topo_M_Jose_prata_Ivanir_Alves_Corgozinho_n

SEÇÕES

100 dias de Lula: Governo foi bem ao consertar o que Bolsonaro quebrou, artigo de Celso Rocha de Barros

Na área econômica, houve momentos ruins, como bagunça de Lupi com juros do consignado e ruído com presidente do BC

FOLHA DE SÃO PAULO, 8/04/2023

O governo Lula começou derrotando o golpe dos terroristas de Bolsonaro, os mesmos que tentaram explodir o aeroporto de Brasília na véspera de Natal. Interrompeu o genocídio dos yanomamis, para quem Damares Alves, em cujo ministério trabalhava um dos terroristas do aeroporto, propôs negar água.

Expulsou garimpeiros de áreas proibidas e revogou decretos que armavam a bandidagem bolsonarista. Começou a consertar as dezenas de coisas que Jair Bolsonaro quebrou, do combate ao desmatamento ao programa de vacinas, do Bolsa Família ao Mais Médicos.

Nesse primeiro aspecto, consertar coisa que Jair quebrou, Lula começou muito bem. E eram tarefas difíceis: o grande insight do conservadorismo, que nunca chegou ao ouvido dos Olavos deste mundo, é que quebrar é fácil, consertar é difícil.
Na área econômica, o governo teve momentos ruins, como a bagunça que Carlos Lupi fez com os juros do consignado para aposentados. E houve muito ruído, como na briga de Lula com o presidente do Banco Central.

Em parte, isso refletiu um processo de aprendizado nacional: Lula é o primeiro presidente a conviver com um Bacen cujo comando ele não indicou. A opinião pública ficou do lado do presidente, mostrando que debates sobre as causas dos juros altos deveriam ser mais comuns na esfera pública brasileira.

Mas o tom de Lula, personalizando a crítica, foi um erro: se Campos Neto fosse um infiltrado da extrema direita, teria deixado o juro baixo em 2022 e proporcionado o voo de galinha que certamente teria reeleito Bolsonaro e preservado o cargo do terrorista do aeroporto.
Apesar do ruído, Lula não tomou nenhuma decisão que prejudicasse a gestão macroeconômica brasileira, e as propostas econômicas que está apresentando ao Congresso são muito boas.

Na coluna anterior, falei do arcabouço fiscal, um compromisso razoável que deve estabilizar a relação dívida/PIB nos próximos anos. O próximo passo de Lula na área econômica é a reforma tributária, bastante elogiada pelos economistas, inclusive os que nunca votaram no PT. Se passar uma boa reforma tributária, Lula sem alta das commodities terá feito pelo crescimento brasileiro de longo prazo mais do que Lula com alta das commodities.

Lula também abriu discussões sobre o novo ensino médio, uma ideia que não sabemos exatamente se era mesmo ruim ou se deu o azar de ter Jair Bolsonaro como presidente na data prevista para sua implementação. Afinal, se o Plano Marshall tivesse sido implementado por Vélez e Weintraub, em 15 dias o nazismo teria virado o resultado da guerra.

De qualquer forma, Lula decidiu não revogar o novo ensino médio, mas sim tentar consertá-lo: se der certo, isso mostrará competência do PT para dar o passo seguinte das políticas sociais, depois de seus bem-sucedidos programas de transferência de renda.

Enfim, foram cem dias de um governo ideologicamente heterogêneo, que teve uma ameaça de golpe em sua primeira semana. Lula tem que equilibrar sua base popular, constantemente assediada pelos grupos de WhatsApp da direita radical, e seus novos aliados de centro. Felizmente, além de uma infinidade de crises, acabou herdando um repertório de boas ideias sobre políticas públicas que circularam pela área do centro até a esquerda nos quatro anos que passamos ouvindo o Jair falar de golden shower.

Celso Rocha de Barros é servidor federal e doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra). Autor do livro “PT, uma história” (Companhia das letras).

Outras notícias