O presente relato retrata duas Unidades Produtivas de Agricultura Urbana do município de Contagem, Minas Gerais, que por meio da mobilização da sociedade civil e entes públicos, promovem a ressignificação de áreas ociosas que antes eram utilizadas como locais de descarte irregular de lixo e entulho, cumprindo agora a função de produção agroecológica e garantia de segurança e soberania alimentar. Esta experiência desenvolvida nas Unidades Produtivas Sapucaias e Horta Comunitária do Vale das Amendoeiras evidencia a importância de um sistema de gestão intersetorial de Políticas Públicas Participativas, onde são atendidas as reais demandas e necessidades da população, criando um modelo de gestão mais eficiente dos recursos, sempre prezando pela autonomia e protagonismo da população.
Victor Hugo Souza Freiris, Gabriel Henrique Souza Gonçalves, Ariele Souza Martins e Priscila de Fátima Silva. Artigo apresentado ao XII Congresso Brasileiro de Agroecologia
Praticada em diversos locais do mundo, a produção de alimentos em espaços urbanos acontece em diferentes escalas e com finalidades distintas, desde a utilização para consumo próprio até a comercialização (CAETANO, 2015).
O presente relato retrata duas Unidades Produtivas do município de Contagem, Minas Gerais, que por meio da mobilização da sociedade civil e entes públicos, promovem a ressignificação de áreas ociosas que antes eram utilizadas como locais de descarte irregular de lixo, entulho e práticas de atividades ilícitas,cumprindo agora a função de produção agroecológica e garantia de segurança e soberania alimentar.
A Unidade Produtiva Sapucaias II, localizada na rua Amazonita número 230, no bairro Sapucaias, município de Contagem – MG, possui um longo histórico de lutas sociais com protagonismo de 15 mulheres moradoras dos Bairros Sapucaias I, II e III e empenho por parte da Prefeitura Municipal de Contagem, por intermédio da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, Trabalho e Segurança Alimentar, mais especificamente através da Subsecretaria de Segurança Alimentar e do seu Equipamento Centro Municipal de Agricultura Urbana e Familiar – CMAUF, bem como o Programa de Segurança Alimentar e Nutricional de Contagem. A consolidação deste espaço produtivo agroecológico vai além da produção de alimentos saudáveis, mas também se instaura como um ambiente de convívio e interação social e de ressignificação de vidas e território.
A Unidade Produtiva Horta Comunitária do Vale das Amendoeiras localiza-se na Rua Comunidade, bairro Vale das Amendoeiras, município de Contagem – MG, com protagonismo de 11 moradores, sobretudo mulheres, dos bairros Vale das Amendoeiras e Carajás, que organizaram-se, com o apoio da Prefeitura Municipal de Contagem, para ocupar uma área outrora ociosa com práticas agroecológicas, visando garantir a produção responsável de alimentos.
As duas experiências de ressignificação dos espaços urbanos ociosos por meio da agricultura urbana no município de Contagem iniciaram-se nos anos de 2021 e 2022, perdurando até a presente data. As atividades realizadas nas Unidades Produtivas Sapucaias e Horta Comunitária do Vale das Amendoeiras desempenham também o papel de melhorar a qualidade ambiental da cidade, seja por conservar o solo e água, promover a reciclagem de nutrientes, sequestrar carbono, aumentar a biodiversidade, coibir o acúmulo de lixo e entulho, dentre outros aspectos. Destaca-se também a relevância social, uma vez que a agricultura nestas Unidades Produtivas viabiliza o acesso à alimentos saudáveis e a comercialização do excedente.
Descrição da Experiência
Unidade Produtiva Sapucaias II
As primeiras movimentações datam de 8 de Fevereiro de 2022, através da manifestação de interesse de um coletivo chamado “Mulheres da Paz”. As Mulheres da Paz foi um projeto desenvolvido pela Prefeitura de Contagem por meio da Secretaria de Defesa Social em parceria com o Ministério da Justiça, no qual mulheres da própria comunidade foram capacitadas em temas como gênero e direitos da mulher, direitos humanos e cidadania, violências, fatores de risco e protetivos, para agirem como multiplicadoras. Como fruto desta ação, é importante frisar que essas mulheres, assim como a maioria das mulheres brasileiras, possuem inúmeras frentes de atuação seja no ambiente doméstico como na sociedade de um modo geral, são mães, trabalhadoras, donas de casa e com muita coragem e força de vontade assumiram mais um trabalho como Agricultoras Urbanas e Articuladoras Sociais.
A área onde hoje está implantada a unidade produtiva, era conhecida anteriormente por ser um local de descarte irregular de lixo, entulho e usado para a prática de atividades ilícitas. Inicialmente, o terreno precisou passar por um processo de limpeza, atividade esta que contou com significativo apoio e parceria do município através da Regional Petrolândia que viabilizou a retirada do lixo e do entulho presente na área e o maquinário para realizar a primeira aração do solo, que viabilizou os primeiros plantios no local.
O terreno foi cedido à Secretaria de Desenvolvimento Social, Trabalho e Segurança Alimentar pelo Termo de Responsabilidade e Vinculação 004/2022, para ser utilizado com a finalidade de compor uma Unidade Produtiva de caráter comunitário. De fundamental importância, destaca-se também a parceria com a Unidade Básica de Saúde da Família Sapucaias que desde o início contribuiu com o fornecimento de água para ser usada na irrigação das culturas e cedendo sua sala de reuniões para encontros de formação.
Como parte da Metodologia de Trabalho do Centro Municipal de Agricultura Urbana e Familiar (CMAUF) foi realizado o credenciamento das mulheres interessadas em conduzir os trabalhos na unidade produtiva (UP). Após o credenciamento, foi elaborado, em comum acordo com todas as participantes, um Regimento Interno da Unidade Produtiva, contendo regras e acordos para normatizar as atividades no espaço. O Regimento Interno, construído e assinado pelas participantes credenciadas, contém 45 artigos que contemplam os objetivos e funções do espaço; os direitos e deveres dos envolvidos; as restrições a fim de garantir a conservação do espaço; e o conselho gestor responsável.
A área possui aproximadamente 3000 m², e está dividida em quatros áreas de atuação sendo elas:
- Àrea para produção coletiva, que inicialmente foi plantado culturas anuais como mandioca e milho.
- Área de canteiros individuais, onde cada agricultura possui um canteiro para plantio das cultivares de seu interesse.
- Área destinada ao SAF- Sistema Agroflorestal, que consiste no plantio combinado de espécies arbóreas, frutíferas e adubadoras.
- Área para pátio de composto, onde estão montadas as composteiras com objetivo de produzir o composto para utilização na unidade, contando com a parceria da comunidade ao entorno na coleta dos resíduos.
Unidade Produtiva Horta Comunitária Vale das Amendoeiras
As primeiras movimentações datam de Dezembro de 2022, por meio de articulação entre moradores do bairro Carajás e Vale das Amendoeiras com a prefeitura de Contagem. A área onde hoje está implantada a unidade produtiva era um local de descarte irregular de lixo e entulho, sendo usado para fins ilícitos. Inicialmente, o terreno precisou passar por um processo de limpeza, em forma de mutirão. Foi realizado também uma supressão de uma Leucena e foi utilizado uma retroescavadeira, da prefeitura, para realizar a remoção do banco de sementes.
O terreno foi cedido à Secretaria de Desenvolvimento Social, Trabalho e Segurança Alimentar pelo Termo de Responsabilidade e Vinculação 002/2022, para ser utilizado com a finalidade de compor uma Unidade Produtiva de caráter comunitário.
Como parte da Metodologia de Trabalho do Centro Municipal de Agricultura Urbana e Familiar (CMAUF) foi realizado o credenciamento dos agricultores. Após o credenciamento, foi elaborado um Regimento Interno, como no caso da Unidade Produtiva Sapucaias.
A área possui aproximadamente 1.328 m², e está dividida em três áreas de atuação, sendo elas:
- Àrea para produção coletiva, em que foram plantadas hortaliças.
- Área de cultivos medicinais.
- Área para pátio de composto, onde estão montadas composteiras com objetivo de produzir o composto para utilização na unidade.
Resultados
O Centro Municipal de Agricultura Urbana e Familiar (CMAUF) prestou assistência técnica durante todos os processos, promovendo a capacitação das agricultoras urbanas em práticas agroecológicas, auxiliando no correto preparo de solo e metodologias de plantios, fornecimento de insumos tais como: sementes, mudas, ferramentas, composto e esterco. Outra grande parceira neste trabalho foi a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais – EMATER, que tem auxiliado no processo formativo dos agricultores urbanos e no fornecimento de sementes. Vencendo as dificuldades infraestruturais, com muito esforço mútuo e colaboração, iniciaram-se os plantios e foram realizadas inúmeras colheitas, garantindo alimentos de qualidade para suas famílias e realizando ainda inúmeras doações.
Ao longo dos acompanhamentos, foi perceptível o notório progresso das agricultoras e agricultores, que aprenderam não só práticas de cultivo, como partilharam saberes, experiências e formação de comunidades conscientes e resilientes, contornando as dificuldades de convívio e promovendo a ocupação de um terreno ocioso, por meio de práticas sustentáveis de agricultura urbana.
Esta experiência desenvolvida nas Unidades Produtivas Sapucaias e Horta Comunitária do Vale das Amendoeiras, evidencia a importância de um sistema de gestão intersetorial de Políticas Públicas Participativas, onde são atendidas as reais demandas e necessidades da população, criando um modelo de gestão mais eficiente dos recursos, sempre prezando pela autonomia e protagonismo da população.
Victor Hugo de Souza Freires é Técnico em Controle Ambiental pelo Instituto Federal de Minas Gerais, Tecnólogo em Gestão Ambiental pela Universidade Federal de Viçosa e Técnico de Produção do CMAUF;
Gabriel Henrique Souza Gonçalves é Técnico em Agropecuária e Gestão Ambiental pela Universidade Federal de Viçosa e é Técnico de Produção do CMAUF
Ariele Souza Martins é Engenheira Agrônoma pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri e técnica de Produção do CMAUF
Priscila de Fátima Silva é Engenheira Florestal formada pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri e Técnica de Produção do CMAUF
Referências bibliográficas
CAETANO, W. B. Planta que alastra: estratégias de agricultura urbana, suas diversas escalas, conexões e desenvolvimento sistêmico. 2015. 111 f. Trabalho de conclusão de curso – Universidade Federal de Minas Gerais, 2015.