Animais domésticos chegam a 168 milhões e sinalizam mudanças nos perfis demográfico e socieconômico dos brasileiros
Érica Polo, VALOR ECONÔMICO, 14/08/2023
Diante de estranhos, o buldogue Jacques dá o que parecem ser saltos olímpicos, a gata Jovelina observa atentamente, e o par de peixes Peixoto e Aguinaldo apenas desliza para lá e para cá. Cada um com características de sua espécie, esse pequeno grupo integra uma população brasileira de animais de estimação, ou “pets”, na palavra em inglês, que já supera 168 milhões de indivíduos – uma das maiores do mundo.
Os bichanos brasileiros ultrapassam a soma das quatro maiores torcidas de futebol – Flamengo, Corinthians, São Paulo e Palmeiras reúnem cerca de 100 milhões de torcedores. Cabem quase dois “pets” em cada um dos 90 milhões de domicílios do país e, em suma, eles já são praticamente “um Brasil” a mais no território.
O Censo 2022 do IBGE contabilizou 203 milhões de cidadãos.
Pode-se listar uma série de mudanças comportamentais com o passar das décadas mais recentes que ajudam a explicar o ganho de espaço dos animais de companhia nas casas brasileiras, segundo fontes consultadas pelo Valor. Desde a escolha feita por mulheres e casais por um número menor de filhos, passando pelo natural processo de envelhecimento da população, a outros fatores que levam a mudanças no estilo de vida, como residir em domicílios menores.
Apesar das diferentes avaliações sobre o retrato do cenário, a percepção comum é a de que o relacionamento com a natureza – seja pela companhia de animais, seja pelo cultivo de plantas – é uma necessidade para o ser humano. Sobretudo para os que vivem em grandes cidades, sufocados pelo processo de verticalização, que em muitos casos tira até mesmo a possibilidade de ver o horizonte.
Uma consulta feita pelo IBGE em 2013, mostrou que o país reunia 132 milhões de animais de estimação, informa o Instituto Pet Brasil (IPB). Os dados mais recentes do mesmo IPB apontam para uma população de 150 milhões em 2021. O instituto contrata estatísticos e economistas para fazer o cálculo.
A Euromonitor indica que os “pets” já somavam 168 milhões no ano passado, conforme o site da Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (Abinpet).
São os dados mais recentes.
Consulta aos arquivos do Ministério da Saúde indicou que entre 2013 e 2021 nasceram 26 milhões de crianças no país. No mesmo período, o número de animais de estimação avançou pelo menos 18 milhões. Ou seja, a cada 100 crianças que chegaram aos lares brasileiros, chegaram também 69 animais domésticos.
Cachorros, gatos, peixes, roedores, entre outros, são alvos de contínuas campanhas de adoção realizadas por ONGs e empresas.
O amor pelos animais de companhia impulsiona um setor bilionário, com direito à representação de grupo de articuladores junto ao Congresso Nacional que busca a redução da alta carga tributária incidente sobre a cadeia.
Só o elo industrial projeta faturar quase R$ 50 bilhões no Brasil em 2023, 10,6% mais que no ano passado.
Somado varejo e serviços, o setor alcançou pouco mais de R$ 60 bilhões no ano passado.
Trata-se de um ecossistema de negócios que reúne todos os tamanhos de empresas – de microempreendedores àquelas adquiridas por fundos internacionais – e que ultrapassa a venda de rações, coleiras, roupas, brinquedos e calçados para animais, entre outros apetrechos. O setor hoje vê, ainda, a expansão da prestação de serviços, um universo que inclui cuidadores, atendimento em creche e até oferta de planos de saúde.
“Ter um animal de estimação em casa é um hábito antigo.
Mas notamos que nos últimos dez ou 15 anos ele se expandiu em cidades maiores, como São Paulo, à medida que as pessoas optaram por ter menos filhos”, comenta José Edson de França, presidente da Abinpet.
“Há vários fatores para esse crescimento”, pondera Nelo Marraccini, presidente do conselho consultivo do IPB, que representa o varejo. “Eu evito fazer o paralelo com crianças porque são responsabilidades totalmente diferentes.” “As famílias que têm menos filhos passaram a adotar ou comprar animais de estimação como companhia para as crianças, para que tenham uma infância mais saudável”, afirma. Além disso, a população de idosos do país avança, e muitos deles também optam pela companhia de animais.
O presidente diz que leva em conta até mesmo as mudanças no comportamento religioso. Ele lembra que os gatos, por exemplo, sofriam muito preconceito no passado por serem identificados como animais maléficos, “coisa do demônio”. Isso mudou. “As pessoas têm muitas crenças”, continua.
“Na minha família acreditava-se que as tartarugas ajudavam a melhorar a asma. E então eu tinha uma de estimação, que dormia debaixo da minha cama.” Dos 168 milhões de pets brasileiros, diz a Euromonitor, há 68 milhões de cães, 42 milhões de aves e 34 milhões são gatos. Há ainda 22 milhões de peixes ornamentais e 2 milhões de outros, como coelhos e roedores – sem falar nos “exóticos”. A população de felinos teve alta de 6% entre 2020 e 2021, indica o censo do IPB, com ajuda da pandemia, época em que a adoção de animais cresceu acima da média.
Felizmente para os gatos, o tempo do preconceito ficou para trás, e eles vêm conquistando cada vez mais admiradores em todas as faixas etárias. Isso porque eles não demandam tanta atenção como os cães, em geral têm menor porte, o que é melhor para quem mora em apartamento.
A ocupação de espaços cada vez menores, com a verticalização é um ajuste ao processo de redução das famílias domiciliares, uma tendência que já ocorre há algumas décadas.
O conceito de “família domiciliar” para o IBGE considera apenas os membros da mesma família que dividem uma residência.
Difere de conceitos sobre família de outras áreas de estudos, como a antropologia ou a sociologia, ressalva Márcio Minamiguchi, gerente de estimativas e projeções de população do IBGE.
O Censo de 2010 do IBGE, continua, mostrou naquele ano que, pela primeira vez, o país não tinha a predominância de participação das famílias que até então eram o perfil mais comum na sociedade.
O retrato do casal com filhos representava menos de 50% da população. “E esse perfil familiar é cada vez menos predominante”, afirma. Em 2000, lembra, casais com filhos eram fatia maior, de 56,4% da população.
Hoje, a média de pessoas por residência é de menos de três moradores, com um crescimento de 34% do número de domicílios, para 90,7 milhões, segundo o Censo de 2022 divulgado em junho deste ano. “O retrato atual é fruto do ciclo de vida e das escolhas das pessoas”, conclui.