje, as salas de cinema ocupam os shoppings. Elas são menores, e reduzido é o público que as frequenta. Embora muitos tenham apostado que as telas grandes sucumbiriam com o advento do videocassete e de seus sucessores, e com a massificação dos computadores e dos celulares, elas sobrevivem. Para nossa sorte e nostalgia.
Histórias que se misturam
Na viagem que vira e mexe fazemos para dentro de nós mesmos é inevitável trazer de volta os filmes que marcaram época e viraram lembranças tão eternas quanto o primeiro beijo.
No meu tempo de menino, tínhamos o Cine JK, no bairro do mesmo nome, construído para abrigar operários da Cia de Cimento Itaú. Foi lá que, muitas matinês depois, chegou a vez de ver Sônia Braga, deusa da nossa adolescência em “A Dama do Lotação”, nos arrancando suspiros proibidos. Tudo isso com direito a pipoca e pirulito, vendidos pelos filhos e filhas do Senhor Ratinho, um sujeito miúdo, que justificava o apelido pela aparência física e pelo modo com que se esgueirava no escuro da sala, nos espreitando com sua lanterninha.
A Itaú, comprada e fechada por Antônio Ermírio de Morais, virou fábrica fantasma, exposta no coração da Cidade Industrial, até se tornar shopping. O cinema, bem antes, não resistiu. Virou igreja evangélica. Poderia ter sido banco, casa de bingo ou supermercado. Um destino que, com o passar dos anos foi sendo reservado a muitas salas de exibição. Foi assim também em Betim, onde na década de 1980, o Cine Marcelino deu lugar a lojas comerciais e deixou a Praça Tiradentes sem o seu mágico brilho.
Dentre as vítimas deste processo de transformação marcou-me o fim do Cine Odeon, na Floresta. Foi lá que meu primogênito, pelas mãos da “Pequena Sereia”, de Walt Disney, ficou maravilhado, pela primeira vez, com a enorme sala escura cheia de desenhos coloridos e de sons. O mesmo fascínio que acompanha adultos, jovens e crianças através dos anos, como em “Cinema Paradiso”, obra-prima que sintetiza a importância do cinema na vida das pequenas cidades. No filme, a arte imita a vida e a história do progresso engolindo o sonho revive nas telas. É uma das minhas películas preferidas.
Os cinemas vão ocupar para sempre um lugar especial na memória e no coração. Como esquecer o Palladium, na rua Rio de Janeiro, onde vi e revi “Uma linda mulher”, no auge de Julia Roberts e “Ghost, – filme estadunidense de 1990, estrelado por Patrick Swayze e Demi Moore? Ou o Brasil, na Praça Sete, onde ainda menino, em 1980, com amigos de infância, assisti maravilhado a Flash Gordon? No Pathé, na Savassi, aprendi a admirar Woody Allen e Akiro Kurosawa… E no Savassi Cineclube conheci diretores franceses, suecos, alemães e de outras nacionalidades e escolas. Uma diversidade que inspirava a voltar mais e mais vezes.
Vivi, como profissional da comunicação, uma época de ouro do sindicalismo mineiro. Trabalhava na Praça Sete, e ao fim do expediente na sede do Senalba, localizada no antigo prédio do banco da Lavoura, hoje Santander, prolongava a permanência na capital frequentando bares e restaurantes. Mas a maior parte do tempo era dedicada aos cinemas. Acaiaca, Art Palácio, Regina. Nazaré. Guarani, Jacques, Tamoio, Royal, e o Roxy, no Barro Preto, além dos já citados Brasil, Palladium, Pathé, Odeon e Savassi, guardam boas lembranças daquele tempo de convivência intensa com a sétima arte. Um tempo que me traz doces recordações e me faz reviver dias felizes e bem vividos.
Hamilton Reis é jornalista e advogado.