A mobilidade é uma questão inerente ao ser humano. Todos nós precisamos nos mover para realizar as atividades do nosso cotidiano; em outras palavras, precisamos nos deslocar para as mais diversas atividades tais como trabalho, educação, saúde, compras, lazer ou por quaisquer outros motivos, para quaisquer locais ou em razão de quaisquer circunstâncias.
Quando esses descolamentos acontecem nas cidades o tema passa a ser tratado como mobilidade urbana, o que exige uma grande dose de esforço do poder público e de toda a sociedade para que se possa assegurar uma mobilidade com acesso justo e inclusivo à cidade. Sob esta ótica é importante observar o que consta da Lei Nº 12.587, de 3 de janeiro de 2012, que instituiu as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana, onde está estabelecido:
Art. 4º – Para os fins desta Lei, considera-se:
I – transporte urbano: conjunto dos modos e serviços de transporte público e privado utilizados para o deslocamento de pessoas e cargas nas cidades integrantes da Política Nacional de Mobilidade Urbana;
II – mobilidade urbana: condição em que se realizam os deslocamentos de pessoas e cargas no espaço urbano;
III – acessibilidade: facilidade disponibilizada às pessoas que possibilite a todos autonomia nos deslocamentos desejados, respeitando- se a legislação em vigor;
Para falar em acesso justo e inclusivo à cidade é preciso sobretudo que se entenda que a mobilidade urbana não pode excluir nenhum cidadão ou cidadã do processo, preceitos esses que estão explícitos na Legislação Federal, como consta da Lei Nº 10.257, de 10 de julho de 2001 (Estatuto da Cidade), que regulamenta os arts 182 e 183 da Constituição Federal, onde está estabelecido:
Art. 2° – A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:
I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações;
Feitas essas considerações iniciais, é importante destacar que o tema mobilidade urbana assume papel ainda mais relevante nas cidades de médio e grande porte, sobretudo as que têm população acima de 100.000 habitantes.
É neste contexto que se insere a cidade de Contagem, que ocupa a 33ª posição no ranking nacional das cidades mais populosas do Brasil, sendo que em Minas Gerais ocupa a 3ª posição, atrás apenas da Capital, Belo Horizonte, e de Uberlândia, no Triângulo Mineiro.
Segundo dados recém divulgados pelo IBGE relativos ao censo demográfico de 2022, Contagem tem uma população de 621.865 habitantes. A cidade possui uma frota registrada de 345.246 veículos, segundo dados do SENATRAN relativos a julho de 2023. Tais dados indicam que em Contagem temos uma taxa de motorização equivalente a 555 veículos para um grupo de 1000 habitantes. A título de comparação, Belo Horizonte apresenta uma taxa de 1124 veículos por grupo de 1000 habitantes, Uberlândia 721 e Juiz de Fora 550. Essas quatro cidades de Minas Gerais são as de maior população e maior frota veicular.
Independentemente do valor absoluto desta taxa, bastante elevado nas cidades mencionadas, a questão em Contagem se reveste de características muito particulares e que tornam a gestão da mobilidade urbana um desafio ainda maior.
Contagem é “cortada” por duas das mais importantes rodovias federais do país: a BR-381, rodovia Fernão Dias, que liga São Paulo a Belo Horizonte; e a BR-040, que liga o Rio de Janeiro a Brasília. Além destas, também é impactada pela passagem da VULO – Via Urbana Leste Oeste (“Via Expressa”) que liga Belo Horizonte a Betim. Estas 3 vias recebem diariamente um fluxo de cerca de 250.000 veículos, com grande presença de veículos pesados (carretas e caminhões); mais que isso, estas vias segregam regiões da cidade e dificultam naturalmente a sua integração.
Somente com os dados apresentados até aqui, é fácil perceber o enorme desafio que se tem para fazer com a mobilidade urbana não seja um entrave no dia a dia das pessoas que moram ou passam pela cidade de Contagem.
Vejamos a questão do transporte coletivo por ônibus, que é parcialmente gerenciado pela Prefeitura de Contagem, através da TransCon, mas que responde apenas por cerca de 40% da demanda total; o restante, ou seja, cerca de 60% dos ônibus são metropolitanos e gerenciados pela SEINFRA (Governo do Estado de Minas Gerais). É evidente que essa dupla gestão – parte pela Prefeitura e parte pelo Estado – é um fator que dificulta a boa prestação dos serviços aos usuários.
Por outro lado, há temas muito importantes e que têm até hoje passado despercebido por grande parte das pessoas, como as questões de raça e gênero. Existe um mito de que a mobilidade urbana é vivenciada igualmente por todas as pessoas, mas a verdade é que as mulheres vivem, experimentam e ocupam a cidade de forma completamente diferente dos homens. Quando se trata de mulheres negras, os efeitos negativos dessa suposta “neutralidade” se agravam ainda mais. Mulheres pretas e pardas, além de lidarem com o machismo, também sofrem com racismo estrutural da nossa sociedade. Costumam também ser as que moram mais longe das estações de transporte, perdendo horas nos deslocamentos e sofrendo diversas violências diariamente.
Todas as questões apresentadas nos levam a buscar respostas claras e objetivas para resolver os problemas. Listamos algumas aqui para reflexão dos que leem este artigo:
• Como vencer o desafio para se fazer uma boa gestão da mobilidade urbana?
• Como atender às demandas da população que depende do transporte público para os seus deslocamentos?
• Como equilibrar os interesses do tráfego de veículos que apenas “passa pela cidade” e o tráfego veicular dos que moram e trabalham em Contagem?
• Como combater as questões de importunação sexual no transporte público?
• Como efetivamente tornar a mobilidade justa e inclusiva para todos e todas?
• Como fazer da mobilidade urbana um fator positivo para o ambiente de negócios da cidade de Contagem?
Nunca houve e não há uma única resposta para tudo isso, nem em Contagem e nem em outra cidade do Brasil e do mundo!
O tema, como já dissemos, é complexo e somente as soluções técnicas não foram capazes ao longo dos anos de resolver os problemas, pois a mobilidade urbana não é apenas uma questão de Engenharia ou Arquitetura. Ela envolve conhecimentos diversos nos campos do Direito, da Sociologia, da Psicologia, da Pedagogia, da Segurança, da Economia, da Geografia e da Medicina, apenas para citar alguns.
Mobilidade urbana envolve o dia a dia das pessoas, cada uma com seus interesses e necessidades, e, portanto, não se pode restringir as respostas ao campo das ciências exatas, mas também devem ser verificados os aspectos que envolvem as ciências humanas, sociais e biológicas.
Não há solução mágica para melhorar a mobilidade urbana em Contagem ou em qualquer outra cidade. Não há solução que dependa apenas do Poder Público, uma vez que o tema envolve todas as pessoas, as empresas, as entidades, as escolas, o setor produtivo, os prestadores de serviço, enfim, toda a população.
Contudo, cabe ao Poder Público exercer o seu papel de gestor e coordenador dos temas que envolvem a mobilidade urbana. E, principalmente, buscar o diálogo com a população, para entender as demandas e propor as soluções.
Em Contagem há muitas questões que foram resolvidas ou já equacionadas nos últimos anos, sobretudo de 2021 para cá, com destaque para a melhoria da infraestrutura viária, com o Programa Asfalto Novo e as obras de transposição viárias (como exemplo a duplicação dos Viadutos da CEASA e do Beatriz). Vale lembrar das iniciativas que estão sendo tomadas para implementar soluções de mobilidade ativa, como ciclovias e melhorias de acessibilidade para os pedestres. E na questão do transporte coletivo por ônibus a Prefeitura vem fazendo um esforço para melhorar o sistema, o que está sendo possível com o cumprimento do que foi pactuado no “Termo de Compromisso Público” firmado em 19/12/2022, entre a Prefeitura de Contagem, a TransCon, as empresas concessionárias do serviço e o sindicato que as representa, destacando-se como ações positivas para os usuários o aumento na oferta de viagens e a renovação da frota.
O tema da mobilidade urbana é extenso e complexo e não pretendemos aqui esgotar o assunto. O objetivo é que esse artigo seja um embrião para um debate mais qualificado e participativo da população sobre a mobilidade urbana em nossa cidade.
Vamos juntos refletir sobre a mobilidade urbana?
Vamos todos, Prefeitura e população, seguir o caminho do diálogo e buscar as soluções que atendam aos anseios da maior parte da população, sobretudo a que é mais carente e dependente do transporte público coletivo?
Com a palavra cada um dos que leem este artigo e podem contribuir para uma mobilidade mais justa e inclusiva na nossa cidade!
Marco Antônio Silveira é Engenheiro Civil e especialista em engenharia de tráfego e transportes