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Rodrigo Freitas: Por que Contagem precisa ter uma zona rural

Acompanhei por esses dias as discussões sobre o Plano Diretor de Contagem na Câmara Municipal e notei que os poucos vereadores de oposição ao governo Marília Campos apontavam que Contagem, diferentemente do que preconiza o texto da atual gestão, não precisava de uma zona rural. Confesso que essa afirmativa tão segura feita pelos parlamentares me chamou a atenção. Devo começar dizendo que estou longe de ser um especialista no uso e ocupação do solo das cidades, mas também devo lembrar que as centenas de entrevistas com especialistas, reportagens e estudos de artigos sobre essa causa ao longo da minha carreira como jornalista me permitem fazer algumas reflexões a respeito de tal temática.

Antes de falar da nossa Contagem, quero ir à vizinha Belo Horizonte. Há alguns anos, a prefeitura local resolveu descaracterizar a região da Granja Werneck – ou Mata do Isidoro – e criar um novo bairro na cidade. A grita dos movimentos ambientais foi imediata. O local ainda abriga uns poucos córregos de águas limpas e resquícios interessantíssimos de mata atlântica. Já tive a curiosidade de percorrer a Estrada do Sanatório, que corta essa área, e fiquei encantado. Parecia estar fora de BH. E é aí que mora a questão. O processo de urbanização da capital foi tão intenso e desordenado que uma área rural dá a nós a sensação de não estar em Belo Horizonte. A região da Granja Werneck não chega a 10% do território da capital mineira. Até São Paulo, a maior cidade do Brasil, com Parelheiros e Marsilac, tem uma considerável área rural. E é extensa, no extremo Sul do município.

Volto as atenções para o nosso quintal. Apesar do tamanho, com mais de 620 mil habitantes segundo o último Censo, o município ainda carrega consigo alguns hábitos do interior que dão a Contagem uma combinação curiosa de modernidade e provincianismo. O cidadão tem a comodidade de grandes cidades, mas tem bem pertinho de si uma Área de Proteção Ambiental (APA) em Vargem das Flores para chamar de sua. E essa APA ocupa 60% do território de Contagem. Note a riqueza ambiental que Contagem tem e que pode preservar, se souber se planejar!

Em 2018, com a revisão do atual Plano Diretor, fizeram o diabo para transformar boa parte da APA em área urbana, mesmo que isso seja algo em desconformidade com a preservação do manancial e de seu entorno. Foi como uma senha para a especulação imobiliária querer tomar conta do local. Em 2023, o texto do plano enviado pela atual gestão corrigiu essa aberração. A APA, segundo o projeto de lei complementar enviado pelo Executivo à Câmara, é sim uma área rural e sobre ela não pode recair a sanha da especulação. Aí eu já sei que muita gente pode pensar o seguinte:

– Mas isso é ser contra o progresso da região.

E eu respondo de bate-pronto:

– Jamais!

Pensar em Vargem das Flores como APA e zona rural é ser a favor do progresso de Contagem. O raciocínio é claro: se o entorno da lagoa se tornar uma nova Pampulha, estaremos fadados ao mesmo desfecho do manancial em Belo Horizonte, alvo da poluição causada pela ocupação desordenada em todo o seu entorno. E eu faço uma pergunta simples ao leitor e à leitora:

– Você prefere ter um lago que abastece a sua cidade, mesmo que em área rural, ou uma lagoa com uma luxuosa e poluída orla?

Não sei para você, mas a mim a resposta parece bem óbvia. É melhor que tenhamos água de qualidade oriunda de uma área preservada. E como se preserva? Impedindo o adensamento populacional que, diga-se de passagem, já começou de maneira desordenada na região, mas precisa ser freado de alguma maneira.

As maiores metrópoles do mundo caminham no rumo de cidades mais compactas e verticalizadas, preservando “regiões virgens ou semi-virgens” para garantir o equilíbrio ambiental. No caso de Vargem das Flores, me lembro ainda de um papo com o meteorologista Ruibran dos Reis, há uns 15 anos, quando trabalhávamos na rádio Itatiaia. Ele disse na época que a região e a bacia de Vargem das Flores, tal qual estava naquela época, era importante inclusive para a preservação do equilíbrio climático de Contagem.

Pensando para além da questão ambiental que envolve a preservação, temos um outro aspecto que está diretamente relacionado ao poder público. Criar novos bairros, como aconteceria se a APA deixasse de ser zona rural, exige infraestrutura que vai além de asfalto, energia, água e esgoto. Exige escolas, postos de saúde e criação de novas linhas de ônibus. E isso custa dinheiro dos cofres públicos, que têm seus limites. Nesse cenário, faço outra pergunta:

– É mais fácil aproveitar toda a estrutura que já existe fazendo adequações e ampliações ou é mais simples construir tudo do zero?

Pense comigo, caro leitor e cara leitora. Ampliar a Unidade Básica de Saúde (UBS) e adequar a demanda dela é mais simples do que construir uma nova. Ampliar o atendimento de uma escola que já existe também é mais simples do que erguer um prédio do zero. Melhorar o quadro de horários de ônibus em regiões que já estão interligadas pelo transporte público também me parece mais fácil do que simplesmente criar novas linhas saindo de regiões mais distantes.

Essa linha de raciocínio faz parte de um projeto de cidade que vai muito além de lotear tudo primeiro para se planejar depois. Historicamente, foi isso o que ocorreu em Contagem e em outras grandes cidades. A lógica era inversa ao que tenta fazer hoje o Plano Diretor. Criava-se um loteamento e vendia-se ao cidadão que precisava construir sua casa. Só depois é que os donos do terreno procuravam a prefeitura em busca de um mínimo de infraestrutura para que as pessoas pudessem viver com dignidade. Nessa lógica perversa, as cidades cresceram sem qualquer planejamento e o poder público vivia como aquele cachorro que está correndo atrás do próprio rabo.

Por essas e outras, por questões ambientais, de abastecimento e de urbanismo, é que Contagem precisa ter sua zona rural preservada. Por essas e outras é que o Rodoanel, cujo traçado o governo do Estado tenta impor a todo custo, não pode cortar a bacia de Vargem das Flores. Fatalmente, ele vai poluir as águas do lago, vai atrair para si algum adensamento e não vai resolver nenhum problema de mobilidade na cidade.

Aliás, o Plano Diretor, que parece um termo distante e difícil para boa parte da população, precisa ser mais discutido e traduzido para as pessoas. Esse é um esforço e um desafio de comunicação, inclusive. É o plano que regula a cidade e que não permite que atrocidades urbanas sejam cometidas contra o município e seus habitantes. O destino do espaço público está em nossas mãos.

Rodrigo Freitas é jornalista.

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