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Dimas Antônio de Souza: A capoeira no contexto da resistência cultural afro-brasileira

Na campanha eleitoral de 2022, quando levantamos a bandeira da capoeira e buscamos conscientizar esse amplo segmento da cultura afrodiaspórica da necessidade da participação e de representação política, fomos alertados pelos experts em eleições de que talvez essa fosse uma estratégia adequada, uma vez que esse público ainda não fora testado eleitoralmente.
Passado um ano das eleições, hoje possuímos dados empíricos que atestam a viabilidade eleitoral da capoeira, em outras palavras, a viabilidade de uma candidatura apoiada pela capoeira. Mas, à época, quando fomos alertados para o problema, esses dados não existiam.

Conscientes de nossos propósitos, mantivemos empunhados os Berimbaus e as bandeiras da capoeira. Tal opção se deu porque concebemos o papel estratégico da capoeira no contexto de uma política de resistência cultural afro-brasileira e não apenas como um reduto eleitoral, como analisaram os técnicos.

O Processo Colonizador

Para além do branqueamento da pele, o processo colonizador buscou impor aos africanos e aos seus descendentes no Brasil os padrões culturais europeus, de modo que o objetivo seria o branqueamento do corpo e da alma. Ambos extremamente violentos, física e simbolicamente.

Quando consideramos a escola – mesmo as que seguem as leis que obrigam o estudo de temas afro – pelos conteúdos que ensinam e os que deixam de ensinar, observamos que o processo de branqueamento do espírito continua em progresso.

Uma vez que, quanto mais nos inserimos na cultura intelectualizada, ou seja, quanto mais começamos a pensar por categorias, conceitos, dentro do domínio das disciplinas, quanto mais negamos a corporeidade, nos livramos das paixões e dos sentimentos, mais branca nossa alma vai ficando.

A Resistência Cultural

Por óbvio, não se trata de retirar as crianças da escola ou os jovens das universidades. Ter o domínio da linguagem do colonizador, poder ocupar postos melhores no mercado de trabalho, realizar a igualdade pretendida pela luta antirracista é desejável.

Entretanto, do ponto de vista da resistência cultural, não basta aumentarmos o número de médicos negros, por exemplo. É preciso que esses médicos consigam tecer, a partir de uma cosmovisão afrocentrada, a crítica a essa medicina que separa o indivíduo do social, o corpo do espírito, a saúde da doença e a vida da morte.

Essa consciência crítica se desenvolve a partir das práticas culturais afro-brasileiras, sendo que elas são as guardiãs de saberes ancestrais que se preservaram mais ou menos intactos durante o longo processo colonizador. Ao nos deixarmos conduzir por seus processos iniciáticos, vamos absorvendo uma cosmovisão afrocentrada, o que nos permite criticar mesmo as ditas teorias críticas ocidentais.

A Capoeira no contexto da resistência cultural afro-brasileira

Em nossa tese de doutoramento, fruto de 25 anos de prática de capoeira angola, chegamos ao entendimento de que a capoeira tem uma função muito especial no contexto da resistência cultural afro-brasileira.

Sendo uma verdadeira arte da guerra ágrafa, a capoeira permite aos seus praticantes acesso às estratégia e táticas de guerra dos povos Bantus. Essas estratégias podem ser utilizadas para a vida, que não deixa ser uma luta.

Não por acaso, os mestres-salas das escolas de samba eram mestres de capoeira. Sua função é a de ir à frente, defender a bandeira e abrir os caminhos, e é essa a função da capoeira, ela abre caminhos para que o restante da cultura afro possa passar.

Por isso acreditamos na capoeira. Para nós, incentivá-la é muito mais do que um mero projeto eleitoral. É garantir a resistência a existência futura dessa cultura maravilhosa, que, por mais que tentem apagar, teima em existir.

Dimas Antonio de Souza é contramestre de Capoeira Angola e professor de Ciência Política do Instituto de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).

 

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