Com o passar dos anos, pode-se dizer que a Região Metropolitana de Belo Horizonte ficou parada no congestionamento, quando o assunto é mobilidade urbana. Peço perdão ao caro leitor e à cara leitora pelo trocadilho infame, mas ele é carregado de verdade. Talvez a situação seja ainda pior e chego a dizer que a Grande BH andou para trás e que houve uma involução: enquanto o cidadão se tornou cada vez mais metropolitano, a mobilidade se tornou mais paroquial.
Para explicar essa tese, volto ao período entre o fim dos anos 1970 e meados da década de 1990, quando a Região Metropolitana de Belo Horizonte tinha a Metrobel. Se a execução não era um primor, a ideia era bem melhor do que a atual: o sistema de ônibus era realmente metropolitano e – mesmo que não houvesse modernidades como o cartão ou uma tarifa única – o modelo era pensado pela lógica de que o cidadão vivia em uma área metropolitana. Há algum tempo, estudei esse sistema e descobri que tarifa única era o passo adiante que se pretendia dar.
Em meados do anos 1990, o transporte público passou a ser mais pensado dentro de uma ordem municipal. Várias linhas dos ônibus vermelhos e azuis (expressos, semi-expressos e diametrais) deixaram de existir ou se transformaram em linhas municipais. Junto com essa ideia, se foi também qualquer possibilidade de maior integração metropolitana. O “grande problema” é que o cidadão se tornou cada vez mais cosmopolita e metropolitano, enquanto o transporte por ônibus fez o caminho inverso e se preocupou mais com os limites das cidades.
Ora, como podemos ter um transporte fragmentado se o cidadão hoje mora em Belo Horizonte, trabalha em Contagem e estuda em Betim? Como se pode aceitar que não haja uma ligação direta entre Contagem e Betim, cidades conurbadas, ou que a ligação por ônibus entre o Centro de Contagem e o Centro de Belo Horizonte seja interrompida às 19h por que os horários da linha acabam?
Linhas, existem. Mas elas hoje, por vezes, ligam lugares que não se ligam. Quando ligam localidades dentro de algum sentido lógico, o quadro de horários é risível e não atende as pessoas. Isso sem falar no estado de conservação dos veículos. Numa recente fiscalização do DEER na estação anexa ao metrô do Eldorado, dos três primeiros ônibus fiscalizados, o órgão estadual tirou dois coletivos de circulação por problemas como pneu careca, vazamento no freio e suspensão defeituosa – todos, itens de segurança. E ainda tem mais! Em Contagem, por exemplo, as linhas metropolitanas fazem concorrência a linhas municipais. Um cidadão que sai do bairro Alvorada, na Sede, e quer ir até o centro comercial do Eldorado pode tomar um ônibus metropolitano ou um municipal: pode ser o 1730 (gerenciado pelo Estado) ou o 102 ou o 001B (gerenciados pela Transcon).
Mas tudo isso não deveria ser integrado? Parece óbvio, mas não é. Integração ocorre quando todo mundo quer. Não adianta um lado apenas querer. Em Contagem, 60% dos ônibus que circulam pelo município são gerenciados pelo Estado. Regiões como Ressaca e Nacional são mais afetadas pela ligação direta com Belo Horizonte. Em verdade, o Governo de Minas jamais teve uma política metropolitana de transporte nas últimas décadas ouvindo os municípios e o cidadão. As gestões municipais também pecaram nisso.
O reflexo disso é o caos na mobilidade metropolitana. Os carros empapuçam cada vez mais as ruas e avenidas da cidade. Não há viaduto, trincheira ou duplicação que dê jeito. As obras já nascem estranguladas porque o cidadão não tem estímulo para deixar o carro ou a moto em casa para se enlatar num transporte que não se conecta e que é caro e ineficiente.
É bem verdade que a União precisa entrar de sola nessa política e garantir subsídios que garantam passagem com preços atrativos e qualidade de transporte. Estudos da Confederação Nacional dos Municípios falam em R$ 60 bilhões por ano. É muito? Sem dúvidas. Mas é começar a fazer isso ou as nossas metrópoles vão realmente parar.
Há solução para além? Há. E a prefeita de Contagem, Marília Campos (PT), deu a dica: a construção conjunta e integrada de um consórcio metropolitano de transporte. Diferentemente de uma agência, um consórcio tem poder de fazer acontecer e não fica apenas num planejamento que jamais sai do papel. Algumas experiências já apresentam êxito como a Região Metropolitana do Recife e a Região Metropolitana de Goiânia.
Se ninguém der um primeiro passo, não vamos sair do lugar. Literalmente. Marília lançou a semente. Agora falta a vontade política dos demais prefeitos dessa mancha urbana que é a Grande BH e do governador Romeu Zema (Novo), que precisa encampar esse assunto. Sem uma integração formal como um consórcio, ficaremos cada vez mais paralisados num arcaico sistema de transporte que – hoje – leva o nada ao lugar nenhum.
Rodrigo Freitas é jornalista apaixonado por mobilidade e atualmente é subsecretário de Comunicação de Contagem