AMORTECEDOR: que ou o que torna mais suave, mais brando.
AMOR: forte afeição por outra pessoa, nascida de laços de consanguinidade ou de relações sociais.
TECE: vem do verbo tecer. O mesmo que: Entrelaçar; prender organizadamente, entrelaçando, juntando uma coisa a outra ou entre si.
DOR: mágoa; sofrimento provocado por uma decepção, pela morte de alguém, por uma tragédia.
Quando fui convidada a escrever sobre a Parada LGBT+ de Contagem, que é segunda maior Parada de Minas Gerais, a quarta maior do Brasil e o ato político cultural com maior público de Contagem, inicialmente pensei em elaborar um artigo que trouxesse grandes referências, citações, dados estáticos, algo que pudesse agradar aos leitores técnicos ainda que eu não seja uma escritora técnica. Todo meu trabalho de pesquisa perdeu protagonismo quando eu vi as fotos da 17º Parada LGBT+ de Contagem, realizada no último domingo, 6 de agosto. Revivi o momento e todas as emoções e por isso, ousadamente, irei escrever um texto baseado na minha experiência como militante e como uma das organizadoras da Parada de Contagem no ano de 2023.
A rebelião de Stonewall que ocorreu em 1969 em Nova Iorque é sem dúvida nenhuma uma mola propulsora para qualquer movimento na luta pelos direitos LGBTQIAPN+.
O bar Stonewall Inn era refúgio para comunidade LGBT+ e sofria constantes batidas policiais regadas à agressão. Na noite de 28 de junho de 1969, os policiais foram surpreendidos com o público que resolveu reagir, o que desencadeou cinco dias de manifestações ao redor da cidade e envolvendo milhares de pessoas.
Após um ano da rebelião de Stonewall, milhares de pessoas da comunidade LGBT+ marcharam do local do bar até o Central Park. Essa marcha foi reconhecida como a primeira parada gay dos Estados Unidos.
A primeira Parada LGBT no Brasil ocorreu no ano de 1997 em São Paulo com público médio de 2 mil pessoas, de lá para cá várias cidades aderiram à marcha.
Sob a presidência de Anderson Cunha, o coletivo Cellos Contagem (Centro de Liberdade e Livre Orientação Sexual de Contagem) foi a entidade organizadora da primeira Parada de Contagem em 24 de julho de 2005. Desde então o Cellos Contagem atualmente presidido a primeira vez por uma mulher trans, Evellyn Loren, segue sendo a entidade organizadora desse ato político cultural que neste ano levou a média de 50 mil pessoas a ocuparem a principal avenida da cidade.
Em 24 de julho de 2009 o saudoso João Bosco do New Texas na condição de vereador propôs o Projeto de lei (LEI N.º 4277) que instituiu a Parada LGBT+ no calendário oficial de festas e eventos do município de Contagem. A câmara Municipal aprovou e a prefeita Marília Campos sancionou a lei.
A Parada ainda é tema polêmico na cidade e causa grande euforia por parte de quem participa e por parte de quem acha que ela não deviria ocorrer. Vou discorrer o texto sobre a ótica de quem enxerga a Parada como um AMORTECEDOR.
No país em que mais se matam pessoas LGBTQIAPN+ no mundo, muitas vezes é solitária e angustiante a jornada de quem é alvo da lgbtfobia, ainda com um esforço enorme para barrar o avanço de propostas de lei anti-LGBTQIAPN+ e várias ações afirmativas. Existem pessoas LGBT+ que são privadas do convívio familiar, sofrem abstenção das práticas religiosas, evadem do ambiente escolar e não conseguem acessar se quer o sistema de saúde por não serem respeitadas apenas por serem quem são, somos literalmente execradas por boa parte da sociedade. Chegar na Parada e encontrar milhares de pessoas que vivem angustias similares e lutam pela mesma causa, suaviza a sensação de solidão, diminui o impacto dos abandonos e alimenta a esperança de um mundo minimamente mais justo. Ouvir a prefeita de nossa cidade dizer diante de 50 mil cidadãos LGBT+ e apoiadores da causa, que ela se compromete com a proposta de seguir construindo uma Contagem que inclua a todas as pessoas sem distinção de raça, gênero, pratica religiosa e orientação sexual, diminui o impacto do terror vivido durante quatro anos de um governo que insistiu em perseguir a comunidade LGBTQIAPN+.
AMOR-TECE-DOR.
“Consideramos justa toda forma de AMOR” nem todo ódio destilado cotidianamente sobre a comunidade LGBT+ é capaz de ofuscar a rastro do amor que a Parada deixa pelo percurso que os trios realizam. Há quem fique mais impactado assistindo o beijo entre duas pessoas do mesmo sexo do que ver uma mulher sendo carregada durante 40 minutos por um abusador. Há quem ache mais absurdo uma criança que está na Parada aprendendo a respeitar e conhecer a diversidade de pessoas e famílias que existem no mundo, do que ver uma criança sendo instigada a simular uma metralhadora que faz a alusão de matar oponentes políticos.
Uma estimativa de 50 mil pessoas e nenhuma ocorrência grave registrada pelos órgãos de segurança.
Muitos beijos, milhares de abraços, gritos por liberdade e paz e nenhuma violência.
A Parada TECE uma rede de acolhimento e apoio invejável! Através do chamamento do Cellos Contagem, todos os militantes de movimentos sociais LGBT+ de Contagem e fora de Contagem se unem para realizar esse grande ato. Esse ano foram quase 40 artistas envolvidos (as) nas apresentações, vale ressaltar que todas essas pessoas são voluntárias. O Cellos tem o desejo que os artistas que se apresentam na Parada possam receber cachê assim como qualquer artista que se apresenta nos palcos da cidade, mas mesmo com a ausência desse aporte financeiro é com muita dedicação que essas pessoas sobem ao palco e deixam através da arte a mensagem de amor, esperança e resistência.
Muita das pessoas que assistem às apresentações da Parada tem naquele momento o seu único acesso à cultura que de fato os represente.
Para além da teia de apoio entre a comunidade LGBT+ que a Parada proporciona, o entrelaço do movimento social que é realizador e a prefeitura como apoiadora faz com que renda seja gerada para centenas de pessoas.
Participaram da Parada mais de 60 ambulantes, barracas da economia solidária, dezenas de catadores de latinhas, empresa de som, palco, iluminação, brigadistas, socorristas, seguranças.
A costura feita pelo movimento social e a prefeita Marília Campos forma a bandeira da inclusão.
Tecemos um ato politico cultural que cobre muito além da comunidade LGBTQIAPN+.
Mesmo diante de da importância que é a realização da Parada, os apoiadores da extrema-direita e os neoconservadores insistem na narrativa de que é a Parada se resume a promiscuidade e vulgarização, muitas das vezes se apegam a exposição dos nossos corpos e corpas que desfilam pela avenida. A pergunta que fica é porque essas pessoas se incomodam tanto como os nossos corpos livres e vivos e não se importam com a quantidade de corpos LGBT+ que são aniquilados de forma extremamente violenta?
Expor nosso corpo, nossa existência é um ato de coragem diante de toda DOR causada pelo preconceito.
A Parada é AMORTECERDOR, para toda falta de AMOR da pessoa preconceituosa que TECE uma rede de ódio e causa tanta DOR em quem apenas quer viver sendo si e amar a quem quiser, pois todo amor é sagrado e o ódio que deve ser abominado.
Poli Dias é estudante de Ciências Sociais, ativista pelas causas dos Direitos Humanos e militante do Cellos Contagem.